Uma das melhores coisas de ser um jornalista de cultura é o possível contato com pessoas cujo trabalho você admira demais. Já fiz entrevistas que gostei demais, frente a frente (Débora Colker, Bete Mendes, Laís Bodanzky…), por telefone (Ruy Castro, Andréa Beltrão…) ou por e-mail (Fernando Meirelles). Vou começar a postá-las aqui, começando pela mais recente e uma das mais importantes pra mim: Maurício de Sousa, falando sobre seus 50 anos de carreira.

Maurício faz parte da minha vida desde criança – como de todo brasileiro, dá pra dizer. Aprendi a ler com as historinhas da Turma da Mônica e nunca deixei de ler, a cada fase com um interesse diferente. Hoje, sou particularmente ligado nas histórias clássicas e compro religiosamente as coleções As Tiras Clássicas da Turma da Mônica, com tiras dos anos 1960, e Turma da Mônica – Coleção Histórica, com gibis dos anos 1970 e 1980.

Sempre quis, claro, conhecê-lo. E conversar com ele por 50 minutos ao telefone foi o máximo.

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O plano infalível do Maurício

No Horácio, só ele põe a mão

No Horácio, só ele põe a mão

Se um garoto não é muito chegado a um banho, logo ganha o apelido de Cascão. E uma menina come mais que as amigas ou tem uma predileção por melancias, não dá outra: é a Magali da turma. Qual criança ou adulto no Brasil não conhece Mônica, Cebolinha e seus amigos? O alcance das criações de Maurício de Sousa, que completa este ano 50 anos de carreira, é impressionante e ele sabe disso, mas garante que o sucesso não foi por acaso, na conversa por telefone com o repórter do JORNAL DA PARAÍBA: desde o começo, sabia que queria trabalhar com HQ e como faria para alcançar seu sonho.  “Eu já me preparava para fazer tiras, fazer mais de uma e distribui-las”, lembra.

“Quando vim de Mogi das Cruzes para São Paulo, com meus desenhos debaixo do braço, eu já queria trabalhar com isso”, recorda Maurício. “Mas eu não estava preparado e os jornais não estavam preparados para me receber”. Para se aproximar dos chefes da redação, conseguiu uma vaga como repórter policial, enquanto se preparava melhor para mostrar o trabalho aos, a partir de então, colegas.

“Trabalhei por cinco anos, quase seis, na reportagem policial”, conta ele. “Comecei a gostar demais e, aí, ou eu virava repórter policial pra sempre ou voltava para o meu antigo amor”. Voltou, mas nesses cinco anos, ele não parou de se preparar: pedia para ver todo material de quadrinhos estrangeiros que chegava. “Eu queria ver como os americanos mandavam o material, como era o prospecto, como apresentavam uma tira nova”. Seguindo essa estratégia, Maurício começou a oferecer seu material, não só para o próprio jornal, mas para outros, criando sua própria rede de distribuição. Um plano que se revelou infalível.

Pela mão do homem

Pela mão do homem

A primeira tira, estrelada por Bidu e Franjinha, foi publicada em julho de 1959. Dois anos depois vieram Cebolinha e Cascão e só em 1963 estrearam Mônica e Magali, que – todo mundo sabe – são baseadas nas próprias filhas do Maurício. Nessa época, já existiam também as tiras do Piteco e do Astronauta. E o aumento de trabalho levou ao próximo passo: a montagem de uma equipe, que começou três anos após a primeira tira.

“Não era bem uma equipe, no começo”, conta o quadrinista. “Eu tinha alguém para me ajudar, que fazia o requadramento e pintava os espaços de preto”.  Logo, a ajuda teve que ser maior. “Passar os desenhos foi uma dor no coração”, revela. “Foi difícil, uma briga comigo mesmo. E ter outros roteiristas foi uma dor mais profunda ainda. E tive que convencê-los a sempre trabalharem com criações minhas e não as deles, para que nunca houvesse problemas com direitos autorais”.

Maurício procura unir sua visão artística e empresarial. “Eu acho que você tem que, mesmo trabalhando com arte, criação, a cabeça nas nuvens, tem que ter uma preocupaçãozinha com o dia-a-dia que vai permitir que você continue fazendo o que gosta”, afirma. “Nesse ponto, eu segui os conselhos do meu pai, que me dizia: ‘Maurício, desenha de manhã e administra seu negócio à tarde, senão você não vai conseguir’”. E ele continua tentando dividir seu tempo. “Quero voltar a fazer o Horácio, assim que resolver uns problemas administrativos – não só o Horácio, mas também tiras, que é o que eu gosto de fazer”, confessa.

* Publicado no Jornal da Paraíba de 15/03/2009.

Maurício de Sousa – Parte 2
Maurício de Sousa – Parte 3
Maurício de Sousa – Parte 4