GOLPE DE MESTRE
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 1
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Truque de cartas cinematográfico

Paul Newman e Robert Redford, dirigidos por George Roy Hill, já tinham funcionado muito bem em Butch Cassidy (1969). Quatro anos depois, eles estavam juntos de novo para Golpe de Mestre (1973) e a magia se repetiu e foi ainda mais longe. Premiado com sete Oscars, incluindo o de melhor filme, essa comédia de trapaceiros que se passa nos anos 1930 se estabeleceu como um modelo muito copiado e, assim, pode já não enganar tanto o espectador já escolado, mas chega aos 50 anos mantendo seu charme intacto.

Para começar, é sempre notável quando uma comédia consegue o feito de levar o Oscar de melhor filme. É bem sabido que filmes do gênero costumam ser menosprezados em prêmios ou listas de melhores dos críticos. Este, ainda por cima, está encravado entre O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão – Parte II (1974), dois épicos dramáticos. Golpe de Mestre se passa em época parecida ao primeiro Chefão (que é nos anos 1940) e também tem o crime como componente crucial de sua trama. Mas, sobretudo se comparado aos filmes de Coppola, é absolutamente faceiro.

Não discute nada “importante”, não é cínico, não é revisionista nem baixo astral. Contraria tudo o que a Nova Hollywood vinha fazendo naqueles anos. Sua trama parte de dois trambiqueiros de rua que aplicam um golpe que dá certo demais. Arrancam uma bolada de um sujeito, mas não sabem que a grana estava endereçada a um sujeito poderoso e perigoso, Doyle Lonnegan (Robert Shaw). Como resultado, o mentor Luther (Robert Earl Jones) é morto e o mais jovem, Johnny Hooker (Redford), pode ser o próximo.

Então, ele procura outro veterano, Henry Gondorff (Newman), e, com a ajuda de uma rede de trambiqueiros, um grande golpe começa a ser armado para vingar a morte do amigo assassinado. Hooker ajuda Gondorff a recuperar a perícia de outros tempos e sair do buraco e Gondorff ajuda Hooker a ser mais profissional e cuidadoso com a própria vida. É um par de ases que pode valer por uma quadra.

Mas boa parte do que assistimos é o planejamento e a preparação detalhada do golpe, o que já era um clássico dos filmes de roubo como Rififi (1955), O Grande Golpe (1956) e o primeiro Onze Homens e um Segredo (1960), mas aqui não se trata de um roubo a algum lugar, como um banco, uma joalheira ou um cassino. É fundamental uma encenação elaboradíssima, consagrando um tipo de trama a que o cinema voltaria muitas vezes desde então.

Essa preparação é dividida em duas saborosas partes. Numa, Gondorff e Hooker vão tentando fisgar Lonnegan partindo de um jogo de poquer em um trem onde a trapaça é uma das cartas. Na outra, a locação é escolhida, o cenário é erguido e elenco é selecionado como numa peça de teatro. “Minha especialidade é ser um inglês”, diz um candidato, a quem é oferecido um figurino. “Pode deixar, eu trago meu material comigo”. Simpático e profissional, em uma espécie de cultura própria dos golpistas, com suas regras, código de honra, linguajar e procedimentos.

Um complicador é que Hooker está sendo perseguido não só pelos matadores profissionais de Lonnegan quanto por um policial corrupto que ele também enganou. E não conta isso ao novo parceiro. Isso é importante porque deixa no ar segredos entre eles que ajuda a convencer nas reviravoltas do enredo. O par de ases pode não ser o suficiente, se a mão vier desfavorável.

É claro que, cinco décadas depois, os truques de Golpe de Mestre já foram revisitados muitas vezes por outros filmes e talvez sua prestidigitação não surpreenda tanto quanto na época de seu lançamento. Mas o fato é que o filme não depende disso. Há muito mais o que saborear. O diretor George Roy Hill não se contentou com a ambientação nos anos 1930 e aproximou como pôde o filme do estilo de narrativa da época.

Há o visual com uma reconstituição de época caprichada e figurinos de Edith Head (o ícone máximo nessa função em Hollywood, muito identificada com o cinema clássico). Há sacadas de edição como o efeito de cortina ou íris para passar de uma cena a outra. Há as cartelas que introduzem os capítulos, com ilustrações de Jaroslav Gebr que parecem saídas de revistas da época (com o efeito de página virando, inclusive). Há os créditos iniciais, que começa com o logo antigo da Universal e desfila o elenco com suas cenas vindouras no filme, depois de apresentados com uma solenidade irônica, “The players” (que a dublagem brasileira e a legenda no DVD chamam “Os jogadores”).

Sem falar na trilha sonora antológica que resgatou obras do pianista Scott Joplin, rearranjadas para o filme por Marvin Hamlisch. O ragtime de Joplin é, na verdade, de uns 20 anos antes do tempo da trama do filme, lá dos anos 1910, mas o fato é que a música dá o clima exato do filme, o que se provou bem mais importante que essa precisão histórica.

A obra de Joplin passava então por um processo de redescoberta após décadas meio esquecida. Em Golpe de Mestre, ela tem status de protagonista: não aparece sob os diálogos, mas entra em cena em sequências onde ela é absoluta. Somando o imenso sucesso popular do filme, que ainda hoje figura entre as 100 maiores bilheterias americanas (corrigida a inflação), o relativo desconhecimento geral das músicas e sua importância no filme, composições como “The entertainer” ficaram para sempre ligadas ao filme.

Tudo isso ajuda o filme a fazer truques de cartas na nossa frente, enquanto bate nossas carteiras: quando deu por si, a plateia já está conquistada.

GOLPE DE MESTRE. The Sting. Estados Unidos, 1973.
Direção: George Roy Hill. Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Charles Durning, Eileen Brennan, Ray Walston, Harold Gould, Dana Elcar, Dimitra Arliss, Jack Kehoe, Robert Earl Jones, Sally Kirkland, Kathleen Freeman.