You are currently browsing the tag archive for the ‘Oscar’ tag.

POBRES CRIATURAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 22
Onde ver (em 26/02/2024) – Em cartaz nos cinemas

Imaginando a liberdade total

O que seria uma mulher totalmente livre? Sem as amarras e opressões comportamentais impostas a ela através dos séculos? Dando vazão sem freios a seus prazeres e pensamentos? Parece ser esta a premissa da qual parte Pobres Criaturas, 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, direção e atriz.

Para isso, o diretor Yorgos Lanthimos e o roteirista Tony McNarama (a partir do livro de Alastair Gray) resolvem partir do zero: uma mulher com mente de criança, aprendendo tudo e sem qualquer noção sobre o que é “adequado”.

Muito já se falou e escreveu sobre as relações dessa história com o Frankenstein, de Mary Shelley (bem resumidamente, a protagonista Bella Baxter também é uma morta trazida de volta à vida, sem memórias do passado). E sobre essa postura feminista do filme, no qual Bella não só vai atrás do que deseja como desenvolve seu intelecto através de questões intelectuais e filosóficas.

E o filme ainda faz isso com um visual arrebatador, com cenários e direção de arte fantásticos, lentes para distorcer o que se vê, e sem ser tatibitati (Barbie deu muito azar em ter este filme lançado no mesmo ano…). Lanthimos, um diretor que não tem medo do bizarro, fez um filme esquisito e saboroso, muito engraçado mesmo.

Emma Stone tem possivelmente a performance física do ano, sobretudo pela movimentação desengonçada de sua personagem (e, sim, também pela entrega nas cenas de nudez e sexo – ela tem reclamado que só perguntam sobre isso, e, se é isso mesmo, ela tem toda a razão). Como parceiro de cena, Mark Ruffalo está perfeito, em outra grande atuação: engraçadíssimo na sua desfaçatez e, depois, patetice.

E em seu roteiro o filme vai a lugares inesperados, acompanhando Bella em suas descobertas e autodescobertas pelo mundo. Lisboa e Paris aparecem como ilustrações muito mais do que como cidades reais. Ainda assim, os lugares inesperados são muito mais os caminhos da história, que parecem navegar sempre em frente, do que um local físico. Pobres Criaturas consegue essa proeza: a de ser surpreendente sem parecer pedante e poderia seguir um rumo trágico (Bella poderia ser tragada pela sociedade, destruída), mas tem a disposição de fazer rir.

É bom não esquecer isso, porque isso costuma ser subestimado e não tem se falado isso tanto quanto o parentesco com Frankenstein, o enfoque da liberdade da mulher ou a nudez e o sexo: Pobres Criaturas é uma comédia, e das boas.

Poor Things. Irlanda/ Reino Unido/ Estados Unidos/ Hungria, 2023. Direção: Yorgos Lanthimos. Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Rami Youssef, Vicki Pepperdine, Hanna Schygulla.

VIDAS PASSADAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 21
Onde ver (em 19/02/2024) – Em cartaz nos cinemas.

O sentimento de “o que poderia ter sido”

O primeiro plano é de três pessoas sentadas no balcão de um bar. Um homem de aparência oriental, outro de aparência ocidental, uma mulher de aparência oriental entre eles. Quem serão? Alguém fora de quadro pergunta a outra pessoa e vão conjecturando (em inglês). Um casal (os dois orientais) e o guia americano? Dois irmãos e o namorado dela?

“Vidas Passadas”, o excelente primeiro longa da coreana Celine Song e indicado ao Oscar de melhor filme, vai responder essa pergunta, só que mais para a frente. Dessa cena de abertura, que parece querer colocar o espectador como alguém que se perguntaria a mesma coisa se visse aquela cena, o filme volta no tempo e vai até a Coreia do Sul para mostrar um menino e uma menina muito ligados. Namoradinhos que planejam passar o resto da vida juntos, até que a vida os separa: a menina e seus pais vão morar no Canadá.

Os anos passam até que haja um reencontro via redes sociais. Ainda há a possibilidade de alguma chama, estando os dois separados por tanto tempo e por um mundo de distância? A trama evolui para o que é realmente o coração do filme: o reencontro em pessoa dos dois namorados de infância, mas em uma situação em que ela está comprometida.

Song narra com extrema sensibilidade e elegância esse reencontro não só entre pessoas, mas entre sentimentos e expectativas de vida. É um filme de conversa e muita gente deve lembrar da trilogia “Amanhecer/ Pôr do Sol/ Meia-Noite”, de Richard Linklater, sobretudo do segundo filme.

Conduzido por dois ótimos atores, é um grande filme sobre o sentimento de “o que poderia ter sido” com aquela ponta de “será que ainda pode ser”. Uma atmosfera agridoce que lembra os finais de “La La Land” e de “Café Society”, mas aqui trabalhada por mais tempo.

Sutil e comovente, tem potencial para figurar em listas de grandes primeiros filmes.

Past Lives. Estados Unidos/ Coreia do Sul, 2023. Direção: Celine Song. Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Moon Seung-ah, Leem Seung-min.

TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 53
Mídia física: não disponível no Brasil. Streaming: Amazon Prime Video, Now. Aluguel ou compra digitais: Claro Vídeo, Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon.

Essa mistura de Shaw Brothers, universo Marvel, Laços de Ternura e Bob Esponja parece sem freios ao imaginar possibilidades do multiverso pelo qual sua personagem principal – uma banal chinesa dona de lavanderia nos EUA, enrolada com os impostos e que vive uma vida infeliz – é obrigada a passar para salvar a existência. É uma grande confusão da qual o filme nem sempre dá conta, mas alternando entre a comédia pastelão, a ação e o drama (ou misturando tudo) e apoiada num sólido elenco, com o estrelato devido à malaia Michelle Yeoh e retorno de Ke Huy Quan. Os dois foram premiados com o Oscar, além do próprio filme e dos diretores: foram vitórias em sete categorias, no total.

Everything Everywhere All at Once. Estados Unidos, 2022. Direção e roteiro: Daniel Kwan e Daniel Scheinert. Elenco: Michelle Yeoh, Ke Huy Quan, Stephanie Hsu, Jamie Lee Curtis, James Hong.

NADA DE NOVO NO FRONT
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 27
Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Netflix.

A primeira adaptação deste romance, feita por Hollywood em 1930, era uma poderosa declaração pacifista em um tempo em que os filmes de guerra costumavam ser tratados como aventura ou demonstração de heroísmo idealista. Esta nova versão, alemã como os personagens, já é de um tempo em que o tom dos filmes do gênero costuma ser este mesmo: o horror do conflito, sem glamour. Jovens alemães se alistam para lutar na I Guerra Mundial embriagados pelo patriotismo, mas na linha de combate descobrem logo que tudo o que há ali são privações, selvageria e mortes sem sentido. Em contraste, surgem os oficiais que, confortavelmente em seus gabinetes, decidem o destino do conflito. Muito bem produzido e atuado, é uma grande representação da insanidade das guerras. Indicado a 9 Oscars, incluindo melhor filme, e vencedor do Bafta de melhor filme.

Im Westen nichts Neues. Alemanha/ Estados Unidos/ Reino Unido, 2022. Direção: Edward Berger. Elenco: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Daniel Brühl, Moritz Klaus.

BELFAST
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2022: 29 e 36
Onde ver: DVD, blu-ray

A persistência do encantamento infantil

Demora cinco minutos para que o idílio de Buddy, um garotinho que vive seu cotidiano de brincadeiras em sua vizinhança, acabar em Belfast. Kenneth Branagh partiu de suas memórias de infância na capital da Irlanda do Norte para escrever e dirigir este filme, em que o pequeno protagonista de repente se vê no meio de um conflito movido pelo ódio político-religioso, sem entender o que se passa. Como o próprio país, talvez?

O filme começa com cenas tranquilas de paisagens de Belfast nos dias de hoje. Mas de longe e sem pessoas. As pessoas complicam tudo. Quando a câmera vê por trás de um muro, é a Belfast de 1969 que está lá, em preto-e-branco, um bairro da classe trabalhadora, cheio de gente. Crianças brincando na rua, vizinhos conversando nas portas de suas casas ou na quitanda lá na esquina e, de uma hora para outra, uma milícia que surge do nada com tochas, quebrando janelas, atacando pessoas e explodindo um carro.

São protestantes querendo expulsar os católicos da vizinhança onde, até cinco minutos antes, todos viviam em harmonia. A família de Buddy é protestante (a mãe, o pai que passa muitos dias fora a trabalho, o irmão, os avós que moram perto), mas a escalada da violência vai colocar na mesa a questão: eles terão que se mudar do ambiente onde sempre viveram?

Kenneth Branagh tem o cuidado de não tomar partido no conflito religioso. A família é protestante, mas sempre deixa claro que não compartilha da agressão aos católicos. E, embora do ponto de vista deles o catolicismo seja uma religião “do medo”, o pastor protestante esbraveja em seu púlpito numa missa, instalando justamente o terror no coração de Buddy.

Mais importante para o diretor é a memória afetiva da comunidade, como os moradores dançando na rua. A cena começa com um dos muitos planos expressionistas que Branagh vai pintando no filme: o LP rodando na vitrola em primeiríssimo plano, com a rua ao fundo.

O que ele também faz bastante é emoldurar pessoas em diferentes cômodos. Algumas vezes separadas pelas paredes, em outras é alguma conversa fora de casa testemunhada por alguém ao fundo, numa janela. As molduras também são fruto do aproveitamento dos cenários das ruas apertadas, de muros altos, dos quintais estreitos.

O rigor nesses planos é admirável, sobretudo quando se sabe que Branagh e o diretor de fotografia cipriota Haris Zambarloukos filmaram quase tudo com luz natural, inclusive dentro dos ambientes e deixaram a câmera rodando secretamente nos ensaios para pegar a espontaneidade do Jude Hill, que faz Buddy.

O idílio quebrado de Buddy, simbolizado pelo giro de câmera semelhante ao protagonizado por Buscapé em Cidade de Deus (2002), é um processo. As conversas adultas sobre as tensões são contrastadas pelas crianças que não entendem completamente o que acontece e ainda levam suas vidinhas e preocupações com a menina bonita da escola e diversões com os gibis, o cinema e a televisão.

O cinema e o teatro, inclusive, possuem cores, com a arte sendo o grande escape, o grande salto para outra realidade menos dura. E, no caso de Branagh, pessoalmente, o seu futuro como homem dos palcos e da tela.

Branagh desfila referências culturais. Algumas bem pessoais, como um gibi do Thor ou livros de Agatha Christie, universos que o diretor levou ao cinema. No cinema, O Calhambeque Mágico e o nada infantil Mil Séculos Antes de Cristo, com a curvilínea pré-histórica vivida por Raquel Welch. Na TV, noticiários sobre os conflitos se alternam com “Jornada nas Estrelas” e faroestes clássicos, como O Homem que Matou o Facínora e Matar ou Morrer.

Curiosamente, Os Brutos Também Amam não é um dos faroestes a que Buddy assiste. Mas Belfast tem muito a ver com o clássico de George Stevens. O filme é visto pelos olhos de Buddy como Shane era visto pelos olhos de Joey, com o fascínio provocando alguma realidade aumentada, fazendo, por exemplo, com que os tiros do duelo final, que ele assiste escondido, soem enormes como tiros de canhão.

O pai em Belfast (Jamie Dornan) também encara um “duelo” com o líder da milícia, para defender sua família. O antagonista chama-se – veja só – Billy Clanton: o personagem é batizado com o nome de uma das figuras que enfrentaram Wyatt Earp e Doc Holliday no tiroteio do OK Corral, retratado em filmes como Paixão dos Fortes, 1946, Sem Lei e Sem Alma, 1957, Tombstone, 1994, e tantos outros. A cena é resolvida ao som de “Do not forsake me, oh my darling”, tema inesquecível de Matar ou Morrer, num lance que pode muito bem ser a mesma realidade aumentada pelo fascínio do filho que vê o pai assumir o papel de herói.

Mas logo a realidade se impõe com a familia nada podendo fazer, a não ser se encolher abraçada num canto de parede, enquanto soldados e milícia se enfrentam nas ruas. É o contraste que dita o filme do começo ao fim, e, enquanto Jude Hill é o responsável pela atmosfera mais inocente, Dornan, a ótima Caitríona Balfe (a mãe), Judi Dench (a avó) e Ciarán Hinds (o avô) dão a medida da gravidade daqueles dias.

O grande problema de Belfast poderia ser a existência de um filme chamado Esperança e Glória, a grande obra de John Boorman, de 1987, em que os dias dos bombardeios nazistas a Londres, na II Guerra, são vistos pelos olhos de duas crianças. Na prática, porém, Belfast possui sua própria personalidade ao versar sobre outra época e lugar. Se um encerrava com um iconoclasta e irônico “Obrigado, Adolf!”, este também celebra a vida sobre a morte ao som de “Everlasting love”.

Sempre pelas lentes do encantamento infantil, resistente, apesar de tudo.

Belfast. Reino Unido, 2021.
Direção e roteiro: Kenneth Branagh. Elenco: Jude Hill, Caitríona Balfe, Jamie Dornan, Jude Dench, Ciarán Hinds, Lara McDonnell.

DUNA
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2022: 23
Onde ver: HBO Max, Now, Looke, Apple TV, Google Play, Microsoft Store.

Vontade de ser um Star Wars cabeça

Adaptações de Duna mexem sempre com fãs ardorosos da série de livros de Frank Herbert, que ergue todo um universo de planetas distantes, política espacial, famílias nobres e povos oprimidos. No cinema, a adaptação dirigida por David Lynch em 1984 é uma memória dolorida. Denis Villeneuve assumiu o desafio de uma grande versão depois de se sair bem em outro vespeiro do cinema de ficção científica: a continuação de Blade Runner, que ele dirigiu em 2017.

Se Lynch se viu obrigado a reduzir a duração de seu épico kitsch, Villeneuve de saída divide o filme em dois – o título original deixa claro que esta é uma “parte 1”. Isso dá mais tranquilidade para que a história seja contada em tempo que o diretor julgue adequado, embora levar 50 minutos para que a trama comece de fato parece um cadenciamento excessivo do ritmo.

O filme capricha no visual e nos efeitos, gerando diversas indicações ao Oscar nas categorias técnicas, além de uma indicação a melhor filme. Os ecos de Guerra nas Estrelas são evidentes, já que Duna influenciou a série de George Lucas, mas Lucas acrescentou o tempero dos antigos seriados de cinema, entre outras referências. Duna é Star Wars sem essa diversão descompromissada. Quer ser um Star Wars cabeça.

Talvez falte esta especiaria em Duna, que se leva a sério demais e pode ter dificuldade em fazer embarcar quem não tem tanto interesse nas questões de engenharia sócio-político-econômica das casas A ou B, por exemplo. O fascínio fica meio reservado para quem já é íntimo da história e acalentou a esperança de um dia vê-la bem representada na tela grande.

Dune – Part One, 2021.
Direção: Denis Villeneuve. Elenco: Timothy Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Zendaya, Jason Momoa, Stellan Skasgard, Josh Brolin, Javier Bardem, Dave Bautista, Charlotte Rampling. Voz: Marianne Faithfull.

NO RITMO DO CORAÇÃO
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2022: 13
Onde ver: Amazon Prime Vídeo, Looke, Apple TV, Google Play.

Fácil de gostar

Refilmagem do filme francês A Família Bélier (2014), No Ritmo do Coração é um filme simpático e cativante. A história é a de uma família surda de pescadores, onde apenas uma adolescente consegue ouvir. Dessa forma, ela acaba assumindo a função de intérprete entre seus parentes e o mundo fora de sua casa e seu barco. Porém, ela adora cantar e é boa nisso e surge a oportunidade de seguir uma carreira acadêmica em outra cidade.

O conflito entre seguir seu sonho ou continuar ajudando a família é o cerne do filme – mas não é difícil prever o desenlace. Não é por ousadia ou grandes surpresas que o filme será lembrado. É correto, contado direitinho por Sian Heder (em seu segundo longa) e tem como diferencial um elenco bem afinado (sem trocadilho).

Emilia Jones tem presença muito agradável como a protagonista, secundada principalmente por Troy Kotsur e Marlee Matlin, sólidos e bem eficientes nos momentos de comédia. Ele, favorito ao Oscar de coadjuvante; ela, já vencedora como melhor atriz em 1987, por Os Filhos do Silêncio.

Nas últimas semanas, o filme levou o prêmio de melhor elenco no SAG e o prêmio do Sindicato dos Produtores e se tornou um inesperado filme com chances de ganhar o Oscar de melhor filme. A indicação já parecia reconhecimento suficiente, na verdade, mas parece que realmente é fácil gostar de “No Ritmo do Coração”.

Coda, 2021.
Direção: Sian Heder. Elenco: Emilia Jones, Troy Kotsur, Marlee Matlin, Daniel Durant, Eugenio Derbez.

ATAQUE DOS CÃES
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2022: 10
Onde ver: Netflix.

A máscara da brutalidade

O velho oeste americano sempre foi mostrado como um local para os durões. E o cinema clássico já mostrava algumas vezes que a fragilidade sofre nesse ambiente. Por exemplo, em O Homem que Matou o Facínora (1962), de John Ford, onde James Stewart era o advogado pacífico que passava maus bocados nas mãos do bandidão vivido por Lee Marvin.

Ali o faroeste já vinha começando um aspecto revisionista que nunca mais pararia. Isso ampliaria seu arcabouço temático, para além de tiroteios entre xerifes e bandidos ou exército e nativos. E leva a um filme como Ataque dos Cães, que aborda a questão da homossexualidade nesse cenário de uma maneira razoavelmente sutil.

Aliás, chamar de “faroeste” pode ser impreciso. O gênero costuma obedecer a certos aspectos muito precisos e restritos, começando pelo espaço e pelo tempo. São histórias que se passam em uma certa região dos Estados Unidos, em um período de tempo localizado na segunda metade do século XIX.

Ataque dos Cães se passa no estado de Montana, mas o ano é 1925, bem depois do período clássico do western. Mas o filme da neozelandesa Jane Campion se passa numa região tão remota, que muita coisa do velho oeste persiste ali.

O ambiente é hostil para homens frágeis, delicados ou, “pior” ainda, homossexuais. O filme, então, contrapõe o vaqueiro Phil Burbank, vivido por Benedict Cumberbatch, e o jovem Peter Gordon (Kodi Smit-McPhee). Filho da dona de um restaurante, a viúva Rose (Kirsten Dunst), o rapaz parece completamente deslocado por ali. Phil, por outro lado, tem uma ligação umbilical com aquele estilo de vida e rejeita até os anseios do irmão e sócio, George (Jesse Plemons) por civilização. Para Phil, a vida a ser vivida é bruta, suja e selvagem.

Acontece que George se casa com Rose. A convivência de mãe e filho com Phil é problemática desde antes do começo. É uma disputa por filosofias de vida, mas também por espaço e por controle. Há uma cena emblemática: a mulher tenta a duras penas ensaiar uma música ao piano para uma recepção chique e Phil, de seu quarto, a humilha executando a mesma música com toda a habilidade em seu banjo. Marcando explicitamente o território.

Mas a presença mais constante de Peter acaba fazendo com que Phil se aproxime dele. Todos têm aspectos pessoais que preferem guardar para si e Campion vai aos poucos e sem pressa expondo essas cartas para nós e para os outros personagens.

A sutileza da diretora, emoldurada por imagens belíssimas da paisagem de vastos campos e montanhas ao fundo, não esconde o drama da dificuldade de forjar uma identidade em uma sociedade que insiste que você construa uma máscara. Que, algumas vezes, é a da brutalidade.

The Power of the Dog, 2021.
Direção: Jane Campion. Roteiro: Jane Campion, baseado no romance de Thomas Savage. Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Kodi Smit-McPhee, Jesse Plemons, Keith Carradine.

Antigamente o que já tivesse passado pelos cinemas estava fora de alcance quando saía a lista do Oscar. Hoje, o que não é diretamente produção para o streaming chega lá em poucos meses. Assim, poucos são os filmes que não estão disponíveis para que o cinéfilo se ponha em dia até a cerimônia, que este ano será em 27 de março. Nesta lista, estão todos os longas indicados, a que concorrem, onde podem ser assistidos e os trailers de cada um.

***

ATAQUE DOS CÃES (The Power of the Dog), de Jane Campion
12 indicações: Filme, Direção (Jane Campion), Ator (Benedict Cumberbatch), Ator coadjuvante (Kodi Smit-McPhee, Jesse Plemons), Atriz coadjuvante (Kirsten Dunst), Roteiro adaptado, Fotografia, Montagem, Trilha sonora, Desenho de produção, Som.
Onde assistir: Netflix

A direção neozelandesa é a primeira mulher duas vezes indicada ao Oscar de melhor direção com uma história sensível e muito bem narrada sobre personagens masculinos deslocados em um ambiente que, mesmo nos anos 1920, ainda tem quase tudo do velho oeste. O filme também está indicado a oito Baftas e três SAGs, e ganhou três Globos de Ouro (filme/ drama, direção e ator coadjuvante [Smit-McPhee]).

***
DUNA (Dune), de Dennis Villeneuve
10 indicações: Filme, Roteiro adaptado, Fotografia, Montagem, Trilha sonora, Desenho de produção, Efeitos visuais, Som, Figurino, Maquiagem e penteado.
Onde assistir: HBO Max, Apple TV, Google Play, Microsoft Store.

Primeiro de dois filmes em que Villeneuve adapta o clássico da literatura de ficção científica. Trata de um planeta que produz uma especiaria na qual governos de outros planetas estão de olho e de um jovem de família nobre que se revela o líder prometido dos nativos pobres do planeta. Os fãs do livro sonhavam com uma adaptação de respeito do livro desde a malfada versão de David Lynch, de 1984. Mas Villeneuve acabou não indicado a direção.

***

AMOR, SUBLIME AMOR (West Side Story), de Steven Spielberg
7 indicações: Filme, Direção (Steven Spielberg), Atriz coadjuvante (Ariana DeBose), Fotografia, Desenho de produção, Figurino, Som.
Onde assistir: O filme já foi exibido nos cinemas, ainda não foi lançado em home video e chega à Disney Plus no dia 3 de março.

Spielberg revisitou um grande clássico da Broadway e do cinema, e um grande vencedor do Oscar: o original de 1961 ganhou 10 prêmios, incluindo melhor filme. A robusta lembrança no Oscar vem na esteira do sucesso de crítica e apesar do pouco interesse do público. A expectativa é que Ariana DeBose repita o êxito de Rita Moreno na premiação. Já escrevi sobre ele: leia aqui.

***

BELFAST (Belfast), de Kenneth Branagh
7 indicações: Filme, Direção (Kenneth Branagh), Ator coadjuvante (Ciarán Hinds), Atriz coadjuvante (Judi Dench), Roteiro original, Canção original (“Down to joy”), Som.
Onde assistir: O filme estreia nos cinemas brasileiros em 10 de março.

A capital da Irlanda do Norte batiza o filme e é onde nasceu Kenneth Branagh, um especialista em Shakespeare que também fez outras coisas, até filme de super-herói. Aqui ele busca uma nota mais pessoal, baseado em eventos de sua própria infância. Indicado pessoalmente como produtor, diretor e roteirista, Branagh se tornou a primeira pessoa indicada em sete categorias diferentes do Oscar. O pessoal sentiu falta de Caitriona Balfe entre as indicadas.

***
KING RICHARD – CRIANDO CAMPEÃS (King Richard), de Reinaldo Marcus Green
6 indicações: Filme, Ator (Will Smith), Atriz coadjuvante (Aunjanue Ellis), Roteiro original, Montagem, Canção original.
Onde assistir: HBO Max, Now, Looke, Apple TV, Google Play, Microsoft Store.

É a história do pai das tenistas Venus e Serena Williams e de seu esforço para fazê-las campeãs. Aquela história de superação, com um final feliz que todo mundo já conhece desde o começo. Will Smith há muito tempo persegue um Oscar.

***
DRIVE MY CAR (Doraibu Mai Ka), de Ryusuke Hamaguchi
4 indicações: Filme, Direção (Ryusuke Hamaguchi), Filme de língua não inglesa, Roteiro adaptado.
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros, estreia em breve no Mubi.

Vencedor do prêmio da crítica no Festival de Cannes e do Globo de Ouro de melhor filme de língua não inglesa, o filme japonês é a produção do ano que conseguiu romper a barreira da língua e ser indicado também nas categorias de filme, direção e roteiro. São 3 horas de duração com a história de um diretor de teatro em luto, com a sensação de nunca ter compreendido a esposa falecida, tendo que lidar com uma motorista com quem tem que deixar o carro quando vai trabalhar em Hiroshima. É adaptado de um conto de Haruki Murakami.

***

NÃO OLHE PARA CIMA (Don’t Look Up), de Adam McKay
4 indicações: Filme, Roteiro original, Montagem, Trilha sonora original.
Onde assistir: Netflix.

Muito visto e comentado, faz uma debochada metáfora sobre o negacionismo e a burrice coletiva, aqui com relação a um cometa que vai colidir com a Terra e erradicar a vida no planeta (mas poderia ser sobre o aquecimento global ou o coronavirus).

***

O BECO DO PESADELO (Nightmare Alley), de Guillermo Del Toro
4 indicações: Filme, Fotografia, Desenho de produção, Figurino
Onde assistir: Cinemas

Del Toro refilmou um filme noir sobre sujeito que aprende num circo a ser um mentalista e depois usa o talento para ganhar dinheiro de gente rica.

***

NO RITMO DO CORAÇÃO (Coda), de Sian Heder
3 indicações: Filme, Ator coadjuvante (Troy Kotsur), Roteiro adaptado.
Onde assistir: Amazon Prime Video, Looke, Apple TV, Google Play.

É a versão americana do filme francês A Família Bélier, com a história de uma família de surdos, onde apenas uma adolescente não é surda. Ela acaba sendo uma tradutora para a família, que vive da pesca, mas o conflito surge quando ela tem a possibilidade de abraçar o canto e entrar em uma faculdade de música. É um filme terno e bem-humorado, de que se gosta fácil. A protagonista, Emilia Jones, foi indicada ao Bafta, mas ficou fora do Oscar.

***

LICORICE PIZZA (Licorice Pizza), de Paul Thomas Anderson
3 indicações: Filme, Direção (Paul Thomas Anderson), Roteiro original.
Onde assistir: Estreia nos cinemas dia 17 de fevereiro

PTA numa chave mais leve: o amor de dois jovens em 1973. Está indicado nas categorias grandes, mas, como sempre, o diretor parece ser subestimado pela Academia.

***

TICK, TICK… BOOM! (Tick, Tick… Boom!), de Lin-Manuel Miranda
2 indicações: Ator (Andrew Garfield), Montagem
Onde assistir: Netflix

Andrew Garfield faz um tour de force na interpretação do compositor Jonathan Larson sob a pressão de terminar um musical e fazer com ele seu primeiro sucesso no teatro. E isso é contado por ele em um monólogo musical. Uma carinhosa homenagem ao compositor que morreu cedo e deixou o sucesso imortal de Rent. Leia minha crítica.

***

A TRAGÉDIA DE MACBETH (The Tragedy of Macbeth), de Joel Coen
3 indicações: Ator (Denzel Washington), Fotografia, Desenho de produção
Onde assistir: AppleTV.

A adaptação de uma das maiores tragédias de Shakespeare ganha uma adaptação de visual bruto, geométrico, espartano e espetacular nas mãos de Joel Coen (em direção solo, sem o irmão Ethan). O filme foi reconhecido por isso e pela grande atuação de Denzel Washington.

***

APRESENTANDO OS RICARDOS (Being the Ricardos), de Aaron Sorkin
3 indicações: Ator (Javier Bardem), Atriz (Nicole Kidman), Ator coadjuvante (J.K. Simmons),
Onde assistir: Amazon Prime Video

Os Ricardos do título são o casal principal da icônica série I Love Lucy, interpretados por Lucille Ball e Desi Arnaz, casados na vida real e produtores da série. Nicole Kidman e Javier Bardem estrelam o filme. É difícil demais imaginar Nicole como a careteira Lucille, Se desse certo, seria mesmo material para Oscar.

***

A FILHA PERDIDA (The Lost Daughter), de Maggie Gyllenhaal
3 indicações: Atriz (Olivia Colman), Atriz coadjuvante (Jessie Buckley), Roteiro adaptado.
Onde assistir: Netflix

Esnobada pelos compatriotas no Bafta, Olivia Colman garantiu seu lugar entre as indicadas a melhor atriz. A versão jovem de sua personagem é vivida por Jessie Buckley, também indicada. Na história, elas interpretam uma mulher em conflito com a maternidade: Olivia rememora isso durante férias no litoral italiano.

***

MÃES PARALELAS (Madres Paralelas), de Pedro Almodóvar
2 indicações: Atriz (Penélope Cruz), Trilha sonora original.
Onde assistir: Cinemas. Na Netflix a partir de 19 de fevereiro.

O novo filme de Almodóvar é sobre duas mulheres de faixas etárias diferentes que se preparam em um hospital para terem bebês no mesmo dia, encontrando apoio e cumplicidade uma na outra. Notório diretor de atrizes, o espanhol vê Penélope Cruz conseguir a segunda atuação na categoria por um filme seu (ela já ganhou como coadjuvante, mas em filme de Woody Allen).

***

SPENCER (Spencer), de Pablo Larraín
1 indicação: Atriz (Kristen Stewart)
Onde assistir: Cinemas

O diretor chileno já havia abordado Jacqueline Kennedy (que rendeu uma indicação a Natalie Portman) e agora abordou os dias em que a princesa Diana resolveu se separar do príncipe Charles.

***

OS OLHOS DE TAMMY FAYE (The Eyes of Tammy Faye), de Michael Showalter
2 indicações: Atriz (Jessica Chastain), Maquiagem e penteado.
Onde assistir: Estreia nos cinemas dia 17 de fevereiro.

Jessica Chastain ganhou um papel para deitar e rolar: a ascensão e queda de uma pastora de TV.

***

A PIOR PESSOA DO MUNDO (Verdens Verste Menneske), de Joachim Trier
2 indicações: Filme de língua não inglesa, Roteiro original
Onde assistir: Inédito nos cinemas

O filme norueguês aborda a vida de uma jovem mulher indecisa sobre os rumos a tomar na vida. A comédia dramática é outro filme de língua não inglesa a ganhar indicações além desta categoria.

***

ENCANTO (Encanto), de Jared Bush e Byron Howard
3 indicações: Filme de animação, Trilha sonora original, Canção original (“Dos oruguitas”).
Onde assistir: Disney Plus.

A animação da Disney explodiu de popularidade quando chegou ao streaming e a história de Mirabel, a garota colombiana sem poderes numa família onde todos têm dons especiais e que precisa descobrir o mistério que está ameaçando a magia de seus parentes. A curiosidade é que a canção que é o maior sucesso musical do estúdio nos últimos tempos, “We don’t talk about Bruno”, não foi indicada e por culpa da própria Disney, que não apostou nela e não a inscreveu.

***

FLUGT (Flugt), de Jonas Pohen Rasmussen
4 indicações: Filme de animação, Filme de língua não inglesa, Documentário
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros.

Com o título em inglês de Flee, o filme dinamarquês conseguiu a proeza inédita de ser indicado nas categorias de animação, documentário e filme de língua não inglesa (ou “filme internacional”, como rebatizou a Academia). É sobre um refugiado afegão que vai casar com o noivo e resolve revisitar seu passado. Foi premiado nos festivais de Sundance e Annecy (principal festival de animação do mundo). Aqui, passou no festival de documentários É Tudo Verdade.

***

LUCA (Luca), de Enrico Casarosa
1 indicação: Filme de animação.
Onde assistir: Disney Plus.

O longa da Pixar estreou direto no streaming e conta uma história de aceitação das diferenças: dois garotos monstros marinhos que viram humanos fora d’água e vivem aventuras numa cidadezinha litorânea italiana. Uma história terna com um belíssimo visual. Leia minha crítica.

***

A FAMÍLIA MITCHELL E A REVOLTA DAS MÁQUINAS (The Mitchells vs. the Machines), de Michael Rianda
1 indicação: Filme de animação
Onde assistir: Netflix

Um agitado e divertido longa sobre uma família disfuncional que se torna a última esperança da Terra quando robôs dominam o planeta. Os personagens bem construídos elevam esse filme além da média das aventuras animadas, mas há também um monte de sacadas visuais, brincando com filtros de Instagram, memes e o amor pelo cinema da personagem principal.

***

RAYA E O ÚLTIMO DRAGÃO (Raya and the Last Dragon), de Don Hall e Carlos López Estrada
1 indicação: Filme de animação
Onde assistir: Disney Plus

Aventura da Disney sobre uma jovem guerreira de um reino fantástico que parte em busca de um dragão, quando todos acreditam que a espécie foi extinta, para salvar seu mundo.

***

A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS (Lunana A Yak in the Classroom), de Pawo Choyning Dorji
1 indicação: Filme de língua não inglesa
Onde assistir: Cinemas.

O filme do Butão, pequeno país asiático, é sobre um professor que quer se mudar para a Austrália e virar cantor. Enquanto isso não acontece, ele é deslocado para a escola mais remota do país. O que inclui, inclusive, um iaque que deve ser criado dentro da sala de aula.

***

A MÃO DE DEUS (È Stata la Mano di Dio), de Paolo Sorrentino
1 indicação: Filme de língua não inglesa
Onde assistir: Netflix

Sorrentino revisita sua adolescência em Nápoles, nos anos 1980, mostrando a comédia e o drama de um jovem e sua família nos dias em que Maradona virou ídolo local jogando no clube da cidade. O diretor italiano faz aqui seu Amarcord.

***

ASCENSION (Ascension), de Jessica Kingdom
1 indicação: Documentário.
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros.

Uma observação sobre a China contemporânea, sua força de potência, as questões trabalhistas e de desigualdade social.

***

ATTICA (Attica), de Tracy Curry e Stanley Nelson
1 indicação: Documentário.
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros.

Uma volta, 50 anos depois, a rebelião em uma prisão americana marcada pela violência e o racismo.

***

SUMMER OF SOUL (…OU QUANDO A REVOLUÇÃO NÃO PODE SER TELEVISIONADA) [Summer of Soul (…Or When the Revolution Could Not Be Televised)], de Questlove
1 indicação: Documentário.
Onde assistir: Telecine Play

Um registro do Harlem Cultural Festival, evento que celebrou a cultura negra em 1969, mas que acabou não tendo os mesmos holofotes do festival de Woodstock.

***

WRITING WITH FIRE (Being the Ricardos), de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas.
1 indicação: Documentário.
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros

O filme mostra a jornada do primeiro jornal diário da Índia com uma equipe formada por mulheres e que enfrenta um ambiente ainda dominado por homens.

***

FOUR GOOD DAYS (Four Good Days), de Rodrigo Garcia
1 indicação: Canção original (“Somehow you do”)
Onde assistir: Now, Looke, Claro Vídeo, AppleTV, Google Play.

É um drama de mãe e filha. A filha está a caminho de mais uma de muitas tentativas de se livrar das drogas e a mãe passa com ela alguns dias antes de que ela vá para a clínica.

***

CRUELLA (Cruella), de Craig Gillespie
2 indicações: Figurino, Maquiagem e penteado.
Onde assistir: Disney Plus.

Na Londres dos anos 1970, Cruella DeVil tenta se afirmar como uma jovem talento da moda e ainda se vingar. A vilã de 101 Dálmatas deixa de ser vilã nesta espécie de prelúdio, mas o filme é indicado por aquilo que realmente foi seu destaque. Leia minha crítica.

***

CYRANO (Cyrano), de Joe Wright
1 indicação: Figurino
Onde assistir: Ainda inédito nos cinemas brasileiros.

Musical que adapta a história de Cyrano de Bergerac, que se acha muito feio para conquistar sua amada Roxanne e resolve ajudar um bonitão bocó com sua poesia e sensibilidade. Peter Dinklage interpreta o protagonista e a direção é de Joe Wright, de Orgulho e Preconceito.

***

007 – SEM TEMPO PARA MORRER (No Time to Die), de Cary Joji Fukunaga
3 indicações: Canção original (“No time to die”), Efeitos visuais, Som.
Onde assistir: DVD, blu-ray, Now, Google Play, AppleTV, Microsoft Store.

A derradeira aventura de James Bond estrelada por Daniel Craig é o final em uma nota alta dessa fase do personagem. Mas foi indicado nas categorias técnicas de sempre dos blockbusters, não rompeu a barreira, como Skyfall. Leia minha crítica.

***

CASA GUCCI (House of Gucci), de Ridley Scott
1 indicação: Maquiagem e penteado.
Onde assistir: Já exibido nos cinemas, lançamento em DVD, blu-ray e plataformas digitais no dia 22 de fevereiro.

Os fãs esperavam que Lady Gaga concorresse a melhor atriz, mas ela ficou de fora. O filme que mostra as intrigas de bastidores no império da moda acabou quase ignorado.

***

UM PRÍNCIPE EM NOVA YORK 2 (Coming 2 America), de Craig Brewer
1 indicação: Maquiagem e penteado.
Onde assistir: Amazon Prime Video

A continuação de um clássico da comédia dos anos 1980 leva o príncipe Akeem de volta a Nova York para encontrar um filho que ele não sabia que tinha. Com Eddie Murphy e Arsenio Hall fazendo vários personagens, o filme repete uma das indicações que o original também conseguiu.

***

FREE GUY – ASSUMINDO O CONTROLE (Free Guy), de Shawn Levy
1 indicação: Efeitos visuais
Onde assistir: Star Plus.

Uma mistura de comédia e aventura em que um funcionário de banco descobre uma terrível verdade: é um figurante em um videogame.

***

HOMEM-ARANHA SEM VOLTA PARA CASA (Spider-Man – No Way Home), de Jon Watts
1 indicação: Efeitos visuais
Onde assistir: Cinemas

Os mais empolgados queriam até uma indicação a melhor filme para a aventura que promoveu o encontro entre os Homens-Aranha de três franquias. Era demais, claro, mas o filme até podia concorrer em umas categoriazinhas a mais que só a efeitos visuais. Leia minha crítica.

***

SHANG-CHI E A LENDA DOS DEZ ANÉIS (Shang-Chi and the Legend of Ten Rings), de Destin Daniel Cretton
1 indicação: Efeitos visuais
Onde assistir: Disney Plus

Um dos mais fracos filmes do universo cinematográfico da Marvel, Shang-Chi não é exatamente um grande destaque nem nesse quesito.

Minha coluna de hoje na CBN pode ser ouvida na internet. Falei da cerimônia borocoxô do Oscar; da estreia no Disney Plus de Cosmos, versão com Neil DeGrasse Tyson da série clássica com Carl Sagan; de Apocalypse Now – The Final Cut, a (até agora) versão definirva do clássico de Francis Ford Coppola, de graça na internet; e dos 80 anos do mitológico Cidadão Kane. Ouça aqui!

MANK
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 53

Tributo a um roteiro

Mank é sobre Herman J. Mankiewicz, o roteirista. Mas o filme é também sobre um roteiro: o que ele escreveu para Cidadão Kane (1941), obra seminal do cinema. Como fazer um filme sobre um sujeito preso a uma cama por causa de uma perna quebrada, ditando palavras a uma assistente?

Para a sorte do filme, o roteirista teve uma vida agitada, autodestrutiva (era um beberrão e apostador tão compulsivo que perdia milhares de dólares numa aposta sobre em quanto tempo uma folha cairia da árvore). Conviveu com poderosos, contrabandeando fatos e fofocas sobre eles para seu texto, uma biografia (mal) disfarçada de William Randolph Hearst, magnata da imprensa.

E ainda enfrentou Orson Welles, garoto-prodígio com uma presença (e ego) descomunal, para conseguir ter crédito no filme (para os registros: Mank escreveu o primeiro tratamento sozinho e boa parte das melhores ideias do filme são dele, mas Orson adicionou coisas depois). Além de tudo isso, tinha uma verve especial que o fazia vomitar em um jantar chique e emendar: “Não se preocupem: o vinho saiu junto com o peixe”.

David Fincher presta seu tributo ao cinema dos anos 1940 em geral e a Kane em particular tentando fazer com que seu filme pareça o máximo possível com uma produção daquela época, com uma direção de arte premiada com o Oscar (as filmagens do roteiro sendo escrito aconteceram no mesmo rancho em que o roteiro foi realmente elaborado). Mank emula especificamente Kane na fotografia em preto-e-branco que abusa da contraluz e da penumbra (de Erik Messerschimdt) e na música de Trent Reznor e Atticus Ross. E no roteiro que não segue uma estrutura de começo, meio e fim.

Mank também conta sua história através de um roteiro não linear, o que hoje é comum, mas era raro no começo dos anos 1940, quando Mankiewicz se atreveu a construir Kane assim. A diferença é que Kane é conduzido por depoimentos que levam aos flashbacks. Mank simplesmente vai e volta no tempo em 1939 e 1930 para mostrar elementos que marcaram a vida do roteirista e o teriam influenciado no roteiro.

Mank testemunhou a intimidade dos poderosos flutuando em sua realidade própria acima dos pequenos. Kane seria uma combinação entre Hearst, L.B. Mayer (dono da Metro) e o próprio Orson Welles.

Mas o filme reforça dois pontos em particular. Um é a atriz Marion Davies, amante de Hearst, para quem ele construiu San Simeon, uma propriedade nababesca que incluía até um zoológico. No filme, Mankiewicz vê como a esperta e engraçada Marion era forçada por Hearst, que financiava as produções que ela estrelava, a fazer melodramas. O paralelo dela em Kane é muito desfavorável e Mank, o personagem, repete que a personagem em seu roteiro não é Marion. Mank, o filme, tenta, assim, resgatar Marion Davies da imagem dela que Cidadão Kane, de propósito ou sem querer, cristalizou através dos tempos.

O outro ponto é político, a partir de uma eleição para o governo da Califórnia, onde o candidato de esquerda é sabotado por fake news: a edição de cinejornais encenados e com depoimentos inventados. Uma relação direta com o tempo em que vivemos, portanto.

Mank, então, faz mais sentido para quem viu Cidadão Kane? Certamente, e ainda mais para quem conhece as fofocas de bastidores – a contribuição de Mankiewicz em Kane foi obscurecida por anos a fio, mas foi resgatada por um artigo da crítica Pauline Kael republicada no livro Criado Kane e Outros Ensaios, base clara para este filme.

Para quem não viu Cidadão Kane, o que acontece? Não tenho como afirmar isso. É possível que a história de Mankiewicz, um bêbado na corda bamba, seja atraente. Mas aí só esse perfil de público pode dizer. O ideal, claro, é que todo mundo conhecesse bem Cidadão Kane. Independente de Mank.

Onde ver: Netflix

Mank, 2020.

Direção: David Fincher. Elenco: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Tom Pelphrey.

OS 7 DE CHICAGO
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 52

Justiça tumultuada

Filmes de tribunal enfrentam sempre um dilema. O drama está sempre na palavra, o que há de imagem para mostrar além de pessoas falando? Aaron Sorkin, aqui diretor e roteirista, tenta resolver a questão basicamente com a montagem em Os 7 de Chicago.

O filme começa em alta voltagem, entrelaçando cenas reais de arquivo com outras com o elenco, cujos personagens vão sendo identificados por créditos na tela (alguns vão reclamar que o recurso é muito “televisivo”, mas não tem nada demais, Scorsese também já fez).

O tumulto que levou oito líderes diferentes de ativistas contra a guerra do Vietnã a serem julgados por incitarem a violência em Chicago durante a convenção do Partido Democrata não é mostrado no começo. Começamos a acompanhar a trama pelo julgamento e voltamos aos acontecimentos pelos depoimentos. Um recurso que também não é nenhuma novidade.

“Oito líderes”, você disse? Sim, oito estão sendo julgados. Sete representados pelo mesmo advogado e também Bobby Seale, dos Panteras Negras, que insiste que tem um advogado próprio. Ele não está presente, mas o juiz segue com o julgamento mesmo sem ele estar sendo legalmente defendido.

Esse caso é um dos mais emblemáticos julgamentos parciais e manipulados da história americana. O juiz ignora provas e depoimentos, pré-julga os réus desde o início, a procuradoria manipula a formação do júri. Sergio Moro ficaria orgulhoso.

Sorkin segue fazendo o que pode para que o filme não fique apenas no embate verbal. Ele ressalta as diferenças entre os réus (principalmente entre o certinho Tom Hayden vivido por Eddie Redmayne e o porralouca Abbie Hoffman, papel de Sacha Baron Cohen). A narração dos acontecimentos passa a misturar freneticamente o interrogatório no tribunal, uma apresentação stand up de Abbie Hoffman, discussões privadas.

Esse vai e vem no tempo quase que é um reflexo narrativo dos ânimos exaltados e do tumulto nas ruas de que o filme trata. Às vezes é confuso em excesso, não consegue passar direito todas as informações. Mas é uma tentativa de sair da mesmice em que os filmes desse subgênero podem cair.

Esse quebra-cabeças sobre uma trama que parece mais simples do que como é mostrada tem, como trunfo, um poderoso elenco. Frank Langella, como um dos mais odiosos juízes do cinema; Joseph Gordon-Levitt, como o promotor que faz seu trabalho, mas tem sua ética; Mark Rylance, como o advogado de defesa; Michael Keaton, como um ex-procurador geral dos EUA. Atores sólidos, que mantêm o filme no prumo, nessas idas e vindas narrativas.

Onde ver: Netflix

The Trial of Chicago 7, 2020.
Direção: Aaron Sorkin. Elenco: Eddie Redmayne, Sacha Baron Cohen, Mark Rylance, Joseph Gordon Levitt, Frank Langella, John Carroll Lynch, Yahya Abdul-Mateen II, Michael Keaton, Caitlin Fitzgerald.

JUDAS E O MESSIAS NEGRO
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 51

Espalhando a mensagem

O retrato de líderes carismáticos é um campo minado no cinema. Mostra por que são mitos, mas humanizá-los é um desafio que muitos filmes não conseguem cumprir. Uma saída é tentar mostrá-los pelo olhar de outra pessoa, de uma testemunha ocular da História. É o modelo de Judas e o Messias Negro resolve seguir.

O “Messias negro” é Fred Hampton, líder dos Panteras Negras em Chicago. Com uma invejável retórica e muito carismático, ele sacudiu as estruturas da cidade, foi perseguido pela polícia e pelo FBI, preso, solto e acabou assassinado aos 21 anos pelo governo americano dentro de casa ao lado da esposa grávida de nove meses.

O “Judas” é Bill O’Neal, ladrão que o FBI chantageia para que se infiltre nos Panteras Negras e passe informações ao bureau. Ele aparece no começo em trechos recriados de uma entrevista dos anos 1980, que depois reaparecerá no final com um trecho verdadeiro e um desfecho inesperado.

As duas histórias são contadas paralelamente, com os personagens juntos ou separados. Os dois atores, Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield, foram indicados ao Oscar como atores coadjuvantes. Talvez uma estratégia para que não concorressem juntos na categoria melhor ator, já que obviamente os dois são intérpretes principais.

O filme também se propõe a uma visão “de dentro” sobre uma organização que sempre foi vista e noticiada como terrorista nos EUA dos anos 1960 e 1970. Além de uma retórica de enfrentamento, algumas vezes violenta, o que mais havia ali? Judas e o Messias Negro se propõe a jogar luz sobre isso.

O tema é importante, impactante e revelador. O tratamento é que não vai muito longe. Bem produzido, o filme conta a história direito, e não inventa muito na narrativa. Há uma elaboração maior na cena da invasão e assassinato, com imagens do alto que me fizeram lembrar do clímax de Taxi Driver (1976).

Por outro lado, há momentos que poderiam ser menos clichê, como o agente do FBI e o informante se entreolhando com insistência durante um discurso de Hampton. Mas esse é o tipo de filme em que a importância é a mensagem, e ela é transmitida.

Onde ver: cinemas

Judah and the Black Messiah, 2020.
Direção: Shaka King. Elenco: Daniel Kaluuya, LaKeith Stanfield, Dominique Fishback

MINARI – EM BUSCA DA FELICIDADE
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 50

Álbum de memórias

Minari é um daqueles filmes que precisam de bula? Faz diferença para o espectador saber que o que está na tela são memórias do diretor? Como é a recepção para o espectador que sabe disso e como é para aquele que vê como um filme contando uma história completamente inventada?

Uma parcela de quem não sabe do que está por trás do roteiro pode sair reclamando de mais um filme onde, na maior parte do tempo, “não acontece nada”. Quem conhece vai se emocionar mais com os pequenos acontecimentos na vida de uma família de imigrantes coreanos que se arrisca a tocar do zero uma fazenda no interior do Arkansas, nos EUA.

Não há nem uma grande questão com o preconceito. A quase totalidade dos conflitos está ali entre os integrantes da própria família: o pai que insiste na fazenda, a mãe que não compartilha desse sonho, o filho com problema no coração que não aceita bem a chegada da avó. A unidade da familia está em jogo, até mesmo quando chegam questões maiores, principalmente uma doença que vai desencadear outras situações.

O diretor-roteirista Lee Isaac Chung é americano no Colorado, filho de imigrantes coreanos. Ele consegue fazer um filme americano com um ponto de vista dos imigrantes que não parece uma “visão americana de um ponto de vista estrangeiro”. A maior parte falada em coreano, inclusive.

Há também uma excelente distribuição da atenção do filme entre os cinco membros da família. Isso, aliado a essa intensidade baixa na narrativa, lembra um pouco o ótimo As Coisas Simples da Vida (2000), de Edward Yang, co-produção Taiwan-Japão. Talvez, indo mais longe na ideia e no tempo, seja um herdeiro da obra cineasta japonês Yasujiro Ozu.

Não é uma credencial desprezível. Minari pode conquistar o espectador que se deixar levar por ele e pelos ótimos atores que dividem as alegrias e angústias dessa família. Como conquistou os votantes dessa temporada do Oscar, os quais o indicou em seis categorias, incluindo melhor filme e atriz coadjuvante (Yuh-Jung Youn, a avó, atriz respeitadíssima na Coreia e com grandes chances de vencer).

Onde ver: cinemas

Minari, 2020.
Direção: Lee Isaac Chung. Elenco: Steven Yeun, Yeri Han, Yuh-Jung Youn.

MEU PAI
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 49

Labirinto mental

O título brasileiro verteu The Father para Meu Pai, mas isso não combina muito porque o ponto de vista do filme de Florian Zeller não é o da filha vivida por Olivia Colman. É inteiramente o do pai, Anthony, papel de um muito inspirado Anthony Hopkins.

Ele é o idoso londrino que vive sozinho em seu apartamento e resiste à ideia de ter uma cuidadora. A filha está tentando convencê-lo, já que vai se mudar para Paris e não poderá mais visitá-lo diariamente.

A segurança de Anthony consigo mesmo vai, no entanto, sendo colocada em xeque. De repente, o ex-marido da filha está no apartamento dizendo que o casal (que não se separou) é o dono do lugar e Anthony é que foi morar com eles. Ou a filha volta das compras, mas está completamente diferente. Ou situações já vividas parecem se repetir pouco depois.

Anthony estaria perdendo o juízo ou estariam tentando confundi-lo?

O filme é baseado em uma peça de sucesso de Florian Zeller, dramaturgo francês muito respeitado, que estreia na direção de cinema e que adaptou o texto com a ajuda de outro grande dramaturgo, o britânico (mas nascido em Portugal) Christopher Hampton. Para o papel, sua única opção era Anthony Hopkins. Tinha razão.

Filmes que tentam traduzir o que se passa na mente de seus protagonistas podem resultar numa grande jornada narrativa, e os bons exemplos vêm desde O Gabinete do Dr. Caligari (1920). A ideia é fazer o espectador compartilhar ao máximo do sentimento de desconforto do personagem central.

A tática é bem empregada aqui, e uma chave importante para isso é Hopkins nos entregar um performance que consegue fácil a nossa empatia. Isso ajuda o espectador a passar por um trajeto que não é fácil: a deterioração da mente de um homem.

O filme poderia estabelecer um suspense, mas o objetivo não é estabelecer um jogo em que o espectador deve desvendar o que verdade ou mentira, se o protagonista está doente ou o estão enganando. Meu Pai deixa claro a confusão mental de Anthony quando, em sua primeira cena, mostra a chegada da filha Anne sem ser pela visão dele. É, aí, uma narrativa em terceira pessoa, a nossa visão objetiva do fato.

Por isso, quando Anne reaparece vivida por outra atriz, sabemos que é coisa da cabeça de Anthony, que estamos vendo isso pelos olhos dele. E que não deve ser essa a realidade.

Então, o que resta ao espectador é testemunhar, de dentro, a mente de um octogenário definhando. Como vemos a maior parte do filme por sua visão, sabemos pouco se o que estamos vendo é real (o relógio sempre perdido, o quadro na parede que some, o frango no jantar que se repete, uma sacola que muda de cor), a não ser pela âncora que são as cenas com a filha em que ele não está presente. Na maior parte do tempo, Meu Pai é um labirinto bem arquitetado, mas, talvez, sem final.

Onde ver: cinemas, Belas Artes a la Carte, Now, iTunes, Google Play, Sky Play (a partir de 28/4), Vivo Play (a partir de 28/4)

The Father, 2020.
Direção: Florian Zeller. Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Olivia Williams, Mark Gatiss, Imogen Poots, Rufus Sewell.

NOMADLAND
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 18

Ventos neo-realistas

O filme que ganhou o Globo de Ouro, o Bafta e é aposta forte para o Oscar é uma visão atenta e generosa sobre pessoas que são obrigadas ou que de alguma maneira optam viver em trailers nas estradas e de subempregos. Frances McDormand, excelente como sempre, é a protagonista, que contracena com diversos coadjuvantes que interpretam a si mesmos.

Com isso, a diretora Chloé Zhao reforça a pegada de realismo social e de observação sobre uma realidade econômica que muita gente prefere colocar pra baixo do tapete. No caso de Fern, a personagem de Frances McDormand, ela não foi levada a essa situação só por ter perdido o emprego: ela perdeu uma cidade inteira.

O local onde morava virou uma cidade-fantasma depois que a fábrica onde todos trabalhavam foi fechada. Se tornou uma nômade e descobriu que existe uma comunidade de nômades que se apoiam durante a jornada errante. Frances mergulhou na personagem, dormindo na van e trabalhando nas funções em que a personagem trabalha.

Então, muito do filme tem esse caráter de documentário, dedicado a mostrar a rotina desse modo de vida, as relações que se criam, os encontros e desencontros. Essa urgência em retratar uma questão atual, com uma atriz profissional de grande gabarito contracenando com não-atores que fazem parte do meio retratado, aproxima o filme de movimentos neo-realistas, como o iraniano dos anos 1990 ou, indo mais longe no tempo, o italiano dos anos 1940 e 1950.

A trama, por sua vez, não apresenta uma história com começo, meio e fim. Nomadland é um filme que apresenta uma situação e suas particularidades. Como seus personagens, vai um pouco com o vento. E, com isso, sem apelar para o melodrama, consegue momentos muito humanos e tocantes.

Onde ver: cinemas

Nomadland, 2020.
Direção: Chloé Zhao. Elenco: Frances McDormand, David Strathairn, Swankie.

FORREST GUMP, O CONTADOR DE HISTÓRIAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 3

O encanto irresistível de Forrest Gump permanece. A história de Forrest, o sujeito de inteligência limitada que por acaso vai tomando parte de momentos capitais da história dos EUA entre os anos 1950 e 1980, contrasta com a de Jenny, a garota que ele sempre amou. Forrest conhece presidentes, sobrevive à guerra, enriquece, mas só pensa nela e nos amigos, Ela corre atrás de todos os modismos tentando ficar famosa e nunca consegue.

Narrada em tom de fábula, dosando a maior parte do tempo o melodrama com a comédia, e de uma época em que o diretor Zemeckis usava efeitos especiais, mas era mais interessado em gente do que na técnica. Era um equilíbrio maravilhoso, que deu certo tantas vezes. Foi muito bom rever, mesmo que Sessão de Sábado da Globo, que criminosamente espremeu as 2h22 de filme em inacreditáveis 1h50.

Onde ver: DVD, blu-ray, Netflix, Telecine Play, Globoplay, Vivo Play, UOL Play, Apple TV

Forrest Gump, 1994
Direção: Robert Zemeckis. Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Sally Field, Gary Sinise.

Green Book

Diário de Filmes 2020: 16

Este Conduzindo Miss Daisy ao contrário espelha o filme de 1989 até no fato de ter vencido o Oscar de melhor filme e ser quase unanimemente considerado uma escolha bem infeliz. Não que seja um mau filme. Se propõe a falar de racismo expondo algumas complexidades. Um branco pobre, um negro rico. Um branco racista, mas que gosta mais de dinheiro do que não gosta de negros. Um negro que não se identifica com a cultura que se esperaria de um negro. Mas que resolve, a seu modo e com seu talento, enfrentar o racismo de parte da nação. E por aí vai. Só que o desenrolar da trama é mostrada de maneira totalmente esquemática. É uma trama interessante, mas contada de maneira banal.

GREEN BOOK – O GUIA (Peter Farrelly, 2019)

1917-2

1917
O cinema em movimento

Diário de Filmes 2020: 12

Espectadores têm interesses diferentes quando vão assistir a um filme. Alguns esperam que uma produção apontada como um grande filme seja algo que os arrebate, uma catarse emocional. Outros se interessam mais pela história em si ou por um conteúdo “importante”.

Este crítico até escreveu brevemente sobre isso uma vez.

Nesta visão pessoal, o cinema é como aquela história: mais importante que a piada, é o jeito como ela é contada. A história de um filme é importante, mas, mais importante ainda é como ela é narrada. A narrativa é tudo.

1917 se encaixa aí. Lembra um filme de Howard Hawks: homens com um trabalho a cumprir, custe o que custar. Em volta disso, há os dramas pessoais e o comentário sobre o cenário geral. Que, no caso, é a I Guerra Mundial.

A partir de um momento idílico, do descanso sob uma árvore em campo aberto, a câmera acompanha dois soldados convocados enquanto entram nas trincheiras e tudo vai ficando gradativamente mais apertado e claustrofóbico. Eles guiam o espectador para dentro da guerra.

É o começo do brilhante trabalho de Sam Mendes, o diretor, e Roger Deakins, o diretor de fotografia, na condução da série de planos-sequências — editados como se fossem dois, longuíssimos. Dois segmentos de narração como se fossem filmados em tempo real na jornada dos soldados que devem chegar a tempo para avisar uma tropa a não realizar um ataque que, na verdade, é uma armadilha. Se conseguirem, evitarão mais de mil mortes do lado britânico.

Nessa corrida, eles vão tendo que lidar com diversas situações que servem como um panorama da I Guerra Mundial, mesmo que alguns detalhes possam soar, ao pé da letra, como incorreção histórica. Algumas acontecem para propósitos dramáticos, outras provavelmente para de alguma maneira ampliar o confinamento narrativo do filme e trazer certas informações (como, por exemplo, o indiano que aparece servindo junto a um regimento de soldados brancos — indianos eram colocados em seu próprio regimento).

Como escreveu o Verissimo, a decisão dos planos-sequência encadeados e disfarçados como se fossem um só passa longe de um maneirismo vazio e exibicionista. É uma estética que serve ao movimento constante dos personagens e da ação. O movimento é a alma do filme, os planos-sequência também.

Seria um filme muito diferente e bem menos interessantes, caso não tivesse optado por essa maneira de contar a história? Certamente. Mas é por isso que é cinema: porque a maneira de contar a história é crucial. 1917 é um “filme-filme”, como escreveu a Ana Maria Bahiana. Ser cinema é a própria razão de ser do filme.

Continue lendo »

Todo ano, dias antes do Oscar, é a mesma coisa: o Oscar erra, o Oscar é injusto. É evidente que sim.

Às vezes o lobby fala mais alto, às vezes existe um ranço contra alguém, às vezes a consciência geral sobre a grandeza de um filme acaba vindo muito depois de ele ser lançado e não no momento.

Há casos de escolhas inacreditáveis em todas as categorias. Aqui embaixo vem um top 10 de grandes injustiças só na categoria melhor filme.

Mas o Oscar acerta também. Muitas vezes, e acho que há mais acertos do que erros clamorosos. E aí é preciso entender o seguinte: algumas vezes eu posso achar que o filme eleito não é o melhor, mas também não achar a escolha absurda. Em tempos de polarização radical, essa perspectiva pode parecer incompreensível, mas eu a tenho.

Por exemplo, Moonlight ganhou em 2017, mas não era meu preferido para vencer, que seria La La Land ou Manchester à Beira-Mar. Mas tudo bem, não considero “um erro”. Há um espectro de possibilidades que considero aceitável.

Mas, como eu dizia, o Oscar acertou muitas vezes. Acertos cravando filmes que se tornaram clássicos incontestáveis ou opções certeiras em anos mais divididos.

Vamos às duas listas, então. Elas se referem unicamente à categoria de melhor filme e, para efeito de referência, levando em conta apenas os filmes indicados. Os anos são da cerimônia em que os filmes concorreram:

TOP 10 JUSTIÇAS DO OSCAR:

humphrey bogart & ingrid bergman - casablanca 1943

1 — 1944: CASABLANCA

Poderoso Chefao - 27

2 — 1973: O PODEROSO CHEFÃO

Lawrence da Arabia

3 — 1963: LAWRENCE DA ARÁBIA

 

Se Meu Apartamento Falasse-02

4 — 1961: SE MEU APARTAMENTO FALASSE

Imperdoaveis - 01

5 — 1993: OS IMPERDOÁVEIS

lista-de-schindler-043

6 — 1994: A LISTA DE SCHINDLER

Poderoso Chefao2-04

7 — 1975: O PODEROSO CHEFÃO — PARTE II

Novica Rebelde-02

8 — 1966: A NOVIÇA REBELDE

Aconteceu Naquela Noite-05

9 — 1935: ACONTECEU NAQUELA NOITE

Golpe de Mestre - 11

10 — 1974: GOLPE DE MESTRE

***

TOP 10 INJUSTIÇAS DO OSCAR:

Todos os Homens do Presidente-07

“Todos os Homens do Presidente”

1 — 1977: Quem concorria: TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE; TAXI DRIVER; REDE DE INTRIGAS
Quem venceu: ROCKY, UM LUTADOR

Boa Noite e Boa Sorte-08

“Boa Noite e Boa Sorte”

2 — 2006: Quem concorria: BOA NOITE E BOA SORTE; O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN
Quem venceu: CRASH — NO LIMITE

cidadao-kane-19

“Cidadão Kane”

3 — 1942: Quem concorria: CIDADÃO KANE
Quem venceu: COMO ERA VERDE O MEU VALE

Touro Indomavel - 03

“Touro Indomável”

4 — 1981: Quem concorria: TOURO INDOMÁVEL
Quem venceu: GENTE COMO A GENTE

Roma - 01

“Roma”

5 —  2019: Quem concorria: ROMA; INFILTRADO NA KLAN
Quem venceu:-GREEN BOOK —  O GUIA

Tigre e o Dragao-2

“O Tigre e o Dragão”

6 — 2001: Quem concorria: O TIGRE E O DRAGÃO; TRAFFIC
Quem venceu: GLADIADOR

Resgate do Soldado Ryan - 01

“O Resgate do Soldado Ryan”

7 — 1999: Quem concorria: ELIZABETH; A VIDA É BELA; O RESGATE DO SOLDADO RYAN
Quem venceu: SHAKESPEARE APAIXONADO

Bons Companheiros - 01

“Os Bons Companheiros”

8 — 1991: Quem concorria: OS BONS COMPANHEIROS
Quem venceu: DANÇA COM LOBOS

Cacadores da Arca Perdida - 01

“Os Caçadores da Arca Perdida”

9 — 1982: Quem concorria: OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA; REDS
Quem venceu: CARRUAGENS DE FOGO

Fargo - 01

“Fargo”

10 — 1997: Quem concorria: FARGO
Quem venceu: O PACIENTE INGLÊS

Páginas