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SÓCIOS NO AMOR
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 3
Onde ver (em 08/01/2024) – Mídia física: DVD (no digipack Ernst Lubitsch, da Obras-Primas). Streaming: Não disponível no Brasil.

Safadeza elegante

É uma pena que um cineasta como Ernst Lubitsch seja tão pouco conhecido das novas gerações. A falta de sensibilidade artística para se apreciar o cinema clássico faz com que muita gente se prive de uma delícia como Sócios no Amor.

A comédia-romântica é atrevidinha e chique ao mostrar a relação de idas e vindas entre uma cartunista e dois amigos, artistas pés-rapados: um pintor e um dramaturgo. Todos americanos em Paris. É um grande exemplo do que ficou conhecido como “Lubitsch touch”. o “toque de Lubitsch”.

O que é esse “Lubitsch touch” é difícil definir. É um tipo de “safadeza elegante”, digamos assim, convidando o espectador a preencher as lacunas e desvendar (sem muito esforço) o que é sugerido. O diretor alemão em Hollywood dava umas estocadas alegres no puritanismo americano naquele período. No ano seguinte, os estúdios americanos implantariam sua autocensura, o Código Hays, e ser safadinho como Lubitsch ficou difícil (de fato, o filme foi até impedido de ser relançado anos depois).

Mas em 1933 ainda dava para brincar com mais liberdade, então Sócios no Amor tem esse começo que já é exemplar do que será o filme. Dois caras cochilam sentados numa cabine de trem, um deles com as pernas estendidas no banco do outro lado. Uma mulher entra, senta-se de frente para eles, e, interessada pelos rostos deles, começa a desenhá-los.

O segundo sujeito, ainda dormindo, também estende as pernas para o outro banco e a mulher fica sentada entre os dois pares de pernas. Depois de desenhar, ela também pega no sono e coloca as pernas no outro banco, entre os dois rapazes. Uma grande sequência sem diálogo e que passa uma ideia, não?

Porque a partir daí, os dois (Tom e George, vividos por Fredric March e Gary Cooper) vão meio que disputar, mas – mais que isso – conviver com o amor de ambos pela moça (Gilda, papel de Miriam Hopkins). E com o amor dela pelos dois!

O roteiro é de Ben Hecht, que levou a velocidade espontaneidade do jornalismo para os scripts de Hollywood, adaptado de uma peça de Noel Coward, o autor inglês mestre das comédias sofisticadas.

O filme então dedica-se a mostrar esse arranjo acontecendo, com os dois artistas dividindo um muquifo e a mulher fazendo-os trabalhar para ter sucesso. O humor vem tanto do relacionamento em si quanto da falta de dinheiro (quando ela se atira dramaticamente no divã do apartamento deles, a poeira sobe). Mas depois acompanhamos seguidas viradas na trama, com mudanças de país e personagens saindo de cena por um tempo e depois retornando. E cada retorno é um prazer porque o trio principal, mais Edward Everett Horton como quarto elemento, está ótimo.

Hoje a naturalidade com que Gilda transita entre seus dois amores é banal, mas lembre-se que estamos falando de um filme de 1933. Uma mulher (e nem é uma “femme fatale”, nem nada) amando abertamente dois homens, se relacionando com eles ao mesmo tempo naturalmente, com sexo claramente envolvido, é puro Lubitsch. E também puro “pre-code”, o cinema mais livre praticado nos EUA antes do Código Hays).

Design for Living. Estados Unidos, 1933. Direção: Ernst Lubitsch. Elenco: Miriam Hopkins, Fredric March, Gary Cooper, Edward Everett Horton, Jane Darwell.

20 – TRAMAS DO ENTARDECER (Meshes of the Afternoon)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original.

Este curta experimental mudo e em preto-e-branco alcançou o 16º lugar na lista de 2022 da Sight and Sound. O caráter surrealista e o fato de ser dirigido por uma mulher nos EUA dos anos 1940 e o próprio enfoque sobre uma mulher numa situação labiríntica e repetitiva o tornaram influente ao longo dos anos.
Estados Unidos. Direção: Maya Deren e Alexander Hammid. Roteiro: Maya Deren (não creditada). Elenco: Maya Deren, Alexander Hammid.

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19 – RAZÃO E EMOÇÃO (Reason and Emotion)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original, com legendas em inglês.

Entre as produções da Disney voltadas para a II Guerra, está este curta animado de espírito didático que fala sobre o embate da razão e da emoção no comportamento de cada um e como se deixar levar pela emoção pode levar a medos infundados, sobretudo em tempos de guerra. Representados por pessoinhas dirigindo a cabeça das pessoas, a influência no futuro longa Divertida Mente parece evidente.
Estados Unidos. Direção: Bill Roberts (não creditado). Roteiro: Joe Grant e Dick Huemer (não creditados). Vozes na dublagem original: Frank Graham, James MacDonald, Helen Seibert, Dessie Flynn.

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18 – JORNADA DO PAVOR (Journey into Fear)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Colecione Clássicos). Streaming: Não disponível no Brasil.

Norman Foster está creditado como diretor, mas muito se discute o quanto o próprio Orson Welles dirigiu. Welles faz o papel do chefe de polícia secreta turca, mas o protagonista é Cotten, um americano expert em balística que se vê na mira de assassinos nazistas. O andamento é meio kafkiano, com o personagem meio perdido na trama, sendo levado para lá e para cá por aliados e inimigos. Junto com Welles ou não, Foster segue perto o estilo expressionista de Orson (embora menos ambicioso), com muito jogo de luz e sombra, culminando no clímax sob uma chuva torrencial no parapeito de um hotel.
Estados Unidos. Direção: Norman Foster e Orson Welles (não creditado). Roteiro: Orson Welles e Joseph Cotten, Richard Collins (não creditado) e Ben Hecht (não creditado). Elenco: Joseph Cotten, Dolores Del Rio, Orson Welles, Ruth Warrick, Agnes Moorehead, Everett Sloane.

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17 – O RATO PATRIOTA ou O RATO VAI PARA A GUERRA (The Yankee Doodle Mouse)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. Dailymotion: som original.

A série Tom & Jerry ganhou aqui o primeiro de seus sete Oscars de melhor curta de animação, com o gato e o rato fazendo um combate militar de ovos, garrafas de champanhe, fogos de artifício e outros objetos de um porão. Alusão, claro, à II Guerra com uma gag atrás da outra, no tradicional excelente trabalho dos animadores da série.
Estados Unidos. Direção: William Hanna e Joseph Barbera. Roteiro: William Hanna, Joseph Barbera, a partir do argumento de Cal Howard (não creditado). Vozes na dublagem original: William Hanna, Jack Sabel.

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16 – ENTRE A LOURA E A MORENA (The Gang’s All Here)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Fox). Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original sem legendas, dublado.

A loura é Alice Faye e a morena é nossa Carmen Miranda nessa comédia musical e, ao contrário do que diz o título brasileiro, ninguém fica entre as duas. Alice Faye é uma cantora que se apaixona por um soldado que esconde que já tem uma namorada. Carmen é também uma cantora e dançarina. A coisa converge para um show em uma casa onde todos se encontrarão. Busby Berkeley delira em torno de Carmen, com bananas gigantes. Acostumado a criar caleidoscópios humanos, ele finaliza um filme com um caleidosópio ótico, mesmo.
Estados Unidos. Direção: Busby Berkeley. Roteiro: Walter Bullock, a partir de argumento de Nancy Wintner, George Root Jr. e Tom Bridges. Elenco: Alice Faye, Carmen Miranda, Phil Baker, Benny Goodman, Eugene Pallette, Charlotte Greenwood, Edward Everett Horton, Sheila Ryan.

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15 – VIDA DE NAZISTA ou A FACE DO FÜHRER (Der Füehrer’s Face)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original, com legendas em inglês. Facebook: legendado.

A Disney do esforço de guerra coloca o Pato Donald passando maus bocados como soldado nazista. Lendo Mein Kampf, repetindo palavras de ordem e fabricando armas sempre sob a ponta de outra. É o carisma de Donald contra o de Hitler, ridicularizado diretamente. Oscar de curta de animação ainda em 1943, o único Oscar vencido pelo pato.
Estados Unidos. Direção: Jack Kinney e Ben Sharpsteen (não creditados). Roteiro: Joe Grant e Dick Huemer (não creditados). Vozes na dublagem original: Clarence Nash, Pinto Colvig.

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14 – DIAS DE IRA (Vredens Dag)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Magnus Opus, da Versátil e na Coleção Folha Grandes Diretores). Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: legendado.

Onze anos depois do seu filme anterior, Dreyer volta ao tempos das mulheres acusadas de bruxaria para mostrar a jovem esposa de um pastor que se apaixona pelo enteado. Isso enquanto uma idosa passa por um brutal interrogatório com tortura para confessar sua suposta magia negra. Com seu estilo despido de qualquer glamour, o diretor dinamarquês mais uma vez denuncia a opressão que as mulheres sofrem em mãos masculinas.
Dinamarca. Direção: Carl Theodor Dreyer. Roteiro: Carl Theodor Dreyer, Poul Knudsen, Paul La Cour, Mogens Skot-Hansen, baseado em peça de Hans Wiers-Jenssen. Elenco: Lisbeth Movin, Albert Hoeberg, Preben Lerdorff Rye, Anna Svierkier.

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13 – CINCO COVAS NO EGITO (Five Graves to Cairo)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Versátil). Streaming: Belas Artes a la Carte.

Billy Wilder fantasia uma história em que um espião inglês se disfarça de garçom em um hotel no norte da África onde está hospedada a companhia militar nazista liderada pelo mítico general Rommel. A campanha da África era um assunto que estava acontecendo naquele momento e o filme usa até imagens reais de combate.
Estados Unidos. Direção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder e Charles Brackett, baseado em peça de Lajos Biró. Elenco: Franchot Tone, Anne Baxter, Akim Tamiroff, Erich von Stroheim, Peter van Eyck.

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12 – A MORTA-VIVA (I Walked with a Zombie)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Colecione Clássicos). Streaming: Não disponível no Brasil.

Zumbi, nesse caso, é uma mulher em uma espécie de coma, mas que anda como uma sonâmbula. Uma enfermeira vai a essa ilha do Caribe tratar da esposa do dono do lugar em sua condição misteriosa. Entram elementos sobrenaturais do vodu, tudo embalado em uma atmosfera muito bem composta pelo diretor de Sangue de Pantera (1942).
Estados Unidos. Direção: Jacques Tourneur. Roteiro: Curt Siodmak e Ardel Wray, a partir de argumento de Inez Wallace, baseado em romance de Charlotte Brontë. Elenco: Frances Dee, James Ellison, Tom Conway, Edith Barrett, James Bell.

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11 – A MORTE DIRIGE O ESPETÁCULO ou A SENHORA DA FARSA (Lady of Burlesque)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original.

Comédia, música e mistério nos bastidores de um espetáculo de teatro de revista quando uma das integrantes do grupo é assassinada e os demais precisam trabalhar juntos para descobrir o criminoso, antes que ele ataque de novo. O espetáculo burlesco, com seu humor sacana e popular e seus bastidores agitados, é homenageado com carinho. Barbara Stanwyck, em grande fase, canta e dança. A “g-string” do título original do livro da dançarina de strip-tease Gipsy Rose Lee (The G-String Murders) é um tipo de calcinha fio dental usada pelas dançarinas – e a arma do crime.
Estados Unidos. Direção: William A. Wellman. Roteiro: James Gunn, baseado em romance de Gipsy Rose Lee. Elenco: Barbara Stanwyck, Michael O’Shea, J. Edward Bromberg, Iris Adrian, Gloria Dixon.

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10 – UMA CABANA NO CÉU (Cabin in the Sky)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (na caixa Cinema Musical, da Versátil). Streaming: Não disponível no Brasil. Aluguel ou compra digitais: Amazon.

A segregação racial nos Estados Unidos fazia os estúdios evitarem colocar atores negros em papéis relevantes em seus filmes de destaque, para que essas produções não fossem boicotadas nos estados onde o racismo era não apenas forte, mas legalizado. Por isso, grandes artistas só conseguiam bons papéis em produções como esta: um elenco 100% negro, em um filme endereçado a plateias também negras. É a versão de cinema de um musical de sucesso da Broadway, uma fantasia onde um anjo e o filho do demônio disputam a alma de um malandro casado com uma mulher tão boa que tem uma linha direta com Deus. Aqui se pode conferir as espetaculares Ethel Waters e Lena Horne e até Louis Armstrong em um pequeno papel. Minnelli teve aqui sua primeira direção creditada, com Busby Berkeley dirigindo (sem crédito) o número “Shine”.
Estados Unidos. Direção: Vincente Minnelli e Busby Berkeley (não creditado). Roteiro: Joseph Schrank, Marc Connelly (contribuição não creditada), baseado em peça musical de Lynn Root. Elenco: Ethel Waters, Eddie Rochester Anderson, Lena Horne, Louis Armstrong, Rex Ingram, John W. Bubbles, Kenneth Spencer.

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9 – A CANÇÃO DE BERNADETTE (The Song of Bernadette)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Fox e da New Line). Streaming: Oldflix, Pluto TV. YouTube: legendado, dublado.

A história de Bernadette, uma jovem simples que teria tido visões da Virgem Maria na França, em 1858. Com uma solenidade típica da época para esse tipo de material, mas muito bem produzido e com uma atuação cativante de Jennifer Jones, ganhando o Oscar de melhor atriz. Mas também foi indicado a filme, direção, ator coadjuvante (Charles Bickford) e atriz coadjuvante (Anne Revere e Gladys Cooper).
Estados Unidos. Direção: Henry King. Roteiro: George Seaton, baseado em romance de Franz Werfel. Elenco: Jennifer Jones, Anne Revere, Gladys Cooper, Roman Bohnen, Vincent Price, Lee J. Cobb, Charles Bickford.

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8 – POR QUEM OS SINOS DOBRAM (For Whom the Bell Tolls)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Universal e da Classicline), blu-ray (da Universal). Streaming: Looke, NetMovies. YouTube: som original, com legendas em inglês.

Um americano encontra perigo e romance ao lutar ao lado dos republicanos durante a Guerra Civil Espanhola integrando-se à missão de explodir uma ponte estrategicamente importante. Adaptado do livro de Hemingway em que ele conta uma história meio autobiográfica (ele lutou mesmo nesse conflito). O filme evita entrar em detalhes políticos e reforça o romance fotografado em belo Technicolor (por Ray Rennahan). Ingrid Bergman, de cabelos curtos, teve aqui sua primeira indicação ao Oscar. Katina Paxinou ganhou o Oscar de atriz coadjuvante.
Estados Unidos. Direção: Sam Wood. Roteiro: Dudley Nichols, Louis Bromfield (não creditado) e Jeanie Macpherson (não creditado), baseado em romance de Ernest Hemingway. Elenco: Gary Cooper, Ingrid Bergman, Akim Tamiroff, Arturo de Córdova, Katina Paxinou.

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7 – A ARDENTE CHAPEUZINHO VERMELHO ou A FOGOSA CHAPEUZINHO VERMELHO (Red Hot Riding Hood)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. Facebook: dublado.

As cenas do lobo babando e uivando alucinado por uma gostosíssima Chapeuzinho Vermelho que canta num nightclub e tentando desesperadamente se livrar da vovó, que o persegue apaixonadamente, ficaram icônicas. Quantos desenhos animados usaram depois essas referências, como Uma Cilada para Roger Rabbit (1988) e O Máskara (1994)? Ninguém mergulhava tão brilhantemente na histeria animada como Tex Avery. Esse curta e suas continuações chegaram a ser proibidos na TV: acharam provocativo demais. Mas em uma pesquisa com animadores, em 1994, este cartoon foi eleito o sétimo melhor de todos os tempos.
Estados Unidos. Direção: Tex Avery. Roteiro: Rich Hogan (não creditado). Vozes na dublagem original: Pinto Colvig, Sara Berner, Connie Russell, Elvia Allman.

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6 – TEMPESTADE DE RITMO (Stormy Weather)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Silver Screen). Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original com legendas em inglês.

As idas e vindas no relacionamento de um aspirante a dançarino e uma cantora em ascensão é o pretexto para uma celebração do talento negro no teatro e na música. Bill “Bojangles” Robinson em seu último filme, uma deslumbrante Lena Horne cantando “Stormy weather” para a eternidade, uma rara aprição de Fats Waller no cinema, a dança de Katherine Dunham e ainda aquele número musical histórico com Cab Calloway e os Nicholas Brothers em que os irmãos desafiam a física fazem esse filme reluzir. Foi um dos dois grandes filmes do ano com elenco todo negro, feitos para uma audiência também negra.
Estados Unidos. Direção: Andrew L. Stone. Roteiro: Frederick J. Jackson e Ted Koehler, adaptação de H.S. Kraft, a partir de argumento de Jerry Horwin e Seymour Robinson. Elenco: Lena Horne, Bill Robinson, Dooley Wilson, Cab Calloway, Fats Waller, Ada Brown, Mae E. Johnson, Emmett “Babe” Wallace, Ernest Whitman, Katherine Dunham, The Nicholas Brothers (Fayard Nicholas, Harold Nicholas).

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5 – OBSESSÃO (Osessione)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Versátil e da Cinemax) e blu-ray (na caixa Visconti Essencial, da Versátil). Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original.

Versão não creditada de O Destino Bate à Sua Porta, que geraria outros grandes filmes. Aqui, é a estreia de Visconti na direção, em um visual árido e sem glamour que identificaria o neo-realismo italiano que estava nascendo. A história de crime e castigo envolvendo adultério e homicídio parece ter sido forte demais para a moral italiana da época: o governo de Mussolini destruiu os negativos do filme, mas, felizmente, o diretor conseguiu salvar uma cópia.
Itália. Direção: Luchino Visconti. Roteiro: Luchino Visconti, Mario Alicata, Giuseppe De Santis e Gianni Puccini, Alberto Moravia (não creditado) e Antonio Pietrangeli (não creditado), baseado em romance de James M. Cain. Elenco: Clara Calamai, Massimo Girotti, Juan de Landa, Dhia Cristiani, Elio Marcuzzo.

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4 – CORONEL BLIMP – VIDA E MORTE (The Life and Death of Colonel Blimp)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Silver Screen e na caixa O Cinema de Powell & Pressburger, da Versátil) . Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original com legendas em inglês.

Filme teoricamente do esforço de guerra inglês, mas Churchill tentou até proibir porque, na prática, a obra de Powell & Pressburger satiriza um pouco a pomposidade dos oficiais britânicos e traça uma amizade entre um inglês e um alemão através do anos. O protagonista não se chama “Blimp”, trata-se de uma referência que vem dos quadrinhos que já sacaneavam os militares. Deborah Kerr faz três personagens, sósias que encantam o protagonista.
Reino Unido. Direção e roteiro: Michael Powell e Emeric Pressburger. Elenco: Roger Livesey, Deborah Kerr, Anton Walbrook, James McKechnie.

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3 – CONSCIÊNCIAS MORTAS (The Ox-Bow Incident)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (só e na coleção Cinema Faroeste Vol. 8, da Versátil). Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: legendadodublado.

Henry Fonda tinha orgulho deste filme, um faroeste psicológico que denunciava os linchamentos. Seu personagem acompanha um grupo que caça três suspeitos de terem matado um fazendeiro local: a intenção não é entregá-los às autoridades, mas enforcá-los. Fonda é o contraponto, é quem vai tentar impedir a barbárie.
Estados Unidos. Direção: William A. Wellman. Roteiro: Lamar Trotti, baseado em romance de Walter Van Tilburg Clark. Elenco: Henry Fonda, Dana Andrews, Anthony Quinn, Jane Darwell, Mary Beth Hughes.

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2 – A SOMBRA DE UMA DÚVIDA (Shadow of a Doubt)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD (da Universal e da Classicline), blu-ray (da Universal). Streaming: Looke, NetMovies.

O velho Hitch dizia que este era seu preferido entre seus próprios filmes. O mestre coloca o perigo no seio de uma família absolutamente comum, na pele do simpático Tio Charlie que pode ser um assassino de mulheres. A única que desconfia é a adolescente Charlie, tão próxima do tio que tem o mesmo nome. Como ela vai lidar com essa desconfiança é o grande lance do filme. Com atores carismáticos, uma ótima construção da presença do mal por baixo de uma cidadezinha normal e cenas dirigidas com a maestria do melhor Hitchcock, é um grande clássico.
Estados Unidos. Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Thornton Wilder, Sally Benson e Alma Reville, a partir de argumento de Gordon McDonell. Elenco: Teresa Wright, Joseph Cotten, Macdonald Carey, Henry Travers, Patricia Collinge, Hume Cronyn.

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1 – CASABLANCA (Casablanca)
Onde ver (em 13/09/2023) Mídia física: DVD, blu-ray (da Warner). Streaming: HBO Max, Now, Oldflix, Oi Play. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon, Microsoft Store.

Um roteiro baseado em uma peça que ninguém montou, reescrito enquanto o filme ia sendo rodado, com protagonistas que não eram os pretendidos originalmente, dirigido por um operário da indústria e não por um “autor”. Tinha tudo para dar errado, mas o resultado é um dos maiores filmes de todos os tempos. Com a II Guerra como pano de fundo, Casablanca coloca frases inesquecíveis de romance e humor na boca tanto de seus personagens principais quanto dos coadjuvantes, orquestra a história de um amor maculado que renasce, mas que “é apenas um monte de feijões” em uma realidade com o destino do mundo em jogo, e tem Bogart e Ingrid Bergman absolutamente icônicos.
Estados Unidos. Direção: Michael Curtiz. Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch, Casey Robinson (não creditado), baseado em peça de Murray Burnett e Joan Alison. Elenco: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Conrad Veidt, Dooley Wilson, Sydney Greenstreet, Peter Lorre, S.Z. Sakall, Madeleine Lebeau.

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EDIÇÃO (em 5/10/2023): Coronel Blimp – Vida e Morte sobe de 10º para 4º. Uma Cabana no Céu passa de 8º para 10º.

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OUTRAS LISTAS DE MELHORES:

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NOTA: A percepção sobre os filmes mudam com o tempo. Esta é a minha percepção agora, limitada ao que vi, naturalmente — esta lista pode mudar à medida em que for revisitando alguns filmes ou assistir a outros que ainda não conheço deste ano específico.

CIDADÃO KANE
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 48
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: HBO Max, Belas Artes a la Carte, Oldflix. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon, Microsoft Store.

As revoluções narrativas que Cidadão Kane compilou dentro de si já foram absorvidas, reprocessadas, diluídas e subvertidas ao longo do tempo. Para um espectador de hoje, que não se esforçar em buscar o olhar do tempo em que o filme foi feito, pode ser desafiador encontrar esses elementos inovadores. Fora isso, o que sobra então? Revendo o filme de Orson Welles, é um grande prazer reencontrar uma extrema habilidade narrativa. essas “revoluções” nada mais eram do que uma busca incansável por narrar cada cena de uma maneira criativa, inteligente e surpreendente. E esse modo vigoroso de contar a história sobrevive através desses oito décadas, não só numa revisita cinéfila a Kane, mas também em alguns dos melhores cineastas da atualidade.

Crítica de Cidadão Kane:
Uma narrativa para além das revoluçõe
s

Os 20 melhores filmes de 1941

Citizen Kane. Estados Unidos, 1941. Direção: Orson Welles. Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Everett Sloane.

VOCÊ JÁ FOI À BAHIA?
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 47
Mídia física: DVD. Streaming: Disney Plus. 

Projeto da Disney para dar aquela força nos planos do governo americano de estreitar laços com a América Latina durante a II Guerra, este filme em segmentos e com um estilo mais simples de animação que os outros longas do estúdio até então dedica sua maior parte à Bahia (o Rio já havia aparecido no anterior Alô, Amigos, de 1942) e, sobretudo, ao México. Zé Carioca volta para representar o Brasil e Panchito entra em cena para apresentar um pouco das músicas e danças mexicanas, formando um trio com o americano Donald. O destaque vai para os vários momentos de interação entre desenhos e atores reais, como a cena com Aurora Miranda, irmã de Carmen, cantando “Os quindins de Iaiá”.

The Three Caballeros. Estados Unidos, 1945. Direção: Norman Ferguson, Clyde Geronimi, Jack Kinney, Bill Roberts, Harold Young. Elenco: Clarence Nash (voz), José Oliveira (voz), Joaquin Garay (voz), Aurora Miranda, Carmen Molina, Dora Luz, Almirante.

NA COVA DA SERPENTE
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 31
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil.

Olivia de Havilland deixa o glamour de lado para viver uma mulher internada em uma instituição para doentes mentais. Desde o primeiro momento, o filme se dedica a encontrar meios para fazer o espectador compartilhar da confusão mental da protagonista sem abrir mão da plenitude da comunicação. Baseado em um livro de Mary Jane Ward, onde ela conta suas próprias experiências a respeito, repercutiu a ponto de vários estados americanos reverem suas leis sobre tratamento de doenças mentais. E tem uma grande atriz que agarrou firme o material que tinha nas mãos e dá um show.

The Snake Pit. Estados Unidos, 1948. Direção: Anatole Litvak. Elenco: Olivia de Havilland, Leo Genn, Mark Stevens, Celeste Holm.

A LOJA DA ESQUINA
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 26
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil.

“Mensagem para Você”, de Nora Ephron, atualizou este filme para a era dos e-mails (também já superada). Aqui, em 1940, ainda são cartas as trocadas pelos dois empregados de uma mesma loja de variedades em Budapeste. Eles se detestam, mas cada um possui um correspondente secreto e amoroso – que não sabem, mas é justamente o colega desafeto. A trama é uma delícia romântica, dirigida por um Ernst Lubitsch mais leve e menos atrevido que o habitual, e estrelada pelos ótimos Margaret Sullavan e James Stewart. A dinâmica Meg Ryan-Tom Hanks de seu tempo funciona plenamente.

The Shop around the Corner. Estados Unidos, 1940. Direção: Ernst Lubitsch. Elenco: Margaret Sullavan, James Stewart, Frank Morgan, Joseph Schildkraut, Felix Bressart.

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 25
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Belas Artes a la Carte, Looke, Globoplay/ Telecine, NetMovies, Oldflix. Aluguel ou compra online: Claro Vídeo, Google Play/ YouTube Filmes.

Frank Capra voltou da II Guerra e rodou uma obra-prima sobre sua visão dos Estados Unidos e do ser humano. Contando a história de um homem que abre mão dos seus sonhos de viagens e aventuras pelos outros, sem nunca conseguir sair de sua cidadezinha, o diretor fala de solidariedade, amizade e da força do povo, sem deixar de apontar o dedo para a ganância dos grandes capitalistas. Se consagrou como o grande filme de Natal de todos os tempos, ao mostrar como uma pessoa toca de maneira decisiva em tantas vidas. Com James Stewart mais James Stewart que nunca, secundado por um ótimo elenco, o filme alterna entre a comédia mais rasgada ao drama mais sombrio, é influente até hoje e possui uma das mais memoráveis sequências finais já vistas em qualquer forma de arte.

It’s a Wonderful Life. Estados Unidos, 1946. Direção: Frank Capra. Elenco: James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers, Beulah Bondi, Frank Faylen, Ward Bond, Gloria Grahame.

5 – DR. MABUSE, O JOGADOR (Dr. Mabuse, der Spieler)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: legendado.

Mastodôntico filme de quase 4h30 sobre um criminoso hipnotizador e mestre dos disfarces duela com um promotor de justiça enquanto leva adiante planos de enriquecer com sua gangue. Através dos tempos foi retalhado, re-editado, dividido em dois. É um grande tour de force do diretor Lang e da roteirista Thea von Harbou, casados, que começa com um plano eloquente de Mabuse embaralhando fotos de suas várias identidades e termina de forma frenética.
Alemanha. Direção: Fritz Lang. Roteiro: Thea von Harbou, baseado no romance de Norbert Jacques. Elenco: Rudolf Klein-Rogge, Gertrude Welcker, Aud Egede-Nissen, Bernhard Goetzke, Alfred Abel.

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4 – O ENRASCADO (Cops)
Mídia física: DVD (na coleção Buster Keaton). Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: sem legenda.

No começo, Keaton tenta provar à amada que pode ser um homem de sucesso nos negócios. O show mesmo começa lá pela metade do cirta, quando ele passa a ser perseguido por centenas de policiais. Cenas que remetem aos então já antigos Keystone Cops e onde Keaton desfila várias de suas mais famosas gags.
Estados Unidos. Direção e roteiro: Buster Keaton e Edward F. Cline. Elenco: Buster Keaton, Edward F. Cline, Virginia Fox.

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3 – HÄXAN – A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS TEMPOS (Häxan)
Mídia física: DVD. Streaming: Classix. YouTube: legendado.

Numa época em que o documentário não era ainda um gênero melhor definido, Häxan se porta como um filme didático, mistura fatos históricos com outros fictícios e lendas, se esmera em criar imagens demoníacas assustadoras ao mesmo tempo em que denuncia as torturas e falsas acusações da Igreja. É tecnicamente muito inspirado e influenciou filmes de horror que vieram bem depois.
Suécia/ Dinamarca. Direção e roteiro: Benjamin Christensen. Elenco: Maren Perdersen, Clara Pontoppidan, Elith Pio, Benjamin Christensen.

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2 – NANOOK, O ESQUIMÓ (Nanook of the North)
Mídia física: DVD. Streaming: Mubi. YouTube: legendado.

Uma das pedras fundamentais do gênero documentários ainda causa debates porque o diretor Flaherty na verdade encenou boa parte do que se vê no filme, buscando recriar uma maneira de viver dos esquimós que, às vezes, nem existia mais. No entanto, Nanook faz realmente o que faz diante da câmera: sejam ações de seu cotidiano ou que já não fazia há muito tempo. O que importa é que Flaherty, através de seu personagem, capta maravilhosamente a essência da vida humana contra uma natureza indomável em um lugar inóspito.
França/ Estados Unidos. Direção: Robert J. Flaherty. Roteiro: Frances H. Flaherty e Robert J. Flaherty. Elenco: Allakariallak, Alice Nevalinga, Cunayou, Allegoo.

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1 – NOSFERATU (Nosferatu – Eine Symphonie des Grauens)
Mídia física: DVD. Streaming: Belas Artes a la Carte, Globoplay/ Telecine, Looke, NetMovies, Pluto TV, Cultflix, Filmbox Plus, Classix. Aluguel ou compra digitais: Claro TV. YouTube: legendado.

Murnau fez uma adaptação pirateada e mal disfarçada de Drácula, de Bram Stoker, foi processado e quase todas as cópias e negativos foram destruídos. O filme sobreviveu por causa de cópias depois encontradas em outros países. O vampiro aqui ainda não tem a imagem de sedutor que ganharia nas tantas vezes em que voltaria à tela. É uma criatura que sofre mesmo de uma maldição, com imagem e alma desfiguradas. O filme alia o conto de horror ao horror real da peste negra, com a infestação de ratos comandados pelo Conde Orlok. E cria uma atmosfera que definiu um gênero, com as antológicas sombras ameaçadoras do vampiro tomando em cena o lugar dele próprio.
Alemanha. Direção: F.W. Murnau. Roteiro: Henrik Galeen, baseado em romance de Bram Stoker. Elenco: Max Schreck, Gustav von Wangerheim, Greta Schroder.

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OUTRAS LISTAS DE MELHORES:

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NOTA: A percepção sobre os filmes mudam com o tempo. Esta é a minha percepção agora, limitada ao que vi, naturalmente — esta lista pode mudar à medida em que for revisitando alguns filmes ou assistir a outros que ainda não conheço deste ano específico.

CANTANDO NA CHUVA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2022: 84
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: HBO Max, Oldflix.
Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Amazon, Apple TV/ iTunes, Microsoft Store.

Antídoto contra o baixo astral

“‘Cantando na Chuva’ (‘Singin’ in the Rain’, EUA, 1952) é o filme que costuma negar todas as crenças que são repetidas quando se fala do grande cinema. Figurando sempre em qualquer lista de melhores filmes do mundo, ele já é um contraponto direto à ideia de que o filme, para ser bom mesmo, tem que ter um ‘autor’. Isso já começa na direção: são dois os diretores, e não se trata de uma parceria perene. Trata-se de uma produção de estúdio, super ‘da indústria’, e, ainda por cima, é um projeto de encomenda. E, com tudo isso, tem um status alto entre os críticos mais severos e cai nas graças até de quem nem gosta de musicais.

Dizer que o filme – que celebra 70 anos este ano – é uma perfeita combinação de comédia da melhor qualidade com números musicais incríveis, executados por ases do gênero parece pouco. Outros musicais do mesmo período são ótimos no humor e contavam com um elenco tão bom quanto e uma trilha de canções até melhor, assim como diretores tão capazes e talentosos quanto Gene Kelly e Stanley Donen. Em ‘Cantando na Chuva’, a química desses componentes foi, de alguma forma, dosada na medida exata. Médicos deviam receitá-lo contra o baixo astral.”

Leia o meu texto completo no CinemaEscrito.

Singin’ in the Rain. Estados Unidos, 1952.
Direção: Gene Kelly e Stanley Donen. Roteiro: Adolph Green e Betty Comden. Elenco: Gene Kelly, Donald O’Connor, Debbie Reynolds, Jean Hagen, Millard Mitchell, Cyd Charisse, Douglas Fowley, Rita Moreno.

SÓ A MULHER PECA
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2022: 81
Mídia física: DVD (digipack Barbara Stanwyck). Streaming no Brasil: Looke, NetMovies.

Dilema moral e um título bem machista

O austríaco Fritz Lang, após seu período glorioso no Expressionismo Alemão, chegou em Hollywood fugido do nazismo e encontrou espaço nos filmes B de Hollywood. Em produções de orçamento mais baixo, presumivelmente podia trabalhar sossegado sem ninguém o enchendo muito. Só a Mulher Peca, que completa 70 anos este ano, já é de seus últimos anos nos EUA, mas aqui contando com uma grande estrela – Barbara Stanwyck – e, como coadjuvante, uma estrela naquele momento em franca ascensão – Marilyn Monroe.

Stanwyck aparece como Mae Doyle, uma mulher madura que oito anos depois volta à cidade para viver com o irmão, Joe (Keith Andes). Havia sumido no mundo para viver sua vida em seus próprios termos, mas a coisa deu errado e, sem opções, acabou voltando. Acaba aceitando um convite para sair de um grandalhão de bom coração, Jerry (Paul Douglas), o capitão de um navio pesqueiro que é patrão de seu irmão.

Acontece que Paul tem um amigo, Earl (Robert Ryan), projecionista do cinema local, que é um desiludido com as mulheres desde que a sua o deixou. Mae e Earl se estranham no começo, mas é óbvio que há uma fagulha ali. Mas ela quer dar uma guinada na vida e, mesmo acreditando que não é mulher para isso, acha que o amor tranquilo de Jerry é o caminho.

Marilyn é Peggy, namorada de Joe. O romance deles é tempestuoso, à beira da violência, está lá para ser um contraste direto com a relação de Mae e Jerry. Mae e Earl ainda têm seu fogo interior representado por nuvens em movimento e ondas se chocando contra as rochas (que são as primeiras imagens do filme, sob os créditos de abertura).

O dilema moral de Mae é central na trama, adaptada de uma peça de teatro. O título brasileiro, no entanto, é machista num ponto até além do já esperado para a época. Por que “só a mulher peca”? Seria uma crítica ao pensamento da sociedade da época, portanto solidário à personagem? Se fosse assim, fazer do título uma pergunta comunicaria melhor. Ou é simplesmente uma condenação de seu comportamento?

Afinal, Earl, o “muy amigo” de Jerry, que o diminui pela maneira condescendente com que o trata, não tem a menor sombra de remorso quando se trata de traí-lo. Mas só quem peca é a mulher?

De qualquer forma, Barbara Stanwyck soube se aproveitar bem do papel, com o carisma e a dedicação de sempre. E Marilyn, insinuante, ainda não está em seu tipo “inocente sexy”, que seria sua marca. Ela ainda estava se adequando aos filmes, e não os filmes a ela.

E Fritz Lang conduz a trama puxando para o realismo, com zero de glamour, e eventualmente coloca em cena alguma ideia visual acima da média – como a cena em que Robert Ryan é visto saindo da casa ao longe, desce as escadas, se aproximando da câmera até seu rosto não caber mais na imagem.

Clash by Night. Estados Unidos, 1952.
Direção: Fritz Lang. Roteiro: Alfred Hayes, baseado em peça de Cifford Odets. Elenco: Barbara Stanwyck, Paul Douglas, Robert Ryan, Marilyn Monroe, J. Carrol Naish, Silvio Minciotti, Keith Andes.

ALMAS DESESPERADAS
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2022: 80
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.

Marilyn é um perigo

Pode-se dizer que Marilyn Monroe virou uma grande estrela em 1953, quando ela protagonizou três filmes: Torrente de Paixões, Os Homens Preferem as Louras e Como Agarrar um Milionário. Mas seu nome já vinha antes do título em Almas Desesperadas, mistura de drama e suspense lançado um ano antes e que completa 70 anos em 2022.

A estrela então em ascensão surge como Nell, uma babá, uma jovem introspectiva chamada para tomar conta de uma garotinha num quarto de hotel enquanto os pais participam de um evento. Paralelamente, Jed (Richard Widmark) está no saguão, levando um fora da namorada cantora Lyn (Anne Bancroft) porque ele “não tem um coração compreensivo”.

Os dois personagens vão se encontrar quando Jed, de volta a seu quarto, vê o quarto onde está Nell, dá em cima dela, e ela aceita que ele vá lá. A moça, no entanto, não superou a morte de um namorado na guerra, o que rendeu a ela sérios distúrbios psicológicos. Aos poucos, Jed começa a perceber que Nell pode ser perigosa.

Hoje em dia, é um plot comum o da babá mentalmente perturbada, visto principalmente em A Mão que Balança o Berço (1992). Almas Desesperadas dá os primeiros passos nesse sentido e a periculosidade subiria muito nos anos seguintes. O filme também mostra muita compaixão pela personagem, dando mais atenção ao drama que ao suspense, na verdade.

Situado quase totalmente no quarto de hotel e no saguão, há um quê teatral aí (embora o filme seja baseado em um romance de Charlotte Armstrong). O que ficou através dos tempos, mesmo, é a presença de Marilyn, num papel pouco usual na trajetória que viria a seguir.

Mas é, também, a estreia de Anne Bancroft. Ela foi dublada nas canções por Eve Marley, mas foi o começo já com destaque da belíssima carreira de uma grande atriz.

Don’t Bother to Knock. Estados Unidos, 1952.
Direção: Roy Ward Baker. Roteiro: Daniel Taradash, baseado em romance de Charlotte Armstrong. Elenco: Richard Widmark, Marilyn Monroe, Anne Bancroft, Donna Corcoran, Elisha Cook Jr., Verna Felton.

20 – NOSSO BARCO, NOSSA ALMA (In Which We Serve)
Mídia física: DVD (da LW Editora e na caixa O Cinema de David Lean, da Versátil). Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: som original.

O dramaturgo Noël Coward entrou no esforço de guerra britânico escrevendo, atuando e co-dirigindo “a história de um barco”. Coward chamou David Lean para ajudá-lo, no que foi o primeiro crédito como diretor do até então montador. O drama engajado se afasta das comédias soficisticadas de Coward.
Reino Unido. Direção: Noël Coward e David Lean. Roteiro: Noël Coward. Elenco: Noël Coward, John Mills, Bernard Miles, Celia Johnson, Kay Walsh, Richard Attenborough, Leslie Howard (narração).

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19 – VENDAVAL DE PAIXÕES (Reap the Wild Wind)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: legendado.

Ambientado no século XIX, junta a aventura da navegação por uma rota comercial marítima na costa dos Estados Unidos com um triângulo amoroso entre Paulette Goddard, Ray Milland e John Wayne (ainda a caminho do astro que viria a ser. Paulette faz a mocinha entre as tradições e a aventura e o clímax é uma luta submarina contra um polvo gigante.
Estados Unidos. Direção: Cecil B. DeMille. Roteiro: Alan Le May, Charles Bennett e Jesse Lasky Jr., com contribuição de Jeanie Macpherson, baseado em uma história de Thelma Strabel. Elenco: Ray Milland, John Wayne, Paulette Goddard, Raymond Massey, Robert Preston, Susan Hayward, Hedda Hopper.

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18 – VIDA CACHORRA (Dog Trouble)
Mídia física e streaming: não disponível no Brasil. Dailymotion: som original, sem legendas.

Quando sua perseguição eterna arruma problemas com um cachorrão. Tom & Jerry deixam suas diferenças de lado e se unem para se livrar dele. É a primeira vez que os adversários se unem, em uma animação carismática e movimentada.
Estados Unidos. Direção: Joseph Barbera e Wiliam Hanna, com Rudolph Ising (não creditado) e Michael Lah (não creditado). Roteiro: Cal Howard (não creditado). Voz na dublagem original: Lillian Randolph.

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17 – IDÍLIO EM DÓ-RÉ-MI (For Me and My Gal)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.

Judy Garland pela primeira vez em um papel adulto e Gene Kelly estreando no cinema já garantiriam o interesse. Os dois mostram uma forte química juntos desde o começo, num filme que celebra a memória do vaudeville e fala da I Guerra Mundial para referenciar a II.
Estados Unidos. Direção: Busby Berkeley. Roteiro: Richard Sherman, Fred F. Finklehoffe e Sid Silvers, de argumento de Howard Emmett Rogers. Elenco: Judy Garland, Gene Kelly, George Murphy, Martha Eggerth, Ben Blue.

Crítica de Idílio em Dó-Ré-Mi:
No palco da guerra

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16 – COMO JOGAR BEISEBOL (How to Play Baseball)
Mídia física e streaming: não disponível no Brasil. Dailymotion: som original, sem legendas.

Uma ideia genial dos animadores da Disney: a série de curtas “educativos” estrelados não só pelo Pateta, mas por vários patetas. O personagem sustenta sozinho episódios como este, em que satiriza diversos aspectos do beisebol, com a excelência da animação Disney.
Estados Unidos. Direção: Jack Kinney. Roteiro: Dick Kinney e Sylvia Moberly-Holland. Narração na dublagem original: Fred Shields.

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15 – A CANÇÃO DA VITÓRIA (Yankee Doodle Dandy)
Midia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil. Aluguel ou compra digitais: Amazon.

James Cagney ganhou o Oscar de melhor ator com seu retrato do dramaturgo, ator, cantor, dançarino e compositor George M. Cohan, de extremo sucesso na Broadway no começo do século XX com produções espalhafatosamente patrióticas. O musical da Warner se esforça para reproduzir os números musicais e embala tudo no espírito do esforço de guerra.
Estados Unidos. Direção: Michael Curtiz. Roteiro: Robert Buckner e Edmund Joseph, com contribuição não creditada de Julius J. Epstein e Philip G. Epstein. Elenco: James Cagney, Joan Leslie, Walter Houston, Rosemary DeCamp, S.Z. Sakall.

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14 – HORA DA SINFONIA (Symphony Hour)
Mídia física: DVD (em Disney Treasures Mickey Mouse em Cores Vivas: Volume 2). Streaming: não disponível no Brasil. Dailymotion: som original, sem legendas.

Maestro, Mickey comanda seus amigos em uma orquestra, mas todos têm seus instrumentos em cacos por causa de uma trapalhada do Pateta. O resultado é uma sinfonia de sons dissonantes, mas com notas altas no sofrimento do regente, na fúria do patrocinador Bafo e no Pato Donald, engraçadíssimo ao procurar emprego enquanto a desastrosa apresentação ainda está acontecendo. Comédia da melhor qualidade.
Estados Unidos. Direção: Riley Thomson (não creditado). Roteiro: Davm. Elenco: Walt Disney, Billy Bletcher, Pinto Colvig, Clarence Nash.

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13 – MULHER DE VERDADE (The Palm Beach Story)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil. YouTube: legendado.

Comédia maluca que não nega o nome. Um casal que se ama está à beira do divórcio por causa da falta de dinheiro. Assim, a esposa pretende se separar, casar com algum ricaço e aí financiar o projeto do então marido inventor. Nada faz muito sentido, mas é muito engraçado.
Estados Unidos. Direção e roteiro: Preston Sturges. Elenco: Claudette Colbert, Joel McCrea, Rudy Vallee, Mary Astor.

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12 – ALÔ, AMIGOS (Saludos, Amigos)
Mídia física: DVD. Streaming: Disney Plus.

Na política da boa vizinhança dos EUA com a América Latina, a Disney buscou fazer um afago nos vizinhos do sul, com uma mistura de documentário com animação. Entre as cenas que mostram a viagem dos animadores do estúdio aos países da América do Sul, curtas que teriam sido inspirados nessa visita. O principal deles, que fecha o média-metragem é o exuberante “Aquarela do Brasil”, com a estreia nas telas do Zé Carioca sendo o anfitrião do Pato Donald no país, mostrando as belezas naturais, o samba, os cassinos e até uma cachacinha.
Estados Unidos. Direção: Norman Ferguson (supervisor, não creditado), Wilfred Jackson, Jack Kinney, Hamilton Luske, Bill Roberts. Roteiro: Homer Brightman, Ralph Wright, Roy Williams, Harry Reeves, Dick Huemer e Joe Grant. Vozes na dublagem original: Clarence Nash, José Oliveira, Pinto Calvig, Fred Shields (narração).

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11 – SOBERBA (The Magnificent Ambersons)
Mídia física: DVD. Streaming: Belas Artes a la Carte, Looke, NetMovies.

Depois de Cidadão Kane, o segundo filme de Orson Welles foi uma produção empolada, sobre os fantasmas vivos de uma família decadente. Uma obra sombria, em tom bem distante da vivacidade de Kane. Com Welles filmando no Brasil, a RKO sequestrou o filme, cortou mais de 40 minutos, destruiu o que retirou da metragem original e filmou um novo final, mais otimista. Os cinéfilos ainda esperam um dia que alguém encontre uma cópia original que tenha sobrevivido. Por enquanto o filme mantém boa parte do espírito original: a narração radiofônica e literária, mas os planos-sequência, a atmosfera expressionista.
Estados Unidos. Direção: Orson Welles. Roteiro: Orson Welles, baseado no romance de Booth Tarkington. Elenco: Joseph Cotten, Dolores Costello, Tim Holt, Anne Baxter, Agnes Moorehead, Orson Welles (narração).

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10 – A INCRÍVEL SUZANA (The Major and the Minor)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.

A estreia de Billy Wilder como diretor tem Ginger Rogers se passando por criança para conseguir uma passagem mais barata de trem, mas isso gera uma crescente confusão. Ginger sempre mostrou ser boa de comédia, e aqui ainda tinha as falas rápidas de Wilder e Brackett.
Estados Unidos. Direção: Billy Wilder. Roteiro: Charles Brackett e Billy Wilder, com argumento de Fanny Gilmore, sugerido pela peça de Edward Childs Carpenter. Elenco: Ginger Rogers, Ray Milland, Rita Johnson, Robert Benchley.

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9 – BAMBI (Bambi)
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Disney Plus. YouTube: dublado.

O visualmente deslumbrante ciclo de crescimento do pequeno cervo foi a última grande produção da Disney até 1950 – o estúdio passou a lançar longas formados por conjuntos de curtas durante a II Guerra. O filme vai do encantamento da descoberta do mundo até a morte da mãe, um dos grandes momentos trágicos do cinema. O Homem foi eleito um dos maiores vilões do cinema americano pelo American Film Institute.
Estados Unidos. Direção: James Algar, Samuel Armstrong, David Hand, Graham Held, Bill Roberts, Paul Satterfield, Norman Wright, Arthur Davis, Clyde Geronimi. Roteiro: Perce Pearce (direção de história), Larry Morey (adaptação) e, no desenvolvimento de história, Vernon Stallings, Mel Shaw, Carl Fallberg, Chuck Couch, Ralph Wright, baseado em conto de Felix Salten. Vozes na dublagem original: Donnie Dunagan, Albright, John Sutherland, Paula Winslowe, Peter Behn. Vozes na dublagem brasileira de 1942: Pery Ribeiro, Oscar Nobre, Almirante. Vozes na dublagem brasileira de 1993: Peterson Adriano, José Leonardo, Juraciára Diácovo, Nizo Neto.

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8 – SABOTADOR (Saboteur)
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: não disponível no Brasil.

Aquele tema caro a Hitch: sujeito é acusado injustamente (aqui, de ser um sabotador) e foge pelo país tentando provar sua inocência. O mestre do suspense num modo mais aventura, culminando pela grande sequência no alto da Estátua da Liberdade.
Estados Unidos. Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Peter Viertel, Joan Harrison e Dorothy Parker, a partir de argumento de Alfred Hitchcock (não creditado). Elenco: Robert Cummings, Priscilla Lane, Otto Kruger, Norman Lloyd.

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7 – BONITA COMO NUNCA (You Were Never Lovelier)
Mídia fisica: DVD, Streaming: HBO Max.

“The Shorty George”, tão maravilhoso quanto simples número, hoje é editado pelo YouTube com várias outras músicas. Sobretudo mostra a química extraordinária entre Fred Astaire e Rita Hayworth neste segundo, último e melhor filme que fizeram juntos. “I’m old fashioned” é outro momento mágico do filme, que se passa em Buenos Aires.
Estados Unidos. Direção: William A. Seiter. Roteiro: Michael Fessier, Ernest Pagano e Delmer Daves, a partir de argumento de Carlos A. Olivari e Sixto Pondal Ríos. Elenco: Fred Astaire, Rita Hayworth, Adolphe Menjou, Isobel Elsom, Xavier Cugat.

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6 – A ESTRANHA PASSAGEIRA (Now, Voyager)
Onde ver: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.

Bette Davis chegou à sua quinta indicação ao Oscar de melhor atriz em cinco anos (sétima no total, dois prêmios). Com um diretor mais amigável, ela estava livre para dar suas opiniões sobre sua atuação e sua caracterização – como sua versão feia e desarrumada do começo da história. Bette é uma solteirona retraída dominada pela mãe opressiva à beira de um colapso nervoso que passa por um tratamento cujo passo decisivo é uma viagem de navio para socializar. Numa escala no Rio, surge a paixão por um homem casado e o desabrochar de uma mulher forte e segura.
Estados Unidos. Direção: Irving Rapper. Roteiro: Casey Robinson, baseado em romance de Olive Higgins Proudy. Elenco: Bette Davis, Paul Henreid, Claude Rains, Gladys Cooper, Bonita Granville.

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5 – ROSA DE ESPERANÇA (Mrs. Miniver)
Mídia física: DVD. Streaming: Looke, NetMovies. Aluguel ou compra digitais: AppleTV/ iTunes, Google Play/ YouTube Filmes, Amazon.

Os bombardeios nazistas à Inglaterra foram o pano de fundo deste drama que ganhou o Oscar de melhor filme. Uma família inglesa de classe média alta vive seu cotidiano leve e de frivolidades, como as tensões envolvendo um concurso da rosa cultivada mais bonita da região. Mas pouco a pouco a guerra se aproxima e muda para sempre a vida dessas pessoas. Wyler, um mestre do drama, se alistou para dirigir documentários sobre a guerra após terminar este filme, que ganhou também os Oscars de direção, atriz e atriz coadjuvante.
Estados Unidos. Direção: William Wyler. Roteiro: Arthur Wimperis, George Froeschel, James Hilton e Claudine West, com contribuição não creditada de Paul Osborn e R.C. Sheriff, baseado no romance de Jan Struther. Elenco: Greer Garson, Walter Pidgeon, Teresa Wright, May Whitty, Henry Travers.

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4 – A MULHER DO DIA (The Woman of the Year)
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.

Ele é um experiente colunista esportivo, ela é uma renomada jornalista de política internacional. Trocam farpas em seus textos, mas, na primeira em que se veem (ele abre uma porta, ela está de perna estendida, ajeitando a meia), se apaixonam. Mas ainda existem as diferenças entre eles, sobretudo a agenda atribulada dela, na qual o amor talvez não tenha espaço. Tracy e Hepburn, um dos grandes casais da tela, dentro e fora dela, em seu primeiro filme juntos, afiadíssimos na comédia.
Estados Unidos. Direção: George Stevens. Roteiro: Ring Lardner Jr. e Michael Kanin, com contribuição não creditada de John Lee Mahin. Elenco: Spencer Tracy, Katharine Hepburn, Fay Bainter, Reginald Owen.

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3 – BOLA DE FOGO (Ball of Fire)
Mídia física: DVD, blu-ray, Streaming: Oldflix, Looke, NetMovies.

Uma versão safadinha de Branca de Neve e os Sete Anões na história dos cérebros enclausurados na redação de uma enciclopédia e a gostosa cantora, namorada de um gangster, que, para se esconder da polícia, aparece na casa de onde eles não saem para nada. Enquanto os velhinhos babam por ela, Gary Cooper tem interesse na moça apenas para estudar suas gírias e apesar de seu “corpo perturbador”. O encontro de Billy Wilder no roteiro e Hawks na direção só podia dar numa comédia antológica.
Estados Unidos. Direção: Howard Hawks. Roteiro: Charles Brackett e Billy Wilder, a partir de argumento de Wilder e Thomas Monroe. Elenco: Gary Cooper, Barbara Stanwyck, Oskar Homolka, Henry Travers, S.Z. Sakall, Richard Haydn, Dana Andrews, Dan Duryea, Gene Krupa.

Crítica de Bola de Fogo:
Branca de Neve num ‘corpo perturbador’

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2 – SANGUE DE PANTERA (Cat People)
Mídia física: DVD. Streaming: HBO Max.

“Mostre um homem vestido como um gato e o que ele vai parecer?”. “Um homem vestido como um gato”. Esse diálogo entre diretor e produtor de um filme de horror dentro do drama Assim Estava Escrito (1952) remete diretamente a Sangue de Pantera, onde uma mulher teme se transformar em uma pantera assassina caso fique mais íntima de seu noivo, por causa de uma maldição de sua Sérvia natal. O filme, produzido por Val Lewton, opta por manter a ameaça nas sombras, usando a imaginação do espectador e driblando o baixo orçamento. Uma técnica que se mostraria eficiente através dos tempos, mesmo com todos os efeitos especiais disponíveis.
Estados Unidos. Direção: Jacques Torneur. Roteiro: DeWitt Bodeen. Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Tom Conway, Jane Randolph, Elizabeth Russell.

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1 – SER OU NÃO SER (To Be or Not to Be)
Mídia física: DVD. Streaming: Belas Artes a la Carte.

De todos os filmes que focaram de uma maneira ou de outra a II Guerra em 1942, nenhum é mais demolidor que Ser ou Não Ser, a comédia que mete uma trupe teatral de Varsóvia em uma trama de espionagem para salvar os membros da resistência polonesa aos nazistas. Os atores levam seus talentos para fora do palco, fingindo e se disfarçando para enrolar os alemães, enquanto o casal que chefia a companhia duela por protagonismo e por ciúmes. O humor contra o horror, num filme engraçadíssimo, com uma Carole Lombard luminosa em seu último filme (ela morreu num acidente de avião antes do filme estrear).
Estados Unidos. Direção: Ernst Lubitsch. Roteiro: Edwin Justus Mayer, a partir de argumento de Ernst Lubitsch e Melchior Lengyel. Elenco: Carole Lombard, Jack Benny, Robert Stack, Felix Bressart, Lionel Atwill, Stanley Ridges, Sig Ruman, Tom Dugan.

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OUTRAS LISTAS DE MELHORES:

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NOTA: A percepção sobre os filmes mudam com o tempo. Esta é a minha percepção agora, limitada ao que vi, naturalmente — esta lista pode mudar à medida em que for revisitando alguns filmes ou assistir a outros que ainda não conheço deste ano específico

IDÍLIO EM DÓ-RÉ-MI
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2022: 62
Onde ver: DVD

No palco da guerra

Em 1942, os Estados Unidos já haviam ingressado na II Guerra Mundial e uma enxurrada de filmes sobre o assunto desaguaram sobre os cinemas, em todos os gêneros. De dramas aos desenhos animados. E os musicais não ficaram de fora. Os filmes não precisavam falar da II Guerra especificamente, podiam tratar de outro conflito para falar, no fundo, do que estava em curso. É o caso de Idílio em Dó-Ré-Mi, que completa 80 anos este ano, se passava na I Guerra e não apenas foi o primeiro filme de Gene Kelly, como foi a estreia de Judy Garland como atriz adulta.

Dirigido por Busby Berekeley, que já havia comandado Judy nos musicais adolecentes que ela estrelou ao lado de Mickey Rooney, o filme começa com um texto falando do vaudeville. Diz como esse estilo de entretenimento teatral de variedades era pouco documentado e que a produção procurava manter essa memória viva.

Então, o começo foca em uma companhia teatral de viaja pelos Estados Unidos apresentando várias esquetes musicais e de comédia. A eles se junta Harry Palmer (Kelly), um comediante-dançarino talentoso, mas bastante arrogante. Ele nota o talento de Jo Hayden (Judy), uma das acompanhantes de outro número e, embora ela não dê bola a princípio, acaba a convencendo a juntar-se a ele numa dupla.

Eles, claro, se apaixonam, mas são testados de várias formas – a mais dramática delas, pela eclosão da I Guerra. A busca pelo sucesso entra em conflito com o patriotismo.

Como celebração do palco, Idílio em Dó-Ré-Mi é fiel a isso. Todos os números musicais se passam diante de uma plateia, e apenas um, “For me and my gal”, mistura um pouco o número com a narrativa. É justamente a canção-título, mas, ainda assim, os personagens de Judy Garland e Gene Kelly a cantam num café, aprendendo a letra, o que acaba evoluindo para a dança.

É apenas um dos momentos que mostra o acerto desse encontro na tela. Kelly estava pronto para o cinema, com seu estilo confiante. E Judy, que já era uma estrela, mostra que era capaz de segurar um filme como atriz adulta. “When you wore a tulip and I wore a big red rose” e “Ballin’ the Jack” são os outros destaques dos dois juntos.

Berkeley, no entanto, estava longe de seus dias mais criativos nos musicais da Warner, nos anos 1930, quando compôs seus caleidoscópios humanos. Aqui, ele entrega uma direção sem grandes audácias, quase protocolar. Talvez para não concorrer pela atenção com seus dois grandes talentos?

A parte final é dedicada à guerra, com a importância dos artistas que animavam as tropas e Palmer precisando provar sua coragem e dedicação à causa. Com resoluções fáceis demais, mas o que interessava nesse momento era ser um filme de propaganda – a ponto de, nos créditos finais, surgir o aviso de que “a América precisa do seu dinheiro. Compre bônus de guerra neste cinema”.

For Me and My Gal. Estados Unidos, 1942.
Direção: Busby Berkeley. Roteiro: Richard Sherman, Fred F. Finklehoffe e Sid Silvers, de argumento de Howard Emmett Rogers. Elenco: Judy Garland, Gene Kelly, George Murphy, Martha Eggerth, Ben Blue.

LOURA E SEDUTORA
⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 81
Onde ver: não disponível em home video ou streaming no Brasil

Choque de classes

Loura e Sedutora, 90 anos em 2021, é de antes da principal fase da carreira de Frank Capra. O cineasta que depois faria Aconteceu Naquela Noite (1934), A Mulher Faz o Homem (1939) e A Felicidade Não Se Compra (1946) aqui entrega uma comédia básica sobre um jornalista de escândalos cínico que se casa com uma grã-fina.

Aí entram os conflitos vindos dos pontos de vista vinda de classes sociais diferentes. Ele é pressionado a se ajustar, mas é do tipo “eu sou assim e ninguém vai mudar isso”. Observando tudo está a colega de imprensa que gosta dele, mas é vista apenas “como um dos rapazes”.

A loura e sedutora só pode ser Jean Harlow, com carreira em ascensão e a caminho de se tornar um símbolo sexual (que morreria muitíssimo jovem, dali a seis anos, aos 26). Talvez o título tenha mais a ver com a atriz que com a personagem, que é bonita, mas não apela para esse lado, mesmo tendo a Hollywood dos anos 1930 como contexto.

O filme é divertido, mas é aquela coisa: o cinema em geral e Capra em particular fariam bem melhor e não demoraria muito.

Platinum Blonde, 1931
Direção: Frank Capra. Roteiro: Robert Riskin, com adaptação de Jo Swerling, de argumento de Harry Chandlee e Douglas W. Churchill. Elenco: Robert Williams, Jean Harlow, Loretta Young.

5 – OS TRÊS MOSQUETEIROS (The Three Musketeers)
Onde ver: YouTube.

Douglas Fairbanks tinha redefinido sua carreira no ano anterior, com A Marca do Zorro. Aqui, ele deu sequência à sua trajetória como herói de ação, com uma adaptação de Alexandre Dumas que mantém as qualidades de agilidade e bom humor. 
Estados Unidos. Direção: Fred Niblo. Roteiro: Edward Knoblock, Lotta Woods (editora de roteiro) e Douglas Fairbanks (não creditado), baseado em romance de Alexandre Dumas. Elenco: Douglas Fairbanks, León Bary, George Siegmann, Eugene Pallette, Marguerite de la Motte, Nigel de Brulier, Adolphe Menjou.

Crítica de Os Três Mosqueteiros:
Douglas Fairbanks se consloida como astro de ação

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4 – A MORTE CANSADA (Der müde Tod)
Onde ver: DVD (só e na coleção Expressionismo Alemão), Belas Artes a la Carte, Telecine Play, YouTube.

Uma grande fantasia de Fritz Lang, em que uma mulher tenta salvar seu noivo da Morte em pessoa, através de três histórias em cenários exóticos, onde ela precisa salvar pelo menos um homem. Mirabolante e imaginativo. 
Alemanha. Direção: Fritz Lang. Roteiro: Fritz Lang e Thea von Harbou. Elenco: Bernhard Goetzke, Lil Dagover, Walter Janssen.

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3 – THE HIGH SIGN (The High Sign)
Onde ver: DVD (coleção Buster Keaton), YouTube.

“Nosso herói” (é assim que o personagem de Buster Keaton é creditado nesse curta) se emprega num estande de tiro e, quando vê, é envolvido num plano de assassinato por uma gangue, onde ele se torna ao mesmo tempo o guarda-costas e o responsável por dar cabo do alvo. Cheio de gags divertidas, o ponto alto é a caçada alucinada pela casa cheia de portas secretas e alçapões. 
Estados Unidos. Direção e roteiro: Edward F. Cline e Buster Keaton. Elenco: Buster Keaton, Joe Roberts, Bartine Burkett.

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2 – A CARRUAGEM FANTASMA (Körkarlen)
Onde ver: DVD, YouTube.

Um conto sobrenatural e moral, onde o último pecador a morrer na véspera do ano novo se torna o ajudante da morte responsável por guiar a carruagem fantasmas e recolher as almas durante o ano seguinte, Assim, no limiar de sua desgraça, reavalia sua vida de erros. Visualmente impressionante, cheio de belas superposições de imagem. 
Suécia. Direção: Victor Sjöström. Roteiro: Selma Lagerlöf e Victor Sjöström. Elenco: Victor Sjöström, Hilda Borgström, Tore Svennberg, Astrid Holm.

***

1 – O GAROTO (The Kid)
Onde ver: DVD, blu-ray, Telecine Play, Looke, KinoPop, Oi Play, NetMovies, YouTube.

Em seus curtas, Chaplin já vinha fazendo o encontro entre a comédia e o drama. E em seu primeiro longa, foi essa a química na relação de pai e filho entre Carlitos e o bebê abandonado que ele encontra. Unidos na trapaça para poder ganhar uns trocados, e também como transgressores contra uma sociedade que não os entende. Tanto que tão lembrada quanto a sequência em que Jackie Coogan quebra janelas (para que Carlitos, vidraceiro, apareça para consertar) é aquela em que a assistência social leva o garoto e o vabagundo corre desesperado pelos telhados para resgatá-lo. O abraço dos dois é uma das imagens imortais do cinema. 
Estados Unidos. Direção e roteiro: Charles Chaplin. Elenco: Charles Chaplin, Jackie Coogan, Edna Purviance.

Crítica de O Garoto:
100 anos de risos e, talvez, uma lágrima

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OUTRAS LISTAS DE MELHORES:

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NOTA: A percepção sobre os filmes mudam com o tempo. Esta é a minha percepção agora, limitada ao que vi, naturalmente — esta lista pode mudar à medida em que for revisitando alguns filmes ou assistir a outros que ainda não conheço deste ano específico.

PÉRFIDA
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 108

Do jeito que Bette quer

William Wyler e Bette Davis repetem aqui a parceria que funcionou muito bem no ano anterior, em A Carta e três anos antes em Jezebel. Mais uma vez, deu muito certo, com o diretor potencializando a força da atuação de uma das maiores atrizes da história de Hollywood.

A trama (baseada em peça de Lillian Hellman, que também assina o roteiro do filme) se passa numa cidade do sul dos EUA, em que uma família trama para se recuperar financeiramente com a chegada de uma fábrica. Para o acerto final, falta que o marido doente da personagem de Bette também aceite participar o negócio. Ela, interessada diretamente, é encarregada de convencer o marido.

Mas a parceria entre Bette e Wyler foi marcada por uma disputa feroz sobre como devia ser a composição da personagem Regina Giddens. Wyler a queria mais suave e sexy, Bette a queria mais durona e fria. Nessa tensão, chegou a abandonar o filme e voltar.

Em volta dela, Wyler usou e abusou da fotografia de Gregg Toland (que no mesmo ano fez “só” Cidadão Kane), com inspirados ângulos de câmera que exploram o cenário da mansão onde a maior parte da trama se passa. A trama também contrapõe a ganância de Regina à inocência de sua filha adolescente Alexandra (Teresa Wright, 22 anos no lançamento). Mas o protagonismo é do veneno e das puxadas de tapete.

Onde ver: DVD, YouTube.

The Little Foxes, 1941.
Direção: William Wyler. Elenco: Bette Davis, Herbert Marshall, Teresa Wright, Richard Carlson

ADORÁVEL VAGABUNDO
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 68

Capra aborda jornalismo, política e manipulação de maneira romântica

1941 foi grande para Barbara Stanwyck, com dois grandes filmes entre os quatro que estrelou nesse ano. Também foi grande para Gary Cooper, Oscar de melhor ator por Sargento York, também dois grandes filmes no ano. Também foi um ano onde aconteceram vários destaques em filmes que exploraram questões sociais e trabalhistas. Tudo isso se encontrou em Adorável Vagabundo, que completa 80 anos este ano.

Barbara e Cooper só não tiveram um terceiro grande filme em 1941 porque Bola de Fogo, de novo com os dois, só entrou em cartaz nos primeiros dias de 1942. Aqui, a dupla está sob a batuta de Frank Capra, que está em seu elemento: uma comédia-dramática social, onde ele defende a força do povo contra a ganância e pouco interesse público dos poderosos.

O começo do filme é brilhante. Um jornal, o Bulletin, muda de dono e de linha editorial e isso é mostrado com a placa na parede do prédio sendo tirada na base da britadeira (com close nas palavras “imprensa livre”). Sobre os restos, é colocada outra, do New Bulletin, “um jornal simplificado para uma era simplificada”.

Rapidamente estamos dentro do prédio, enquanto um funcionário ainda está pintando os nomes no vidro da sala do novo editor – e não consegue terminar por causa do entra-e-sai. Um rapaz entra em cena com uma prancheta, sob o olhar atento da redação. Ao localizar o “alvo” dá um assobio, apontando com a caneta, e depois o gesto de cabeça cortada e um estalar de língua. A maneira mais desrespeitosa possível de dizer a alguém que será demitido.

Mais dois veteranos são chamados para a degola e também Ann Mitchell. Ela diz que até aceita ganhar menos para continuar sustentando a mãe e as irmãs, mas o editor é implacável: a coluna dela não tem interesse em um cenário de circulação baixa do jornal. A imprensa brasileira tem conhecido bem isso: os famigerados “passaralhos”.

Mas ela ainda tem que escrever uma última coluna, e resolve dar algo de interesse: transcreve a carta de um desempregado que está tão desencantado com os políticos e a sociedade que promete se atirar do terraço da prefeitura na noite de Natal. Assinado: João Ninguém. Nos dias seguintes, a carta gera uma comoção que agita a sala do editor e o gabinete do prefeito.

Ann é chamada para entregar a carta para o jornal poder encontrar o personagem. Mas não há carta nenhuma: ela inventou tudo. Ela propõe então um plano para que o jornal surfe na história: contratar um vagabundo qualquer para “interpretar” o João Ninguém, esticando a história e vendendo mais jornais.

Gary Cooper é “Long John” Willoughby, outrora um promissor jogador de beisebol, agora um sem-teto que entra na fila de outros desvalidos que aparecem no jornal dizendo cada um que é o autor misterioso da carta. Ele não; ele acha que o que está sendo oferecido ali é um emprego. Mas, visto como o João Ninguém perfeito, é convencido a entrar no golpe.

Ele tem um companheiro, o Coronel, baliza moral do filme entre um celeiro de golpistas (mesmo os de bom coração) e gente muito pior. Coronel, um mal humorado antissistema, acha que há mais dignidade em ser um sem-teto do que em participar dessa enganação. Mas é voto vencido.

O papel é defendido por Walter Brennan, um dos melhores coadjuvantes da história do cinema – inesquecível, por exemplo, como o velho manco de Onde Começa o Inferno (1959). Ao lado dele, o elenco todo é um primor. Barbara Stanwyck está irresistível e Gary Cooper é a competência de sempre.

A mensagem de Willoughby, clamando por mais solidariedade entre as pessoas, reverbera a ponto de um movimento começar a se formar pelo país. Não demora, no entanto, para os peões começarem a ser manipulados no tabuleiro pelos poderosos. E os planos são muito grandes.

Como Willoughby falando à população, o filme também trata da política em termos simples e diretos. Mostrar um drama de homens honestos em meio a raposas é tema caro a Capra, um defensor dos “valores americanos” que não confundia isso com o governo. E este foi seu último filme antes dos EUA entrarem na guerra contra o nazismo e ele próprio comandar o projeto de documentários feitos no front. Adorável Vagabundo já estava no clima do conflito, embora não fale disso diretamente.

Mas Capra e o roteirista Robert Riskin tiveram dificuldades em terminar o filme. Quatro finais foram rodados, mas nenhum agradou. A sugestão de uma espectadora em uma das prévias levou ao quinto final, que foi para o filme. Mesmo este parece evitar um final trágico de uma maneira fantasiosa demais (até Capra achou isso).

Ainda assim, até lá, o filme faz o que os melhores filmes de Capra fazem: consegue convencer com seus personagens humanistas tentando não submergir em um mar de desumanidade.

Onde ver: DVD, YouTube (legendado e dublado).

Meet John Doe, 1941.
Direção: Frank Capra. Elenco: Gary Cooper, Barbara Stanwyck, Edward Arnold, Walter Brennan, James Gleason, Spring Byington.

O BARCO DAS ILUSÕES
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 103

Ópera fluvial

Show Boat é um amado e importante espetáculo da Broadway de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, que estreou em 1927, rapidamente adaptando um romance de Edna Ferber lançado no ano anterior. Cobre 40 anos da vida de artistas e pessoal de apoio de um barco-teatro que cruza o Rio Mississipi se apresentando nas cidades que o margeiam, do final do século XIX ao começo do XX. Se destacou por apresentar um tom dramático, quando o padrão dos musicais era a comédia.

A Universal lançou duas versões no cinema (Boêmios, 1929; e Magnólia, 1936). A Metro encenou alguns números na cinebiografia de Kern (Quando as Nuvens Passam, 1946) e fez sua adaptação em 1951, aqui chamada de O Barco das Ilusões.

Kathryn Grayson e Howard Keel fazem o casal romântico do filme. Ela é a filha dos donos do barco, com aspirações a ser uma atriz e cantora. Ele, um apostador que consegue se empregar no show como ator. Eles se apaixonam, se casam e ele a leva para Chicago, para uma vida de luxo que só vai durar enquanto sua sorte de jogador não acabar.

Ele consegue o emprego do barco por causa da demissão do casal que é a estrela da companhia. Julie LaVerne (Ava Gardner) é denunciada por esconder ser mestiça e estar casada com um branco, o que é contra a lei naqueles locais racista. Ela escapa da prisão, mas o capitão Andy (Joe E. Brown) é obrigado a demitir o casal.

A questão do racismo é controversa no filme. Embora o assunto não deixe de ser abordado no filme, outro fato é que os personagens negros têm importância muito reduzida ou desaparecem da trama. A William Warfield basicamente sobrou a interpretação poderosa de “Ol’ man river”.

Lena Horne declarou, no documentário Era uma Vez em Hollywood III (1994) que quis muito fazer o papel de Julie. Ela interpretou a personagem em um número musical de Quando as Nuvens Passam. E contou que esta, como outras participações suas nos musicais da Metro, não eram com um personagem na trama, mas cantando uma ou outra canção isolada, de modo que a cena pudesse ser cortada quando o filme fosse exibido em cidades segregacionistas.

Mas o papel acabou com Ava Gardner, branca (e que foi dublada nas canções por Annette Warren). Foi um whitewashing na personagem ou não, já que ela era uma mestiça que se passa por branca?

O filme também reduz o tempo da trama, que não leva 40 anos até o final, como na peça. Kathryn Grayson e Howard Keel estrelam duetos operísticos, enquanto o casal Marge e Gower Champion (interpretando uma dupla casada também no filme) dão algum refresco com números de dança mais animados.

Joe E. Brown está em dois momentos bonitos do filme: quando seu personagem reencontra a filha no palco e ao dançar com a neta. Rende mais que o xaroposo drama envolvendo os personagens de Keel e Grayson.

Onde ver: DVD.

Show Boat, 1951.
Direção: George Sidney. Elenco: Kathryn Grayson, Howard Keel, Ava Gardner, Joe E. Brown, Marge Champion, Gower Champion, Agnes Moorehead, William Warfield

QUE ESPERE O CÉU
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 63

Gambiarra do além

Fantasia sobre o além, Que Espere o Céu usa esse elemento fantástico para narrar uma comédia sobre identidades trocadas. Completando 80 anos este ano, o filme (baseado numa peça de Harry Segall) ainda tem uma premissa capaz que inspirar refilmagens (há uma com Warren Beatty, de 1978, e a mais recente, com Chris Rock, é de 2001, ambas intituladas aqui como O Céu Pode Esperar).

Na história, um boxeador, Joe Pendleton (Robert Montgomery), sofre um acidente, mas os burocratas do paraíso puxam sua alma equivocadamente. Não era para ele ter morrido. Detectado o engano, surge novo problema: o corpo do boxeador foi cremado e, sendo assim, não há para onde ele voltar. Uma gambiarra é feita: ajeitam para ele voltar no corpo de um milionário prestes a ser assassinado pela esposa e o amante. Depois que o dono original morrer, ele pode ocupar o corpo sem prejuízo.

Ele faz isso, mas, ao mesmo em que não consegue se libertar de sua vida passada (ele morreu justo em seu grande momento, quando ia disputar um título, e ainda quer fazer isso), Joe também se envolve com os problemas de seu antigo corpo, incluindo corrigir a injustiça feita contra o pai de uma jovem por quem ele se encanta.

Montgomery continua interpretando o “novo corpo” porque nós e os burocratas celestes (Claude Rains, como o Mr. Jordan do título original, e Edward Everett Horton, grande coadjuvante cômico daqueles tempos) o enxergamos em sua essência. Mais humor vem de seu treinador (James Gleason), que o reencontra, mas está sempre muito confuso sobre o que está acontecendo. Gleason foi indicado ao Oscar de ator coadjuvante.

Para amarrar as pontas das confusões criadas, o filme toma alguns atalhos e é arbitrário demais em outros momentos, sobretudo no desfecho. Mas ainda desenrola sua premissa absurda com charme, força e humor, o que o mantém relevante e querido até hoje.

Onde ver: DVD.

Here Comes Mr. Jordan, 1941.
Direção: Alexander Hall. Elenco: Robert Montgomery, Claude Rains, Evelyn Keyes, Edward Everett Horton.

SARGENTO YORK
⭐⭐⭐½
Diário de Filmes 2021: 62

Herói relutante

Do ponto de vista de 2021, é natural fazer uma associação entre Sargento York, que completa 80 anos este ano, e Até o Último Homem, que Mel Gibson dirigiu e que foi lançado em 2016. São dois filmes que contam histórias reais sobre pacifistas religiosos que na hora H se convertem, cada um à sua maneira, em heróis de guerra.

Uma diferença é que o filme de Howard Hawks se passa na I Guerra, e o de Gibson na II. Outra é que Alvin C. York salva sua tropa usando suas habilidades de exímio atirador, enquanto Desmond Doss não chega a disparar um tiro: vira herói resgatando vários colegas de pelotão feridos numa batalha. E, finalmente, Sargento York é um bom filme, enquanto Até o Último Homem é um trabalho constrangedor.

Howard Hawks dirige com solenidade meio incômoda, reverência demais ao personagem que era vivo na época das filmagens e convenceu pessoalmente Gary Cooper a interpretá-lo, embora o ator tivesse consciência de que era velho para o papel (ganhou o Oscar, mesmo assim).

É um tom diferente daquele que se tornou marca do diretor, que gostava de contar histórias de heróis profissionais, que levam sua missão em frente custe o que custar. York é um herói relutante, que precisa ponderar muito até se convencer de que algumas lutas têm que ser travadas pela paz, justiça e segurança dos seus.

Até chegar aí, o filme conta a vida do personagem, de jovem beberrão caipira, muito pobre, que luta para fazer vingar um pedaço de terra, e tem uma iluminação divina na forma de um raio que poderia tê-lo matado. Convertido, o exército vai colocá-lo em dúvida a respeito de suas convicções.

Está certo que parece que o verdadeiro York era daquele jeito mesmo (dizem que ele foi às filmagens, um membro da equipe perguntou quantos inimigos ele matou na guerra e York começou a chorar ao lembrar). Mas o filme não precisava ser assim.

Felizmente, Hawks é tão bom diretor que mantém o filme interessante, Gary Cooper é aquela competência sóbria de sempre e Margaret Wycherly tem grande desempenho como a mãe sempre dedicada do herói.

Onde ver: DVD.

Sergeant York, 1941.
Direção: Howard Hawks. Elenco: Gary Cooper, Walter Brennan, Joan Leslie, Margaret Wycherly, Ward Bond

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