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CIDADÃO KANE
Diário de filmes 2023: 48
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: HBO Max, Belas Artes a la Carte, Oldflix. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon, Microsoft Store.
As revoluções narrativas que Cidadão Kane compilou dentro de si já foram absorvidas, reprocessadas, diluídas e subvertidas ao longo do tempo. Para um espectador de hoje, que não se esforçar em buscar o olhar do tempo em que o filme foi feito, pode ser desafiador encontrar esses elementos inovadores. Fora isso, o que sobra então? Revendo o filme de Orson Welles, é um grande prazer reencontrar uma extrema habilidade narrativa. essas “revoluções” nada mais eram do que uma busca incansável por narrar cada cena de uma maneira criativa, inteligente e surpreendente. E esse modo vigoroso de contar a história sobrevive através desses oito décadas, não só numa revisita cinéfila a Kane, mas também em alguns dos melhores cineastas da atualidade.
Crítica de Cidadão Kane:
Uma narrativa para além das revoluções
Citizen Kane. Estados Unidos, 1941. Direção: Orson Welles. Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Everett Sloane.
VOCÊ JÁ FOI À BAHIA?
Diário de filmes 2023: 47
Mídia física: DVD. Streaming: Disney Plus.
Projeto da Disney para dar aquela força nos planos do governo americano de estreitar laços com a América Latina durante a II Guerra, este filme em segmentos e com um estilo mais simples de animação que os outros longas do estúdio até então dedica sua maior parte à Bahia (o Rio já havia aparecido no anterior Alô, Amigos, de 1942) e, sobretudo, ao México. Zé Carioca volta para representar o Brasil e Panchito entra em cena para apresentar um pouco das músicas e danças mexicanas, formando um trio com o americano Donald. O destaque vai para os vários momentos de interação entre desenhos e atores reais, como a cena com Aurora Miranda, irmã de Carmen, cantando “Os quindins de Iaiá”.
The Three Caballeros. Estados Unidos, 1945. Direção: Norman Ferguson, Clyde Geronimi, Jack Kinney, Bill Roberts, Harold Young. Elenco: Clarence Nash (voz), José Oliveira (voz), Joaquin Garay (voz), Aurora Miranda, Carmen Molina, Dora Luz, Almirante.
A LOJA DA ESQUINA
Diário de filmes 2023: 26
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil.
“Mensagem para Você”, de Nora Ephron, atualizou este filme para a era dos e-mails (também já superada). Aqui, em 1940, ainda são cartas as trocadas pelos dois empregados de uma mesma loja de variedades em Budapeste. Eles se detestam, mas cada um possui um correspondente secreto e amoroso – que não sabem, mas é justamente o colega desafeto. A trama é uma delícia romântica, dirigida por um Ernst Lubitsch mais leve e menos atrevido que o habitual, e estrelada pelos ótimos Margaret Sullavan e James Stewart. A dinâmica Meg Ryan-Tom Hanks de seu tempo funciona plenamente.
The Shop around the Corner. Estados Unidos, 1940. Direção: Ernst Lubitsch. Elenco: Margaret Sullavan, James Stewart, Frank Morgan, Joseph Schildkraut, Felix Bressart.
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA
Diário de filmes 2023: 25
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Belas Artes a la Carte, Looke, Globoplay/ Telecine, NetMovies, Oldflix. Aluguel ou compra online: Claro Vídeo, Google Play/ YouTube Filmes.
Frank Capra voltou da II Guerra e rodou uma obra-prima sobre sua visão dos Estados Unidos e do ser humano. Contando a história de um homem que abre mão dos seus sonhos de viagens e aventuras pelos outros, sem nunca conseguir sair de sua cidadezinha, o diretor fala de solidariedade, amizade e da força do povo, sem deixar de apontar o dedo para a ganância dos grandes capitalistas. Se consagrou como o grande filme de Natal de todos os tempos, ao mostrar como uma pessoa toca de maneira decisiva em tantas vidas. Com James Stewart mais James Stewart que nunca, secundado por um ótimo elenco, o filme alterna entre a comédia mais rasgada ao drama mais sombrio, é influente até hoje e possui uma das mais memoráveis sequências finais já vistas em qualquer forma de arte.
It’s a Wonderful Life. Estados Unidos, 1946. Direção: Frank Capra. Elenco: James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers, Beulah Bondi, Frank Faylen, Ward Bond, Gloria Grahame.
CANTANDO NA CHUVA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2022: 84
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: HBO Max, Oldflix.
Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Amazon, Apple TV/ iTunes, Microsoft Store.
Antídoto contra o baixo astral
“‘Cantando na Chuva’ (‘Singin’ in the Rain’, EUA, 1952) é o filme que costuma negar todas as crenças que são repetidas quando se fala do grande cinema. Figurando sempre em qualquer lista de melhores filmes do mundo, ele já é um contraponto direto à ideia de que o filme, para ser bom mesmo, tem que ter um ‘autor’. Isso já começa na direção: são dois os diretores, e não se trata de uma parceria perene. Trata-se de uma produção de estúdio, super ‘da indústria’, e, ainda por cima, é um projeto de encomenda. E, com tudo isso, tem um status alto entre os críticos mais severos e cai nas graças até de quem nem gosta de musicais.
Dizer que o filme – que celebra 70 anos este ano – é uma perfeita combinação de comédia da melhor qualidade com números musicais incríveis, executados por ases do gênero parece pouco. Outros musicais do mesmo período são ótimos no humor e contavam com um elenco tão bom quanto e uma trilha de canções até melhor, assim como diretores tão capazes e talentosos quanto Gene Kelly e Stanley Donen. Em ‘Cantando na Chuva’, a química desses componentes foi, de alguma forma, dosada na medida exata. Médicos deviam receitá-lo contra o baixo astral.”
Leia o meu texto completo no CinemaEscrito.
Singin’ in the Rain. Estados Unidos, 1952.
Direção: Gene Kelly e Stanley Donen. Roteiro: Adolph Green e Betty Comden. Elenco: Gene Kelly, Donald O’Connor, Debbie Reynolds, Jean Hagen, Millard Mitchell, Cyd Charisse, Douglas Fowley, Rita Moreno.
ALMAS DESESPERADAS
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2022: 80
Mídia física: DVD. Streaming: não disponível no Brasil.
Marilyn é um perigo
Pode-se dizer que Marilyn Monroe virou uma grande estrela em 1953, quando ela protagonizou três filmes: Torrente de Paixões, Os Homens Preferem as Louras e Como Agarrar um Milionário. Mas seu nome já vinha antes do título em Almas Desesperadas, mistura de drama e suspense lançado um ano antes e que completa 70 anos em 2022.
A estrela então em ascensão surge como Nell, uma babá, uma jovem introspectiva chamada para tomar conta de uma garotinha num quarto de hotel enquanto os pais participam de um evento. Paralelamente, Jed (Richard Widmark) está no saguão, levando um fora da namorada cantora Lyn (Anne Bancroft) porque ele “não tem um coração compreensivo”.
Os dois personagens vão se encontrar quando Jed, de volta a seu quarto, vê o quarto onde está Nell, dá em cima dela, e ela aceita que ele vá lá. A moça, no entanto, não superou a morte de um namorado na guerra, o que rendeu a ela sérios distúrbios psicológicos. Aos poucos, Jed começa a perceber que Nell pode ser perigosa.
Hoje em dia, é um plot comum o da babá mentalmente perturbada, visto principalmente em A Mão que Balança o Berço (1992). Almas Desesperadas dá os primeiros passos nesse sentido e a periculosidade subiria muito nos anos seguintes. O filme também mostra muita compaixão pela personagem, dando mais atenção ao drama que ao suspense, na verdade.
Situado quase totalmente no quarto de hotel e no saguão, há um quê teatral aí (embora o filme seja baseado em um romance de Charlotte Armstrong). O que ficou através dos tempos, mesmo, é a presença de Marilyn, num papel pouco usual na trajetória que viria a seguir.
Mas é, também, a estreia de Anne Bancroft. Ela foi dublada nas canções por Eve Marley, mas foi o começo já com destaque da belíssima carreira de uma grande atriz.
Don’t Bother to Knock. Estados Unidos, 1952.
Direção: Roy Ward Baker. Roteiro: Daniel Taradash, baseado em romance de Charlotte Armstrong. Elenco: Richard Widmark, Marilyn Monroe, Anne Bancroft, Donna Corcoran, Elisha Cook Jr., Verna Felton.
IDÍLIO EM DÓ-RÉ-MI
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2022: 62
Onde ver: DVD
No palco da guerra
Em 1942, os Estados Unidos já haviam ingressado na II Guerra Mundial e uma enxurrada de filmes sobre o assunto desaguaram sobre os cinemas, em todos os gêneros. De dramas aos desenhos animados. E os musicais não ficaram de fora. Os filmes não precisavam falar da II Guerra especificamente, podiam tratar de outro conflito para falar, no fundo, do que estava em curso. É o caso de Idílio em Dó-Ré-Mi, que completa 80 anos este ano, se passava na I Guerra e não apenas foi o primeiro filme de Gene Kelly, como foi a estreia de Judy Garland como atriz adulta.
Dirigido por Busby Berekeley, que já havia comandado Judy nos musicais adolecentes que ela estrelou ao lado de Mickey Rooney, o filme começa com um texto falando do vaudeville. Diz como esse estilo de entretenimento teatral de variedades era pouco documentado e que a produção procurava manter essa memória viva.
Então, o começo foca em uma companhia teatral de viaja pelos Estados Unidos apresentando várias esquetes musicais e de comédia. A eles se junta Harry Palmer (Kelly), um comediante-dançarino talentoso, mas bastante arrogante. Ele nota o talento de Jo Hayden (Judy), uma das acompanhantes de outro número e, embora ela não dê bola a princípio, acaba a convencendo a juntar-se a ele numa dupla.
Eles, claro, se apaixonam, mas são testados de várias formas – a mais dramática delas, pela eclosão da I Guerra. A busca pelo sucesso entra em conflito com o patriotismo.
Como celebração do palco, Idílio em Dó-Ré-Mi é fiel a isso. Todos os números musicais se passam diante de uma plateia, e apenas um, “For me and my gal”, mistura um pouco o número com a narrativa. É justamente a canção-título, mas, ainda assim, os personagens de Judy Garland e Gene Kelly a cantam num café, aprendendo a letra, o que acaba evoluindo para a dança.
É apenas um dos momentos que mostra o acerto desse encontro na tela. Kelly estava pronto para o cinema, com seu estilo confiante. E Judy, que já era uma estrela, mostra que era capaz de segurar um filme como atriz adulta. “When you wore a tulip and I wore a big red rose” e “Ballin’ the Jack” são os outros destaques dos dois juntos.
Berkeley, no entanto, estava longe de seus dias mais criativos nos musicais da Warner, nos anos 1930, quando compôs seus caleidoscópios humanos. Aqui, ele entrega uma direção sem grandes audácias, quase protocolar. Talvez para não concorrer pela atenção com seus dois grandes talentos?
A parte final é dedicada à guerra, com a importância dos artistas que animavam as tropas e Palmer precisando provar sua coragem e dedicação à causa. Com resoluções fáceis demais, mas o que interessava nesse momento era ser um filme de propaganda – a ponto de, nos créditos finais, surgir o aviso de que “a América precisa do seu dinheiro. Compre bônus de guerra neste cinema”.
For Me and My Gal. Estados Unidos, 1942.
Direção: Busby Berkeley. Roteiro: Richard Sherman, Fred F. Finklehoffe e Sid Silvers, de argumento de Howard Emmett Rogers. Elenco: Judy Garland, Gene Kelly, George Murphy, Martha Eggerth, Ben Blue.
LOURA E SEDUTORA
Diário de Filmes 2021: 81
Onde ver: não disponível em home video ou streaming no Brasil
Choque de classes
Loura e Sedutora, 90 anos em 2021, é de antes da principal fase da carreira de Frank Capra. O cineasta que depois faria Aconteceu Naquela Noite (1934), A Mulher Faz o Homem (1939) e A Felicidade Não Se Compra (1946) aqui entrega uma comédia básica sobre um jornalista de escândalos cínico que se casa com uma grã-fina.
Aí entram os conflitos vindos dos pontos de vista vinda de classes sociais diferentes. Ele é pressionado a se ajustar, mas é do tipo “eu sou assim e ninguém vai mudar isso”. Observando tudo está a colega de imprensa que gosta dele, mas é vista apenas “como um dos rapazes”.
A loura e sedutora só pode ser Jean Harlow, com carreira em ascensão e a caminho de se tornar um símbolo sexual (que morreria muitíssimo jovem, dali a seis anos, aos 26). Talvez o título tenha mais a ver com a atriz que com a personagem, que é bonita, mas não apela para esse lado, mesmo tendo a Hollywood dos anos 1930 como contexto.
O filme é divertido, mas é aquela coisa: o cinema em geral e Capra em particular fariam bem melhor e não demoraria muito.
Platinum Blonde, 1931
Direção: Frank Capra. Roteiro: Robert Riskin, com adaptação de Jo Swerling, de argumento de Harry Chandlee e Douglas W. Churchill. Elenco: Robert Williams, Jean Harlow, Loretta Young.
PÉRFIDA
Diário de Filmes 2021: 108
Do jeito que Bette quer
William Wyler e Bette Davis repetem aqui a parceria que funcionou muito bem no ano anterior, em A Carta e três anos antes em Jezebel. Mais uma vez, deu muito certo, com o diretor potencializando a força da atuação de uma das maiores atrizes da história de Hollywood.
A trama (baseada em peça de Lillian Hellman, que também assina o roteiro do filme) se passa numa cidade do sul dos EUA, em que uma família trama para se recuperar financeiramente com a chegada de uma fábrica. Para o acerto final, falta que o marido doente da personagem de Bette também aceite participar o negócio. Ela, interessada diretamente, é encarregada de convencer o marido.
Mas a parceria entre Bette e Wyler foi marcada por uma disputa feroz sobre como devia ser a composição da personagem Regina Giddens. Wyler a queria mais suave e sexy, Bette a queria mais durona e fria. Nessa tensão, chegou a abandonar o filme e voltar.
Em volta dela, Wyler usou e abusou da fotografia de Gregg Toland (que no mesmo ano fez “só” Cidadão Kane), com inspirados ângulos de câmera que exploram o cenário da mansão onde a maior parte da trama se passa. A trama também contrapõe a ganância de Regina à inocência de sua filha adolescente Alexandra (Teresa Wright, 22 anos no lançamento). Mas o protagonismo é do veneno e das puxadas de tapete.
Onde ver: DVD, YouTube.
The Little Foxes, 1941.
Direção: William Wyler. Elenco: Bette Davis, Herbert Marshall, Teresa Wright, Richard Carlson
O BARCO DAS ILUSÕES
½
Diário de Filmes 2021: 103
Ópera fluvial
Show Boat é um amado e importante espetáculo da Broadway de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, que estreou em 1927, rapidamente adaptando um romance de Edna Ferber lançado no ano anterior. Cobre 40 anos da vida de artistas e pessoal de apoio de um barco-teatro que cruza o Rio Mississipi se apresentando nas cidades que o margeiam, do final do século XIX ao começo do XX. Se destacou por apresentar um tom dramático, quando o padrão dos musicais era a comédia.
A Universal lançou duas versões no cinema (Boêmios, 1929; e Magnólia, 1936). A Metro encenou alguns números na cinebiografia de Kern (Quando as Nuvens Passam, 1946) e fez sua adaptação em 1951, aqui chamada de O Barco das Ilusões.
Kathryn Grayson e Howard Keel fazem o casal romântico do filme. Ela é a filha dos donos do barco, com aspirações a ser uma atriz e cantora. Ele, um apostador que consegue se empregar no show como ator. Eles se apaixonam, se casam e ele a leva para Chicago, para uma vida de luxo que só vai durar enquanto sua sorte de jogador não acabar.
Ele consegue o emprego do barco por causa da demissão do casal que é a estrela da companhia. Julie LaVerne (Ava Gardner) é denunciada por esconder ser mestiça e estar casada com um branco, o que é contra a lei naqueles locais racista. Ela escapa da prisão, mas o capitão Andy (Joe E. Brown) é obrigado a demitir o casal.
A questão do racismo é controversa no filme. Embora o assunto não deixe de ser abordado no filme, outro fato é que os personagens negros têm importância muito reduzida ou desaparecem da trama. A William Warfield basicamente sobrou a interpretação poderosa de “Ol’ man river”.
Lena Horne declarou, no documentário Era uma Vez em Hollywood III (1994) que quis muito fazer o papel de Julie. Ela interpretou a personagem em um número musical de Quando as Nuvens Passam. E contou que esta, como outras participações suas nos musicais da Metro, não eram com um personagem na trama, mas cantando uma ou outra canção isolada, de modo que a cena pudesse ser cortada quando o filme fosse exibido em cidades segregacionistas.
Mas o papel acabou com Ava Gardner, branca (e que foi dublada nas canções por Annette Warren). Foi um whitewashing na personagem ou não, já que ela era uma mestiça que se passa por branca?
O filme também reduz o tempo da trama, que não leva 40 anos até o final, como na peça. Kathryn Grayson e Howard Keel estrelam duetos operísticos, enquanto o casal Marge e Gower Champion (interpretando uma dupla casada também no filme) dão algum refresco com números de dança mais animados.
Joe E. Brown está em dois momentos bonitos do filme: quando seu personagem reencontra a filha no palco e ao dançar com a neta. Rende mais que o xaroposo drama envolvendo os personagens de Keel e Grayson.
Onde ver: DVD.
Show Boat, 1951.
Direção: George Sidney. Elenco: Kathryn Grayson, Howard Keel, Ava Gardner, Joe E. Brown, Marge Champion, Gower Champion, Agnes Moorehead, William Warfield
QUE ESPERE O CÉU
½
Diário de Filmes 2021: 63
Gambiarra do além
Fantasia sobre o além, Que Espere o Céu usa esse elemento fantástico para narrar uma comédia sobre identidades trocadas. Completando 80 anos este ano, o filme (baseado numa peça de Harry Segall) ainda tem uma premissa capaz que inspirar refilmagens (há uma com Warren Beatty, de 1978, e a mais recente, com Chris Rock, é de 2001, ambas intituladas aqui como O Céu Pode Esperar).
Na história, um boxeador, Joe Pendleton (Robert Montgomery), sofre um acidente, mas os burocratas do paraíso puxam sua alma equivocadamente. Não era para ele ter morrido. Detectado o engano, surge novo problema: o corpo do boxeador foi cremado e, sendo assim, não há para onde ele voltar. Uma gambiarra é feita: ajeitam para ele voltar no corpo de um milionário prestes a ser assassinado pela esposa e o amante. Depois que o dono original morrer, ele pode ocupar o corpo sem prejuízo.
Ele faz isso, mas, ao mesmo em que não consegue se libertar de sua vida passada (ele morreu justo em seu grande momento, quando ia disputar um título, e ainda quer fazer isso), Joe também se envolve com os problemas de seu antigo corpo, incluindo corrigir a injustiça feita contra o pai de uma jovem por quem ele se encanta.
Montgomery continua interpretando o “novo corpo” porque nós e os burocratas celestes (Claude Rains, como o Mr. Jordan do título original, e Edward Everett Horton, grande coadjuvante cômico daqueles tempos) o enxergamos em sua essência. Mais humor vem de seu treinador (James Gleason), que o reencontra, mas está sempre muito confuso sobre o que está acontecendo. Gleason foi indicado ao Oscar de ator coadjuvante.
Para amarrar as pontas das confusões criadas, o filme toma alguns atalhos e é arbitrário demais em outros momentos, sobretudo no desfecho. Mas ainda desenrola sua premissa absurda com charme, força e humor, o que o mantém relevante e querido até hoje.
Onde ver: DVD.
Here Comes Mr. Jordan, 1941.
Direção: Alexander Hall. Elenco: Robert Montgomery, Claude Rains, Evelyn Keyes, Edward Everett Horton.
SARGENTO YORK
½
Diário de Filmes 2021: 62
Herói relutante
Do ponto de vista de 2021, é natural fazer uma associação entre Sargento York, que completa 80 anos este ano, e Até o Último Homem, que Mel Gibson dirigiu e que foi lançado em 2016. São dois filmes que contam histórias reais sobre pacifistas religiosos que na hora H se convertem, cada um à sua maneira, em heróis de guerra.
Uma diferença é que o filme de Howard Hawks se passa na I Guerra, e o de Gibson na II. Outra é que Alvin C. York salva sua tropa usando suas habilidades de exímio atirador, enquanto Desmond Doss não chega a disparar um tiro: vira herói resgatando vários colegas de pelotão feridos numa batalha. E, finalmente, Sargento York é um bom filme, enquanto Até o Último Homem é um trabalho constrangedor.
Howard Hawks dirige com solenidade meio incômoda, reverência demais ao personagem que era vivo na época das filmagens e convenceu pessoalmente Gary Cooper a interpretá-lo, embora o ator tivesse consciência de que era velho para o papel (ganhou o Oscar, mesmo assim).
É um tom diferente daquele que se tornou marca do diretor, que gostava de contar histórias de heróis profissionais, que levam sua missão em frente custe o que custar. York é um herói relutante, que precisa ponderar muito até se convencer de que algumas lutas têm que ser travadas pela paz, justiça e segurança dos seus.
Até chegar aí, o filme conta a vida do personagem, de jovem beberrão caipira, muito pobre, que luta para fazer vingar um pedaço de terra, e tem uma iluminação divina na forma de um raio que poderia tê-lo matado. Convertido, o exército vai colocá-lo em dúvida a respeito de suas convicções.
Está certo que parece que o verdadeiro York era daquele jeito mesmo (dizem que ele foi às filmagens, um membro da equipe perguntou quantos inimigos ele matou na guerra e York começou a chorar ao lembrar). Mas o filme não precisava ser assim.
Felizmente, Hawks é tão bom diretor que mantém o filme interessante, Gary Cooper é aquela competência sóbria de sempre e Margaret Wycherly tem grande desempenho como a mãe sempre dedicada do herói.
Onde ver: DVD.
Sergeant York, 1941.
Direção: Howard Hawks. Elenco: Gary Cooper, Walter Brennan, Joan Leslie, Margaret Wycherly, Ward Bond