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Glow - 2017 - 01

Lindas garotas da luta livre: “Glow”

Coluna Cinemascope (#41). Correio da Paraíba, 5/7/2017 

Mulheres, ringue, anos 1980

por Renato Félix

Antes dessa moda dos vale-tudos e UFC, houve a luta livre, o telecatch. Não cheguei a ver os áureos tempos de Ted Boy Marino e companhia, mas era espectador de um programa americano do gênero, que o SBT exibia lá nos anos 1980. Esses programas combinavam lutas e encenações, os lutadores encarnavam personagens e havia muito mais fantasia que escoriações e sangue.

Lembro até hoje de personagens desse programa. O Sr. Maravilha, a dupla Abelhas Assassinas e, claro, Hulk Hogan, que já era o maioral absoluto ali.

Por isso, parece algo absolutamente natural que os anos 1980 sejam a ambientação da ótima série Glow, que estreou há poucos dias  na Netflix. Mas, mais do que isso, é uma ambientação verdadeira, porque existiu mesmo uma série chamada Glow – Gorgeous Ladies of Wrestling (“Garotas bonitas da luta livre”), que colocava mulheres no ringue, entre 1986 e 1989.

As lutadoras/ atrizes interpretavam personagens como Liberty, Colonel Ninotchka, Zelda the Brain e por aí vai. A série da Netflix meio que reconta como surgiu o show original, com personagens mais ou menos baseados nos verdadeiros nomes. Agora temos Liberty Bell, Zoya the Destroya, Britannica, Beirut the Mad Bomber…

A série consegue reproduzir bastante do aspecto de diversão do período e transita pelo terreno espinhoso do comentário sobre o papel reservado às mulheres no meio artístico naquela época. Alison Brie, ótima atriz da série Mad Men, abre Glow lendo falas fortes para um teste, mas é advertida: “Você está lendo a fala do homem”. A da mulher é tipo “A sua esposa está na linha 2”.

A luta livre, por mais aproveitadora que pareça ser da figura feminina, é, para aquelas personagens, naquele contexto, a oportunidade de desenvolver um trabalho artístico e de ter um reconhecimento. Glow é bem carinhosa com suas personagens, apesar dos golpes da vida.

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O coronel Frank Capra, em 1944, mostrando serviço

Coluna Cinemascope (#26). Correio da Paraíba, 15/3/2017

Filmando e fazendo história

por Renato Félix

Mark Harris é um jornalista a mericano que foi editor executivo da Entertainment Weekly e escreveu em 2008 o livro Cenas de uma Revolução – O Nascimento da Nova Hollywood (L&PM), sobre esse período brilhante do cinema americano a partir dos cinco indicados a melhor filme no Oscar de 1967.

Em 2014, veio Cinco Voltaram (Objetiva), com foco em cinco super diretores de Hollywood e seu trabalho com documentários no front da II Guerra Mundial. São eles Frank Capra, John Ford, John Huston, George Stevens e William Wyler.

É uma história conhecida, mas pouco vista. Quem assistiu a esses documentários nas últimas décadas? Mas o livro gerou uma série documental que o Netflix estreia no final deste mês, no dia 31: Five Came Back  vai contar em três partes essa história e ressucitar essas imagens.

Escrita por Harris, a série terá também o olhar de cinco diretores modernos – Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Lawrence Kasdan e Paul Greengrass – e narração de Meryl Streep. Além das imagens da guerra, a série promete se debruçar sobre como a experiência mexeu com os próprios diretores.

Todos os cinco partiram para grandes fases em suas carreiras quando voltaram da Europa. Capra entregou logo A Felicidade Não Se Compra (1946) e Wyler, Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946). Huston fez pouco depois O Tesouro de Sierra Madre (1948). Stevens dirigiu sua trilogia da formação da América (Um Lugar ao Sol, 1951; Os Brutos Também Amam, 1953; Assim Caminha a Humanidade, 1956). E Ford logo faria nada menos que Rastros de Ódio (1956).

Viram, filmaram e fizeram história.

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Moonlight - 02

Coluna Cinemascope (#25). Correio da Paraíba, 8/3/2017

Por que Moonlight venceu

por Renato Félix

Encerrando o Oscar por este ano, acho que vale refletir sobre tendências claras que o prêmio vem mostrando. Por que, quando todos esperavam a vitória de La La Land e o filme tendo ganhado tudo antes e faturando o maior número de prêmios da noite, justo o Oscar de melhor filme foi para Moonlight?

Não tenho os dados da votação, mas é possível traçar algumas hipóteses que vão além da preferência simples por este ou aquele filme (o prêmio estaria bem com qualquer um dos dois). Nos últimos cinco anos, em quatro aconteceu um fenômeno até então meio raro: os prêmios de melhor filme e melhor diretor indo para filmes diferentes.

Não apenas isso, mas o melhor filme sempre terminando com poucos prêmios no total (2 ou 3) e o filme que ficou com melhor diretor levando mais (de 4 a 7). E visivelmente o principal vencedor da noite com um tema socialmente importante (Argo em 2013, 12 Anos de Escravidão em 2014, Spotlight em 2016 e Moonlight) e o melhor diretor foi para um espetáculo visual mais elaborado (As Aventuras de Pi em 2013, Gravidade em 2014, O Regresso em 2016 e La La Land).

Um adicional é a fórmula como é calculado o vencedor. Desde 2009, o eleito para melhor filme não é escolhido da mesma forma das outras categorias (em que se vota em um indicado e quem tem mais votos ganha). Para melhor filme, os acadêmicos elaboram uma lista de preferência, do primeiro a último dos (este ano) nove indicados. Um filme tem que chegar a mais de 50% de primeiros lugares.

Se nenhum consegue, retira-se o filme com menos primeiros lugares e, nessas listas, o segundo vira primeiro. Assim, um filme pode ter mais primeiros lugares no começo e perder, se muitos o colocarem em, digamos, quinto ou sexto lugar. O filme de consenso é privilegiado. E pode ter sido este o cenário em que Moonlight saiu vencedor.

FOTO: Barry Jenkins, diretor de Moonlight – Sob a Luz do Luar, recebe o Oscar de melhor filme

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Moonlight

Jordan Horowitz, produtor de “La La Land”, mostra o cartão que anuncia a vitória de “Moonlight” no Oscar 2017

Coluna Cinemascope (#24). Correio da Paraíba, 1/3/2017

Gafes e suas culpas 

por Renato Félix

Em 1952, Shelley Winters estava tão certa que iria vencer o Oscar de melhor atriz por Um Lugar ao Sol que, quando a vencedora foi anunciada, levantou-se naturalmente e encaminhou-se para o palco. Só quando caiu no corredor depois de agarrada pelo marido Vittoria Gassman é que ouviu dele: “Shelley, é Vivien Leigh”. E, assim, enquanto a atriz britânica recebia seu Oscar por Uma Rua Chamada Pecado, Shelley e Gassman voltavam engatinhando para seus lugares. Culpa de Shelley.

Em 1934, o apresentador Will Rogers abriu o envelope para anunciar o prêmio de melhor direção. “Ora, ora, ora. O que vocês acham? Eu acompanho este rapaz há muito tempo. Eu o vi vir lá de baixo, e quero dizer de baixo. Isso não poderia acontecer a um cara melhor. Suba aqui e pegue-o, Frank!”.

Frank Capra, indicado por Dama por um Dia, levantou-se e começou a andar para o palco. E viu que os holofotes foram para… Frank Lloyd, o outro Frank indicado na categoria, por Cavalgada. “Foi a mais longa, mais triste, mais arrasadora caminhada da minha vida. Todos os meus amigos na mesa estavam chorando”, disse Capra. Culpa de quem? Não de Capra, claro. Culpa de Will Rogers.

No domingo passado, certamente a culpa não foi de Warren Beatty e Faye Dunaway, que apenas leram o que lhes foi dado para ser lido. Ainda assim, Warren sentiu que havia algo errado, mas não conseguiu evitar o constrangimento antes que a colega lesse a informação errada. Eu gostaria de saber quem colocou aquele envelope nas mãos dele. E onde estava o envelope correto naquele momento?

Está aí uma história do Oscar que espero ver contada nos próximos dias.

FOTO: Jordan Horowitz, produtor de La La Land, mostra o cartão que anuncia a vitória de Moonlight no Oscar 2017

ADENDO: Da publicação original desse texto para cá, sabemos bem o que aconteceu, claro.

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Coluna Cinemascope (#23). Correio da Paraíba, 22/2/2017

Brutos Tambem Amam - 09

“Os Brutos Também Amam” (1953)

Os defeitos dos perfeitos

por Renato Félix

O fotógrafo de cinema João Carlos Beltrão me contou certa vez que o montador João Ramiro Mello dava aulas na UFPB e, mostrando à classe o faroeste clássico Os Brutos Também Amam (1953), desafiou os alunos: “Ache um defeito nesse filme!”.

Haverá um filme sem defeitos? Creio que a apreciação de um filme parte de qualidades que compensem problemas, sendo que o grande filme não é necessariamente aquele sem defeitos, mas, mais importante, é aquele cujas qualidades são tão grandes que eclipsam os eventuais defeitos.

Por exemplo, quem liga para o evidente erro de montagem em O Encouraçado Potemkin (1925)? Mas logo de montagem, sendo o cinema soviético referência nesse quesito? Pois é. O fato é que, na sequência da escadaria de Odessa (mas logo nessa, uma das fundamentais da história? Sim, logo nessa), a mãe cujo filhinho escapa de suas mãos enquanto descem os degraus, fugindo dos atiradores, assiste horrorizada o filho ser pisoteado mais acima. Porém, quando se aproxima dele, é de cima para baixo.

Pior acontece em Cantando na Chuva (1952), o maravilhoso musical da Metro, outra figurinha fácil no álbum dos melhores filmes do mundo. Em duas cenas o montador só podia estar cochilando. Na primeira, quando o professor de dicção está dizendo trava-línguas para Don (Gene Kelly) e Cosmo (Donald O’Connor) está ao seu lado fazendo caretas, o momento em que o professor o flagra e se assusta repete-se.

Na segunda, um corte brusco no movimento quando Gene Kelly e Cyd Charisse estão na dança sensual do “Broadway Melody Ballet”, como se uma parte dos fotogramas tivessem sido cortados.

Mas quem liga? Isso é o que faz um grande filme.

FOTO: Os Brutos Também Amam (1953)

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Coluna Cinemascope (#22). Correio da Paraíba, 15/2/2017

SEVEN BRIDES FOR SEVEN BROTHERS

O discurso do personagem, o discurso do filme

por Renato Félix

A jornalista Tatiana Learth, uma amiga querida, confessou dia desses que assiste a um filme mais pela mensagem que “de um modo cinéfilo”. Então, os temas e como ele são tratados pelo filme são os pontos de interesse dela. Por outro lado, já ouvi pessoas reclamando da ética de alguns filmes por causa do discurso de um personagem (de machismo, racismo ou o que for).

Aí, é preciso refletir e um pouco “de maneira cinéfila”: o discurso do personagem é o discurso do filme? Porque não necessariamente se trata da mesma coisa.

Por exemplo, meu colega Clóvis Roberto e eu há pouco conversávamos sobre Sete Noivas para Sete Irmãos (1954). Ora, os sete irmãos do filme são nitidamente machistas: são homens selvagens, criados sozinhos quase isolados da civilização. Esta civilização está representada na mulher, na primeira das sete noivas, Millie (Jane Powell). É ela que dá a eles um banho literal e outro de educação.

Mesmo assim, instigados pelo mais velho dos irmãos, que ouviu de Millie e reconta a seu modo a história do rapto das sabinas na Roma Antiga, eles sequestram as seis outras moças confiantes de que, com o tempo, como estão apaixonadas, acabarão aceitando e sendo felizes.

Quando chegam de volta, é Millie que os faz ver o quão errados estavam, expulsando-os de casa e refugiando-se lá dentro com as moças. Então, embora o discurso do protagonista Adam (Howard Keel) dizia que o sequestro e a conquista à força era a solução, ele não é endossado pelo filme.

Acontece o mesmo em diversos outros filmes. Por mais incômodo que uma fala assim seja, é preciso refletir se o filme está expondo para criticar esse discurso ou se está a favor.

FOTO: Sete Noivas para Sete Irmãos (1954)

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Coluna Cinemascope (#21). Correio da Paraíba, 8/2/2017.

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Técnico e comunicador

por Renato Félix

O crítico João Batista de Brito publicou ontem em seu blog um texto intitulado “Como escrever sobre cinema”. É menos uma receita de como fazer do que a exposição da sinuca com a qual qualquer crítico, em algum momento (ou o tempo), se depara no relacionamento com o leitor: o quão profundo e técnico ser em seu texto, correndo o risco de ir perdendo poder de comunicação a cada degrau de profundidade; o quão legível ser, correndo o risco de, para atingir a todos, terminar sendo superficial.

O desafio (e exercício) diário é encontrar esse meio termo não muito claro. João conta como, na mesma época, pessoas diferentes o apontaram como tendo um texto “difícil” ou “fácil demais”. De minha parte, fazendo uma autorreflexão, tento evitar um teor difícil ou técnico demais, até porque o espaço não é tanto e é preciso ser sintético. Escrever “difícil” me obriga a explicar os termos para os leitores não iniciados.

Às vezes é difícil, claro. Como traduzir Persona (1966), de Bergman, em palavras 100% simples, por exemplo? Entender bem de psicologia ou não modifica nossa capacidade de absorver e compreender tudo o que está ali, criando múltiplos pontos de vista. Mas ninguém sabe tudo e, de certa forma, talvez este dilema do crítico seja exatamente amalgamar estas suas duas personalidades: o técnico especializado e o comunicador.

Mesmo com pesquisas de mercado, etc, nunca se sabe exatamente quem está lendo o jornal. Ou: o grupo de leitores é variado, nunca totalmente com o mesmo perfil. E o nosso objetivo é estabeler um diálogo com o leitor, que vai refletir ele mesmo sobre o filme e, no fim, concordar ou não com o crítico.

FOTO: Persona (1966)

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Coluna Cinemascope (#19). Correio da Paraíba, 25/1/2017

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O contexto ‘La La Land’

por Renato Félix

Na última vez que olhei, La La Land – Cantando Estações era o 27º filme de melhor média entre os usuários do IMDb. O 27º entre todos os filmes de todos os tempos.  Mesma média de O Silêncio dos Inocentes (1991), A Felicidade Não Se Compra (1946), Cidade de Deus (2002), Guerra nas Estrelas (1977) e Os Sete Samurais (1954).

No começo do mês, se tornou recordista isolado do Globo de Ouro, com sete prêmios. Ontem, se tornou recordista de indicações ao Oscar: 14 (empatado com A Malvada, 1950, e Titanic, 1997). No Rotten Tomatoes, que faz um levantamento das críticas nos EUA, são 93% de críticas positivas (283 favoráveis, 22 desfavoráveis).

É para tanto? É uma delícia de filme, sim, talvez até um cinco estrelas, mas essa aceitação já é algo para ser analisado além da qualidade do filme em si.

É esse mundo conservador-baixo astral, com reacionários dando cria como gremlins de banho tomado, que está nos fazendo necessitar que o cinema nos eleve – e La La Land é o filme certo na hora certa? É uma boa aposta. O escapismo (e o musical, em particular) foi ao auge na Grande Depressão americana. E a vitória de i no Oscar não tinha tudo a ver com o baixo-astral pós-Nixon, Watergate e Vietnã?

A isso pode contribuir o deserto de musicais no cinema. Certo, um ou outro aparecem, mas não no estilo da Hollywood clássica, tipo anos 1940/ 1950, aqueles com Fred Astaire, Gene Kelly, Judy Garland. Quando um filme abraçou o estilo com tanta disposição, sinceridade e sem cinismo, ele se tornou um representante daquele cinema maravilhoso, todo concentrado em um filme só. E parte do público reencontrou e outra simplesmente descobriu esse prazer.

É o contexto possível para o fenômeno La La Land.

FOTO: La La Land – Cantando Estações (2016)

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Coluna Cinemascope (#18). Correio da Paraíba, 18/1/2017

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“La La Land – Cantando Estações” (2016)

Gostar ou não de musicais

por Renato Félix

Enquanto escrevo, ainda não assisti a La La Land – Cantando Estações, filme mais comentado deste começo de ano e que, como tal, vai gerando tanto comentários elogiosos como outros nem tanto. E, sendo um musical, inevitavelmente surgem os “eu não gosto de musicais” e suas variações.

Eu, que adoro musicais, não vejo problema nisso, a não ser em algumas justificativas. “Ninguém sai cantando assim na vida real”, por exemplo. Não ouço reclamações assim em, digamos, filmes de super-heróis (“Ninguém sai voando na vida real”) ou com certos aspectos da linguagem do cinema em quase todos os filmes (“Não toca música de fundo em cenas românticas na vida real”).

Realidade, verossimilhança, não é a questão. Acho que uma das questões é o esquema narrativo particular de um musical, onde canções vão costurando a narrativa, integradas a ela ou as comentando. O que, na percepção de alguns, é uma “interrupção da história”.

A questão é o espectador se adaptar a uma forma diferente de contar a história. É mais fácil para uns que para outros. De  certa forma, um filme como Os Miseráveis (2012), que é praticamente todo cantado, como uma ópera, pode ser até mais fácil – desde que a cobaia o assista em condições de temperatura e pressão ideais: do começo ao fim, sem interrupções ou distrações, passando pela estranheza inicial para seu cérebro se ajustar que a realidade ali “é assim mesmo” e aceitá-la.

Importante também é gostar da música. Quem não gosta da grande música americana dos anos 1940 e 1950 pode achar difícil encarar um filme com Sinatra. Por outro lado, deve ser esse um dos fatores que leva tanta gente a gostar de um filme medíocre como Moulin Rouge (2001): com a trilha compilando o greatest hits de uma geração fica fácil.

FOTO: La La Land – Cantando Estações (2016)

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Coluna Cinemascope (#15). Correio da Paraíba, 28/12/2016.

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“Guerra nas Estrelas” (1977)

A Força da princesa

por Renato Félix

Eram os meados dos anos 1970 e a ideia de princesa ainda era a da mocinha de vestido longo presa em uma torre à espera do cavaleiro que iria salvá-la e com quem ela invariavelmente casaria. Ou da mocinha pobre encontrada (e salva) por um príncipe que se casaria com ela. E aí apareceu Carrie Fisher.

Ela própria uma princesa na corte de Hollywood (filha da atriz Debbie Reynolds e do cantor Eddie Fisher), também aparece como princesa, a Leia Organa de Guerra nas Estrelas (1977) e suas continuações. Naquele primeiro filme da série, ela foi demolindo o estereótipo: peitava Darth Vader logo no começo, e, presa, assistia seu planeta ser explodido e era torturada (mas não revelava a informação que os vilões queriam).

E quando o cavaleiro aparecia em sua cela para salvá-la, ela é quem tomou as rédeas da situação: tomou a arma e explodiu uma parede, dizendo “Alguém tem que salvar nossas peles”. Em O Retorno de Jedi (1983), escravizada e humilhada por Jabba naquele biquíni de metal, matou ela mesma o gangster na operação de fuga dos rebeldes.

Leia, naqueles anos 1970 e 1980, era o contrário do que uma princesa parecia dever ser. Comandava operações militares, tinha espírito de liderança, não levava desaforo para casa. Uma grande personagem, personificada de maneira eterna em Carrie Fisher, que nos deixou ontem.

Hoje até o Disney Channel tenta desfazer a imagem de princesa que a própria Disney consolidou dos anos 1930 aos 1950. Com o slogan “Sou princesa, sou real”, tenta vender a ideia de que ser princesa é lutar por seus ideais e para realizar seus sonhos e tal. Bonitinho, mas quarenta anos antes, Carrie Fisher já era a princesa que representava isso.

FOTO: Guerra nas Estrelas (1977)

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Coluna Cinemascope (#14). Correio da Paraíba, 21/12/2016

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“A Invenção de Hugo Cabret” (2011)

Ficou fácil

por Renato Félix

Hoje quem quiser assistir a um determinado filme tem muitas opções para encontrá-lo. Quase não existem mais locadoras físicas (em João Pessoa, a de seu Vianey, em Tambaú, deve ser a última), mas há os serviços on line como o Netflix, o Looke, os particulares dos canais de TV (como HBO e Telecine), etc. Garimpando, provavelmente encontra-se o que se quer.

É claro que ninguém abre mão dessa comodidade. Mas há uma certa melancolia em perceber como assistir a um filme deixou de ser um “evento”. Deixou de ter aquele frisson, a sensação de que era necessário assistir naquela hora para não perdê-lo.

Pensar nisso retroativamente mostra como assistir a um filme específico era difícil. Antes do DVD e o hábito de comprar os filmes (nas lojas ou pela internet) para ter em casa, havia o VHS e as locadoras. Era preciso, claro, que elas tivessem o filme e que ele não estivesse locado quando você quisesse vê-lo.

Um  problema menor quando se pensa em como era a coisa antes do VHS, quando se dependia da TV. Naquela época, pelo menos, as TVs abertas tinham horários reservados para filmes clássicos (mesmo que fosse tarde da noite e às vezes nem era). Eram os anos em que aguardávamos com ansiedade a programação de filmes de fim de ano e cravar no calendários as noites em que não poderíamos sair para não perder um filme especial.

E antes da proliferação dos filmes na TV, então? Só era possível conferir um clássico comentado se o cinema o reprisasse ou se algum cineclube conseguisse uma cópia para passar. As pessoas ouviam falar de um filme, liam sobre ele, e simplesmente podiam passar anos sem conseguir assisti-lo.

Não era fácil a vida de cinéfilo, comparada com a de hoje.

FOTO: A Invenção de Hugo Cabret (2011)

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Coluna Cinemascope (#13). Correio da Pataíba, 14/12/2016

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“Perdido em Marte” (2015)

O gueto do ‘musical ou comédia’

por Renato Félix

É curioso: os atores vivem falando que fazer comédia é muito mais difícil que fazer drama. Mas aparentemente poucos além deles acham isso. É só tomar como termômetro os prêmios de cinema, onde a comédia raras vezes encontra uma vaguinha. Sabe qual foi o último ator a ganhar o Oscar por uma comédia? Ele mesmo: Roberto Benigni, se considerarmos como tal A Vida É Bela (1997), que, como sabemos, é mais um drama com muitos elementos de comédia que uma comédia mesmo.

Por isso eu até entendo os motivos pelos quais surgiu a separação entre drama e comédia em algumas premiações. Isso faz com que, em tese, atores nesse registro sejam igualmente reconhecidos.

Na prática, há problemas. O Globo de Ouro faz essa distinção, mas parece claro que os vencedores de “drama” têm um status maior do que os vencedores em “comédia”. Não deveria, mas soa como uma espécie de segunda divisão.

Há também o problema de se definir o que é drama e o que é comédia e o que acontece quando o filme tem os dois elementos. Causou muita discussão a inclusão, na premiação deste ano, de Perdido em Marte como comédia. Tudo por causa do registro levemente engraçado de Matt Damon, que aliás, ganhou o prêmio de melhor ator na categoria. E, entre os cinco indicados a melhor ator e as cinco indicadas a melhor atriz no Oscar, foi o único a aproximou desse registro mais engraçado.

E ainda tem, para piorar, esse “musical ou comédia”. Ou seja: o musical não é “sério” o bastante para concorrer com os dramas. E, se um musical dramático é premiado, acabam vencendo dramas nas duas categorias – e a comédia fica de novo a ver navios. E não é raro acontecer. Essa separação acaba se tornando um gueto para determinado tipo de filmes de “importância menor”.

FOTO: Perdido em Marte (2015)

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Coluna Cinemascope (#11). Correio da Paraíba, 30/11/2016.

HUGO

“A Invenção de Hugo Cabret” (2011)

Mergulho na cinefilia

por Renato Félix

É muito difícil encontrar alguém que não goste de cinema. Mas gostar de cinema e ser um cinéfilo são a mesma coisa? A cinefilia pode, ao pé da letra, significar tão somente “amor ao cinema”. Mas, na prática, não seria um mergulho um tanto mais profundo?

João Batista de Brito faz uma bela retrospectiva de como surgiu a palavra, na Paris dos anos 1940 e 1950, e como ela já era usada para designar um tipo de espectador que era interessado nos filmes como arte e expressão pessoal, para além da diversão. Está no blog dele, Imagens Amadas.

Nada contra o uso do cinema como “diversão e ponto”, porém. Cada espectador espera determinadas coisas de um filme e,  se recebe o que espera, sai satisfeito. É o interesse legítimo desse espectador, mas não do cinéfilo.

O cinéfilo precisa, no mínimo, estar antenado com os lançamentos e os nomes de diretores e atores que os acompanham – de maneira geral, de preferência, e não só do seu gênero de interesse. Não adianta muito conhecer Drew Barrymore porque somos fãs de comédias românticas ou Vin Diesel porque nosso negócio é cinema de ação.

O cinéfilo “hard” gosta de refletir sobre como cada filme é pensado e realizado. Como se portou diante das opções que tinha. Se interessa não só pela mensagem, mas pelos mecanismos que o filme usa para passar essa mensagem. Ele sabe que os diretores é que contam as histórias e procura conhecer uma boa parte deles.

Evidentemente, ninguém é obrigado. Nem é uma questão de status. Mas está mais fácil que nunca ser cinéfilo: os filmes têm comentários em áudio, há livros em abundância de diversos níveis de profundidade, revistas e sites. É só mergulhar.

FOTO: A Invenção de Hugo Cabret (2011)

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Coluna Cinemascope (#10). Correio da Paraíba, 23/11/2016.

Jaws

“Tubarão” (1975)

Antes e depois deles

por Renato Félix

Um dia desses debati com um amigo sobre o fato de Pulp Fiction (1994) ter ou não mudado a história do cinema. Ele achando que sim, eu que não. O filme de Tarantino sem dúvida tem grandes qualidades como cinema, foi a afirmação de um esteta, reprocessou muita coisa, mas isso não é mudar a história. Isso é para pouquíssimos filmes.

É uma afirmação para ser usada, por exemplo, para Viagem à Lua (1902), de George Méliès. O curta que usou os parcos recursos técnicos da época para fazer o espectador viajar ao espaço. Não só afirmou que o caminho maior do cinema seria ali pela fantasia como inaugurou a ficção científica no cinema.

É também para ser atribuído a O Nascimento de uma Nação (1915), de D.W. Griffith, que praticamente instituiu uma gramática da linguagem cinematográfica. Ou O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein, o pilar da edição soviética, que mostrou que a montagem podia ser usada para mais do que emendar uma cena na outra: mas para criar ideias a partir da união das imagens.

Também entra aí Roma, Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini, que inaugurou o neo-realismo italiano e levou o cinema pra rua, para fora dos estúdios, e levou atores não profissionais para dentro do cinema. Em 1960, Acossado, de Jean-Luc Godard, abriu o leque do conceito de montagem, apostando no salto das imagens.

Branca de Neve e os Sete Anões (1937) criou um novo mercado: os longas de animação. E Toy Story (1995), a animação por computador, que dominaria o gênero. Sem esquecer de Tubarão (1975), que instituiu o conceito de blockbuster. Esses, sim, mudaram o cinema.

FOTO: Tubarão (1975)

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Coluna Cinemascope (#9). Correio da Paraíba, 16/11/2016.

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“Mestres do Universo” (1987)

Há (quase) 30 anos

por Renato Félix

Todo mundo tem duas primeiras vezes no cinema: a primeira vez em que foi levado pelos pais (ou um tio, ou algum outro adulto) e a primeira vez em que foi por si mesmo (sozinho ou com amigos) e com seu próprio dinheiro (da mesada, economizado do lanche da escola, ou mesmo dado pelos pais). Esta minha “segunda primeira vez” no cinema vai completar 30 anos em 2017.

Foi no antigo Cine Municipal, na época o maior em atividade na cidade, com seus  mais de 900 lugares. O filme, no entanto, não é nada para se orgulhar muito: Mestres do Universo, aquela versão em carne-e-osso do He-Man, com Dolph Lundgren, produzida pela Cannon. Não exija muito, eu tinha 13 anos.

O IMDb me diz que o filme estreou no Brasil em 30 de junho, então é provável que julho tenha sido o mês em que peguei meu dinheirinho (economizado do lanche), fui de ônibus à tarde ao Municipal, no Centro de João Pessoa, assisti o filme e voltei pra casa. No ano seguinte, fui ver mais uns três ou quatro filmes e em 1989 a sala escura me pegou de vez.

Mas 1988 também foi um ano que definiu o cinema para mim. Foi o ano em que vi pela primeira vez um Indiana Jones (o primeiro), um Jornada nas Estrelas (o segundo), um James Bond (Os Diamantes São Eternos, com Sean Connery). Todos na TV, na Tela Quente, que foi lançada em março de 1988 (o filme de estreia foi O Retorno de Jedi, que também vi pela primeira vez aí).

Mas tem uma data que não consigo precisar: foi no reveillón de 1987 ou de 1988 que Cantando na Chuva foi exibido como primeiro filme do ano na Globo? Sozinho em casa, o filme transformou uma virada de ano super tranquila em um maravilhamento que me abriu as portas do cinema clássico. Até hoje meu filme preferido e um definidor de quem sou hoje.

FOTO: Mestres do Universo (1987)

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Coluna Cinemascope (#8). Correio da Paraíba, 9/11/2016.

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“Cidadão Kane” (1941)

Clássico é clássico (e vice versa)

por Renato Félix

Os dicionários me dão algumas definições de “clássico”: “que é de estilo impecável”; “próprio para servir nas aulas”, “que de há muito é habitual; inveterado no uso”; “relativo à literatura, às artes e à cultura da Antiguidade greco-latina”; “evento ou acontecimento famoso por se repetir com regularidade”.

Só aí já dá para ver que quando falamos em “filme clássico”, alguém pode se perguntar: “Mas ‘clássico’ como?”. Como tudo que estabelece um valor no cinema, essa ideia também é subjetiva e está meio ao gosto do freguês. Ou seja: não há como bater um martelo, o que é clássico para um pode não ser para outro.

É o senso comum (essa entidade também subjetiva) que consagra Cidadão Kane (1941) ou 2001 (1968) como clássicos e, digamos, O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel (2001) não. Ou, pelo menos, não ainda.

Isto porque a ideia de filme clássico, em geral, parece combinar o “de estilo impecável” com o “relativo à literatura, às artes e à cultura da Antiguidade greco-latina” (adaptando-se aí para “antiguidade do próprio cinema”). Ou seja: o filme precisaria de um tempo para se confirmar como um “modelo impecável”.

Há variáveis aí, claro. Quanto é esse tempo? Uma vez li em um antigo guia de vídeo da Nova Cultural que eles consideravam 20 anos. É um período que peguei pra mim, a grosso modo. A sensibilidade é que faz a sintonia fina se um filme de mais ou menos 20 anos, como Pulp Fiction (1994) ou Titanic (1997), já é ou não um clássico.

E há ainda aquelas particularidades que ficam à margem. Os “clássicos instantâneos”, os “clássicos dos filmes ruins”, etc. O que não pode é “clássico” significar apenas “um grande filme”. Ou, com essa banalização, teremos que achar uma nova palavra para o que é um clássico.

FOTO: Cidadão Kane (1941)

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Coluna Cinemascope (#7). Correio da Paraíba, 2/11/2016.

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“Doutor Estranho” (2016)

 

Super-heróis, lado B

por Renato Félix

Quando eu era ainda um menino e via os filmes do Super-Homem com Christopher Reeve ainda na primeira dublagem brasileira na TV preto-e-branco dos meus pais, nunca imaginei que veria uma época como esta: vários filmes de super-heróis por ano, não raro muito bons e com chance até para personagens que não são aqueles mais populares entre não-leitores.

Naquela época, eu ainda estava começando a ler gibis do gênero (lia o Batman de Neal Adams e Denny O’Neill, basicamente, e logo viria O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, que mudariam tudo nas HQs de heróis). De filmes, só havia mesmo os do Super-Homem. Fora isso, os heróis só apareciam de carne-e-osso em séries de TV em geral sofríveis. O Batman de Tim Burton em 1989 apareceu como honrosa exceção nos cinemas.

A coisa mudou mesmo quando X-Men – O Filme se tornou um grande sucesso em 2000 (eu sei, teve Blade pouco antes, mas que não-leitor já ouviu falar de Blade?). Homem-Aranha (2002) consolidou o gênero em ascensão. E Homem de Ferro (2008) deu o ponta-pé nos filmes interligados da Marvel.

E, com eles, a Marvel se tornou uma marca tão conhecida dos não-leitores que passou a ser avalista até de filmes de heróis pouco conhecidos além das páginas dos gibis. O garoto daqueles tempos, os anos 1980, nunca imaginaria assistir a um filme do Homem-Formiga, do Deadpool, dos Guardiões da Galáxia…

Ou Doutor Estranho, que teve pré-estreia com toda a pompa nesta madrugada, e já entra em horários à tarde nesta quarta em JP, Campina e Patos, embora a estreia oficial seja só na quinta. Quem sabe no futuro o público não-leitor acabe íntimo de personagens como o Homem-Elástico (da DC) ou da Ms. Marvel (da Marvel)?

FOTO: Doutor Estranho (2016)

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Coluna Cinemascope (#6). Correio da Paraíba, 26/10/2016

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“O Quarto de Jack” (2015)

Passaram longe

por Renato Félix

Todo ano eu faço uma lista inglória: 50 filmes que estrearam no Brasil, mas que não passaram nos cinemas de João Pessoa. Sempre há um punhado de filmes que, por uma razão ou por outra, acabaram ficando de fora do nosso circuito. A gente sabe o funil da distribuição é algo sério e questões como o número de salas no Brasil, o marketing predatório das grandes empresas em torno dos blockbusters e até mesmo falta de visão e coragem para apostar em determinados títulos acabam influenciando nisso.

Uma parcial mostra que não falamos só de filmes europeus ou “difíceis”. O Quarto de Jack, Oscar de melhor atriz para Brie Larson e que entrou em cartaz no país em fevereiro, passou longe do nosso circuito. No “engarrafamento” do Oscar, naquele período, sobrou para ele, mesmo sendo um dos principais premiados da temporada.

Ser um diretor de prestígio também não garante exibição por aqui. Nem se forem dois. Ave, César!, mais recente filme dos Irmãos Coen, estreou no Brasil em abril, mas o paraibano não pôde ver no cinema essa comédia nos bastidores do cinema dos anos 1950. E olha que o ator principal é George Clooney!

Imagine, então, a dificuldade de um projeto como a trilogia As Mil e uma Noites, do português Miguel Gomes. As partes 2 e 3 foram lançadas no Brasil em maio, mas João Pessoa não viu nenhuma das três no cinema.

É verdade também que a situação melhorou muito de uns anos para cá. O Cinépolis Manaíra ganhou uma sessão de cinema de arte, o Cinespaço MAG colocou em cartaz quase todos os filmes do Festival Varilux e o Cine Banguê voltou este ano com uma programação de fôlego. Pode ser difícil fazer a lista no fim do ano.

FOTO: O Quarto de Jack (2015)

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Coluna Cinemascope (#5). Correio da Paraíba, 19/10/2016.

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“Arizona Nunca Mais” (1987)

Lista, pra que te quero?

por Renato Félix

O cinema completou 120 anos no fim do ano passado e, por isso, publiquei aqui no CORREIO uma lista que chamo pomposamente de “120 filmes para a humanidade”. É uma lista de longas que tentou resumir essa história. Com sua dose de subjetividade, é claro, mas ainda assim tentando dar espaço aos diretores importantes, movimentos, cinematografias de países-chave, gêneros, etc.

Mas aconteceu o seguinte: como havia um prazo, tive que finalizar a lista sem me dar totalmente por satisfeito com ela. Resolvi que faria em seguida uma revisão para publicar no meu blog. Fiz um listão de uns 300 e tantos filmes e fui cortando. O problema é que cheguei a 126, 127 e não consigo mais cortar para fechar nos 120.

Há muita coisa ótima nesse mundão do cinema. E tentar equilibrar tudo é uma tarefa impossível. Como ter menos que quatro Hitchcocks? Quero colocar um irmãos Coen, mas este seria Arizona Nunca Mais (1987), Fargo (1996) ou O Grande Lebowski (1997)? Vale trocar um Kiarostami por A Separação (2012)? É muito ter três George Stevens, mesmo que um deles, Ritmo Louco (1935), seja mais por causa de Fred Astaire e Ginger Rogers?

Curiosamente, em 2001 fiz uma lista de “100 filmes para a humanidade”, para A União. Não me lembro de, 15 anos mais novo, ter muita dificuldade de fechar aqueles 100. Também é verdade que voltei a essa lista recentemente e muitas vezes pensei: “No que diabos eu estava pensando? Como este filme entrou e aqueles não?”.

Listas nunca serão definitivas – nem mesmo as que a gente mesmo faz. A serventia delas é mesmo levantar as discussões e, através delas, das nossas concordâncias e discordâncias, refletirmos mais sobre o cinema (ou o que quer que seja o tema da lista em questão).

Se eu conseguir fechar os 120, aviso.

FOTO: Arizona Nunca Mais (1987)

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Coluna Cinemascope (#4). Correio da Paraíba, 12/10/ 2016

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“A Lenda de Tarzan” (2016)

Uma franquia para chamar de sua

por Renato Félix

Não é segredo para ninguém que Hollywood está combinando uma crise de imaginação com uma crise de coragem. Não fiz o levantamento, mas dá para arriscar que nunca foram feitas tantas continuações e refilmagens quanto este ano. É a aposta no que aparentemente) é seguro: a corrida para ter uma marca que “vende” e se torne uma franquia rentável e longa.

A marca é importante porque já reduz a necessidade de convencer o público a ir ao cinema pela história em si. O personagem principal já faz esse trabalho. É por isso que volta e meia aparece um filme com Sherlock Holmes, Drácula, Tarzan (teve um este ano) ou os grandes superheróis como Super-Homem, Batman e Homem-Aranha.

Não é por acaso que, tendo acertado o tom com os heróis dos quadrinhos no cinema, estes tenham se tornado uma mina de ouro. Ao ponto de suas criadoras terem virado, por si só, uma grife. O nome “Marvel” ficou tão conhecido que já garante um cartão de visitas para heróis menos conhecidos como os Guardiões da Galáxia ou Deadpool.

Mas a busca pela franquia ideal tem levado os estúdios a desenterrarem séries que há muito já não apareciam. Este ano tivemos um reboot de Caça-Fantasmas, 27 anos depois
do segundo e – até então – último filme. E também vimos a volta de Jason Bourne, 10 anos depois de Matt Damon ter estrelado o terceiro e – até então – último filme com o
personagem (O Legado Bourne, de 2012, já era uma tentativa de levar a série adiante sem o personagem, mas – atenção – com o nome/ marca).

E este ano ainda vem Animais Fantásticos e Onde Habitam, um derivado da franquia Harry Potter, que terminou no oitavo filme e deixou a Warner orfã. Já pensam em continuações claro. E a Disney não comprou uma das marcas mais famosas do mundo para deixar na estante levando poeira: tem um novo Star Wars no fim do ano, como todo mundo sabe. E no ano que vem também.

FOTO: A Lenda de Tarzan (2016)

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