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O HOMEM COM DOIS CÉREBROS
ou O MÉDICO ERÓTICO
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 17
Onde ver (em 08/02/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. Aluguel ou compra digitais: Amazon.

Homenagem biruta aos filmes Z

A fase da parceria entre Carl Reiner e Steve Martin – quatro filmes entre 1979 e 1984 –deixou diversas pérolas da comédia maluca. Eles vinham do amalucado O Panaca (1979) e da antológica brincadeira com o filme noir Cliente Morto Não Paga (1982) quando resolveram mirar os filmes Z dos anos 1950 e 1960 em O Homem com Dois Cérebros. Ou, como se chamou na época do lançamento nos cinemas por aqui e como está lá no Prime Video, O Médico Erótico. Outra avalanche de maluquices que exige o máximo de Steve Martin.

Começa pelo nome do protagonista, o mundialmente famoso cirurgião cerebral Michael Hfuhruhurr. Ele se casa com a gatíssima Dolores Benedict, que ele conhece quando a atropela e em seguida a salva numa cirurgia. ele não sabe, porém, que ela tinha acabado de provocar a morte do marido anterior e que é o Diabo em pessoa, só de olho na grana do médico – que nem sexo com ela consegue ter, apesar do jogo de sedução do avião.

Ela é interpretada por ninguém menos do que Kathleen Turner, muito à vontade autoparodiando sua imagem de voraz símbolo sexual e femme fatale, adquirida dois anos antes em Corpos Ardentes, sua retumbante estreia no cinema (já aos 27 anos).

É bem provável que seja por ela que o filme ganhou, no lançamento brasileiro nos cinemas, o terrível título O Médico Erótico, que parecia vir de alguma pornochanchada de cinco anos antes.

Apesar da insinuante Kathleen Turner, e da falta do sexo atormentar o personagem de Steve Martin, não há nada de erótico no filme. Há, sim, muita loucura, um humor sem freios e que não tem medo do absurdo e da patetice.

Hfuhruhurr acaba conhecendo um cientista que apresenta a ele seu projeto: quer transferir a personalidade de informações de um cérebro moribundo para um corpo, um Dr. Frankenstein moderno. Para isso, tem alguns cérebros “vivos” em estoque. Com um deles, Hfuhruhurr descobre uma misteriosa ligação telepática e daí nasce um romance.

O personagem de Martin fica, então, entre uma mulher detestável com um corpo incrível e outra adorável, mas sem corpo.

Daí temos cenas que extrapolam o limite do nonsense, como Martin conseguindo se grudar à parede com saliva nas mãos, tendo que realizar os mais loucos testes a um guarda para provar que não está bêbado ao volante, e todas as lânguidas declarações de amor de Steve Martin para um cérebro (que tem voz de Sissy Spacek) dentro de um vidro).

Daqui, Carl Reiner voltaria a dirigir Steve Martin em Um Espírito Baixou em Mim, outra comédia antológica. É uma dupla diretor-ator que deveria ser mais lembrada quando se apontam as grandes parcerias do cinema.

The Man with Two Brains. Estados Unidos, 1983. Direção: Carl Reiner. Elenco: Steve Martin, Kathleen Turner, Sissy Spacek (voz), David Warner, Paul Benedict, James Cromwell, Merv Griffin.

BARBIE
⭐⭐½
Diário de filmes 2024: 27
Onde ver (em 15/03/2024) – Mídia física: não disponível no Brasil. Streaming: Max. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Amazon/ Prime Video, Apple TV/iTunes, Microsoft Store.

Desde o começo a produção de um filme sobre a boneca Barbie com Greta Gerwig no comando e Margot Robbie no papel principal (duas feministas) suscitou muita curiosidade. Sendo a boneca um símbolo do capitalismo e sempre acusada de mostrar proporções femininas irreais, o que sairia daí?

Não poderia ser apenas um filme autocelebratório, mesmo que chancelado pela fabricante Mattel e, por isso, com risco zero de arranhar a imagem do produto. Ao contrário, a ideia, como sempre, seria promovê-lo.

O filme tenta mesmo combinar essas duas propostas: fazer uma “autocrítica” e uma “autopromoção” ligada a valores feministas. Assim, o filme exalta que a boneca promova nas meninas o pensamento de que elas podem ser o que quiserem (e não apenas mães, como as bonecas de bebês, que eram o padrão antes da Barbie, faziam pensar).

Constrói esse mundo da Barbielândia como um paraíso dominado pelas mulheres, em oposição ao nosso mundo, ainda sob o poder do patriarcado, uma realidade dura que a Barbie vai conhecer ao vir ao mundo real.

É um bom ponto de partida, o problema é que para chegar lá a ideias são paupérrimas e preguiçosas. Desde coisas simples como justificar a tal viagem, a maneira como ela acontece, o que precisa ser resolvido e como.

Os discursos podem falar bastante às mulheres, porque realmente tratam de problemas e situações existentes, mas é tudo primário e óbvio. Alguém pode dar a desculpa de que o filme precisa ser assim, para ser claro para crianças, mas há inúmeros filmes infantis menos tatibitati nessas questões (o Valente da Pixar, só para citar um). É tudo mais frágil do que o plástico com que a Barbie é produzida.

Salvam-se alguns risos aqui e ali. Mais na participação de Kate McKinnon, como a “Barbie estranha”, meio destruída por alguma criança, do que na de Will Farrell como presidente da Mattel, uma piada que procura ser iconoclasta, mas é só outra autopropaganda mal disfarçada.

Se Pobres Criaturas (outro filme de 2023 sobre uma mulher com nenhum conhecimento do mundo descobrindo o patriarcado e buscando sua verdade e sua liberdade) é um bolo suculento com uma cobertura incrível, Barbie é só o chantilly com confeitos coloridos do cupcake, mas sem o bolo. Fez um sucessão de público, mas, enfim, não é o primeiro nem o último filme mais ou menos que faz grande bilheteria. É uma pena porque de Greta Gerwig se espera sempre mais.

Barbie. Estados Unidos, 2023. Direção: Greta Gerwig. Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Ariana Greenblatt, Michael Cera, Kate McKinnon, Simu Liu, Rhea Perlman, Emerald Fennell, Dua Lipa, John Cena, Helen Mirren (narração).

POBRES CRIATURAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 22
Onde ver (em 26/02/2024) – Em cartaz nos cinemas

Imaginando a liberdade total

O que seria uma mulher totalmente livre? Sem as amarras e opressões comportamentais impostas a ela através dos séculos? Dando vazão sem freios a seus prazeres e pensamentos? Parece ser esta a premissa da qual parte Pobres Criaturas, 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, direção e atriz.

Para isso, o diretor Yorgos Lanthimos e o roteirista Tony McNarama (a partir do livro de Alastair Gray) resolvem partir do zero: uma mulher com mente de criança, aprendendo tudo e sem qualquer noção sobre o que é “adequado”.

Muito já se falou e escreveu sobre as relações dessa história com o Frankenstein, de Mary Shelley (bem resumidamente, a protagonista Bella Baxter também é uma morta trazida de volta à vida, sem memórias do passado). E sobre essa postura feminista do filme, no qual Bella não só vai atrás do que deseja como desenvolve seu intelecto através de questões intelectuais e filosóficas.

E o filme ainda faz isso com um visual arrebatador, com cenários e direção de arte fantásticos, lentes para distorcer o que se vê, e sem ser tatibitati (Barbie deu muito azar em ter este filme lançado no mesmo ano…). Lanthimos, um diretor que não tem medo do bizarro, fez um filme esquisito e saboroso, muito engraçado mesmo.

Emma Stone tem possivelmente a performance física do ano, sobretudo pela movimentação desengonçada de sua personagem (e, sim, também pela entrega nas cenas de nudez e sexo – ela tem reclamado que só perguntam sobre isso, e, se é isso mesmo, ela tem toda a razão). Como parceiro de cena, Mark Ruffalo está perfeito, em outra grande atuação: engraçadíssimo na sua desfaçatez e, depois, patetice.

E em seu roteiro o filme vai a lugares inesperados, acompanhando Bella em suas descobertas e autodescobertas pelo mundo. Lisboa e Paris aparecem como ilustrações muito mais do que como cidades reais. Ainda assim, os lugares inesperados são muito mais os caminhos da história, que parecem navegar sempre em frente, do que um local físico. Pobres Criaturas consegue essa proeza: a de ser surpreendente sem parecer pedante e poderia seguir um rumo trágico (Bella poderia ser tragada pela sociedade, destruída), mas tem a disposição de fazer rir.

É bom não esquecer isso, porque isso costuma ser subestimado e não tem se falado isso tanto quanto o parentesco com Frankenstein, o enfoque da liberdade da mulher ou a nudez e o sexo: Pobres Criaturas é uma comédia, e das boas.

Poor Things. Irlanda/ Reino Unido/ Estados Unidos/ Hungria, 2023. Direção: Yorgos Lanthimos. Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Rami Youssef, Vicki Pepperdine, Hanna Schygulla.

VIDAS PASSADAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 21
Onde ver (em 19/02/2024) – Em cartaz nos cinemas.

O sentimento de “o que poderia ter sido”

O primeiro plano é de três pessoas sentadas no balcão de um bar. Um homem de aparência oriental, outro de aparência ocidental, uma mulher de aparência oriental entre eles. Quem serão? Alguém fora de quadro pergunta a outra pessoa e vão conjecturando (em inglês). Um casal (os dois orientais) e o guia americano? Dois irmãos e o namorado dela?

“Vidas Passadas”, o excelente primeiro longa da coreana Celine Song e indicado ao Oscar de melhor filme, vai responder essa pergunta, só que mais para a frente. Dessa cena de abertura, que parece querer colocar o espectador como alguém que se perguntaria a mesma coisa se visse aquela cena, o filme volta no tempo e vai até a Coreia do Sul para mostrar um menino e uma menina muito ligados. Namoradinhos que planejam passar o resto da vida juntos, até que a vida os separa: a menina e seus pais vão morar no Canadá.

Os anos passam até que haja um reencontro via redes sociais. Ainda há a possibilidade de alguma chama, estando os dois separados por tanto tempo e por um mundo de distância? A trama evolui para o que é realmente o coração do filme: o reencontro em pessoa dos dois namorados de infância, mas em uma situação em que ela está comprometida.

Song narra com extrema sensibilidade e elegância esse reencontro não só entre pessoas, mas entre sentimentos e expectativas de vida. É um filme de conversa e muita gente deve lembrar da trilogia “Amanhecer/ Pôr do Sol/ Meia-Noite”, de Richard Linklater, sobretudo do segundo filme.

Conduzido por dois ótimos atores, é um grande filme sobre o sentimento de “o que poderia ter sido” com aquela ponta de “será que ainda pode ser”. Uma atmosfera agridoce que lembra os finais de “La La Land” e de “Café Society”, mas aqui trabalhada por mais tempo.

Sutil e comovente, tem potencial para figurar em listas de grandes primeiros filmes.

Past Lives. Estados Unidos/ Coreia do Sul, 2023. Direção: Celine Song. Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Moon Seung-ah, Leem Seung-min.

O RETORNO DE JEDI
ou STAR WARS – EPISÓDIO VI: O RETORNO DE JEDI
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 15
Onde ver (em 09/02/2024) – Mídia física: DVD e blu-ray (da Fox). Streaming: Disney Plus. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes.

Drama familiar no espaço

O terceiro capítulo da trilogia original de Guerra nas Estrelas (ou, vá lá, Star Wars) costuma ter narizes torcidos até pelos fãs da série. Existe uma turma que nunca engoliu os ewoks, uma certa repetição envolvendo uma nova Estrela da Morte a ser destruída e até já li comparações com clichês de novelas no que diz respeito às revelações de laços familiares até então mantidos em segredo.

Mau humor das pessoas à parte, O Retorno de Jedi completou 40 anos como uma aventura sólida e divertida, sem se levar tão a sério, o que sempre foi bom para o universo de Star Wars.

É cheio de grandes sequências, como o resgate de Han Solo das garras de Jabba, the Hutt, logo no começo. Há a perseguição nas motos voadoras na lua de Endor. Ou o vertiginoso ataque à nova Estrela da Morte, com Lando Calrissian comandando a Millenium Falcon. E o confronto moral entre o pai vilão e o filho herói que deseja, mais do que derrotá-lo, salvá-lo.

De certa forma, O Retorno de Jedi parece pretender voltar a uma nota mais para cima e despretensiosa após o episódio anterior terminar com derrotas para os heróis. Os ewoks entram nisso, mas também é possível fazer deles um paralelo com os vietnamitas lutando contra o império invasor, coisa vivida ainda poucos anos antes.

O filme é tão bom, que nem o próprio George Lucas conseguiu atrapalhar. As mudanças que ele foi fazendo nos anos seguintes causa um sério problema aqui: a inserção da imagem de Hayden Christensen como o fantasma de Anakin Skywalker na cena final, em vez da de Sebastian Shaw, que é o Darth Vader que aparece quando se retira a máscara.

Além da falta de respeito com Shaw, isso não faz o menor sentido para quem começa Star Wars pela trilogia clássica (que é como deve ser) e se depara com uma figura que não apareceu em O Retorno de Jedi e nem nos dois filmes anteriores.

Para quem tem a edição dupla em DVD da Fox, pelo menos, sempre se pode assistir à versão original, sem as mudanças digitais.

Return of the Jedi ou Star Wars – Episode VI: Return of the Jedi. Estados Unidos, 1983. Direção: Richard Marquand. Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, James Earl Jones (voz), David Prowse, Sebastian Shaw, Billy Dee Williams, Ian McDiarmid, Anthony Daniels, Peter Mayhew, Kenny Baker, Fran Oz (voz), Alec Guinness, Warwick Davis.

ANATOMIA DE UMA QUEDA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 13
Onde ver (em 02/02/2024) – Em cartaz nos cinemas.

A verdade em questão

Alguns comentários elogiosos sobre “Anatomia de uma Queda” parecem meio embaraçados, procurando encontrar algo para dizer que este é “mais que um filme de tribunal”. Como se ser um excelente exemplar desse subgênero não fosse o suficiente para que uma obra seja um grande filme. Mas é.

O filme de tribunal de Justine Triet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e indicado a cinco Oscars (incluindo melhor filme e direção) é um grande trabalho basicamente por ser um primor de narrativa: parte de uma morte misteriosa, detalha-se na investigação e nos meandros do julgamento, mostra a influência dessa crise na família da pessoa morta, coloca a inocência ou a culpa de alguém na balança.

Como nos melhores filmes de tribunal, inclusive, a questão da verdade e da dificuldade em estabelecê-la (e, portanto, de estabelecer a justiça) é preponderante. As desconfianças pairam sobre Sandra Voyter (Sandra Hüller, indicada ao Oscar). Terá ela empurrado o marido da janela do sótão e sua casa isolada? Ou foi um acidente? Ou suicídio? O que pensa sobre isso o filho cego do casal?

A câmera que acompanha o cachorro da família no meio da agitação que se segue ao encontro do corpo também indica ao mais atentos e o animal também terá sua importância na trama.

Vamos acompanhando o desenrolar de acusações e defesas, e de provas que vão sendo encontradas, ouvidas, argumentadas. A frieza da protagonista é espelhada um pouco pelo filme, que não muito espaço ao melodrama.

Esse distanciamento também surge em soluções de direção que escolhem o que é ou não mostrado ao espectador, para nunca dar a certeza do que realmente aconteceu. São detalhes como o garoto contando uma conversa com o pai no carro. Entra o flashback, mas, embora nós, espectadores, vejamos o pai falar, é a voz do garoto dizendo as falas.

Isso quer dizer que o menino está inventando? Que é a interpretação subjetiva dele sobre aquele passado? Ou só um recurso de estilo para ilustrar que é o garoto narrando a cena?

Como em outras questões do filme, esta também fica para o espectador refletir sobre.

Anatomie d’une chute. França, 2023. Direção: Justine Triet. Elenco: Sandra Hüller, Milo Machado Graner, Swann Aralud, Samuel Theis, Antoine Reinartz.

A NOITE QUE MUDOU O POP
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 16
Onde ver (em 02/02/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Netflix.

Os fascinantes bastidores de ‘We are the world’

“O título brasileiro talvez exagere, na medida em que se pode discutir em que exatamente “We are the world” mudou o pop. Mas o título original ‘The Greatest Night in Pop’ (‘a maior noite do pop’) não está longe da verdade. O tamanho do empreendimento artístico é impactante e o documentário mostra a complexidade dessa logística e o esforço para dar vida à canção através de depoimentos retrospectivos de quem estava nos microfones e nos bastidores e de preciosas imagens da gravação que registraram os ajustes, os erros, o cansaço, as inseguranças, as repetições, o método, e a concentração do talento de cada um nos poucos segundos em que teriam algum protagonismo na canção”.

Leia o texto completo no Cinema Escrito (https://www.cinemaescrito.com/…/a-noite-que-mudou-o-pop/).

“The Greatest Night in Pop”. Estados Unidos, 2024. Direção: Bao Nguyen.

TURMA DA MÔNICA JOVEM – REFLEXOS DO MEDO
⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 14
Onde ver (em 31/01/2024) – Em cartaz nos cinemas.

Versão adolescente sofre em comparação com a turma clássica

“Um ‘efeito colateral’ do sucesso das HQs da turma jovem é que elas rapidamente também conquistaram as crianças menores, de modo que as histórias precisaram ‘baixar o tom’. Isso se reflete no filme, fazendo com que o terror seja mais uma inspiração narrativa que um mergulho de fato no gênero. Ensaiando uma ou outra cena de tensão, o filme nunca chega a ser contraindicado para crianças”.

Leia o texto completo no Cinema Escrito (https://www.cinemaescrito.com/2024/01/turma-da-monica-jovem-reflexos-do-medo/).

“Turma da Mônica Jovem – Reflexos do Medo”. Brasil, 2024. Direção: Maurício Eça. Elenco: Sophia Valverde, Xande Valois, Theo Salomão, Bianca Paiva, Carol Roberto, Mateus Solano, Giovanna Chaves, Carol Amaral, Yuma Ono, Eliana Fonseca, Maria Bopp.

BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 12
Onde ver (em 29/01/2024) – Em cartaz nos cinemas.

Espírito livre e muito nonsense

“Os curtas animados dirigidos por Marão seguem uma estética livre em que personagens independem de cenários, vestígios de rascunhos se misturam a ilustrações elaboradas, o coloquial anda de braço dado com o caricatural e a narrativa de super-heróis encontra o drama familiar mais humano. Isso tudo também está em seu primeiro longa, ‘Bizarros Peixes das Fossas Abissais’, tão curioso quanto seu dramático título.

A história segue uma mulher e seu amigo nuvem buscando reunir cacos de um vaso, antes que rinocerontes alienígenas reúnam os pedaços primeiro. A dupla acaba virando um trio quando eles encontram uma tartaruga com TOC. Dublados por Natália Lage, Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro, esses personagens seguem uma jornada por vários lugares e enfrentando várias aventuras. O insólito é quem dá as cartas, como colocar o astro Santoro na voz da minúscula tartaruga que luta com obstinação contra sua extrema limitação de velocidade para organizar como pode o caos do mundo”.

Leia o texto completo no Cinema Escrito.

Bizarros Peixes das Fossas Abissais. Brasil, 2024. Direção: Marão.

A MÃO POR TRÁS DO RATO – A HISTÓRIA DE UB IWERKS
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2024: 11
Onde ver (em 25/01/2024) – Mídia física: DVD (extra em As Aventuras de Oswald, o Coelho Sortudo, da Disney). Streaming: Não disponível no Brasil.

Dirigido pela neta do desenhista e animador Ub Iwerks, o documentário conta a história do muito menos conhecido co-criador de um dos personagens mais conhecidos da história: o Mickey Mouse. Iwerks era o grande parceiro de Walt Disney e principal animador de seu então nascente estúdio e foi a ele que Walt recorreu quando seu personagem de maior sucesso, Oswald, o Coelho Sortudo, foi tirado sorrateiramente de suas mãos, em 1928.

Precisando urgentemente de um novo personagem e que ele desse certo, Walt e Iwerks chegaram à ideia de que poderia ser um camundongo. E foi Iwerks quem, então, desenhou o Mickey. Não só isso, como desenhou e animou sozinho e em tempo recorde o primeiro curta do ratinho: Plane Crazy.

O doc conta a história de Ub Iwerks, sua amizade e parceria com Disney, tem animadores comentando a perícia do artista nos curtas de Oswald e nos primeiros do Mickey, conta o período hoje meio esquecido de quando deixou a Disney para tocar um estúdio próprio e de seu retorno ao trabalho com Walt, agora no desenvolvimento de técnicas de animação e efeitos visuais.

Um filme bastante eficiente em desvendar um personagem importante para a história do cinema. O filme não está disponível em streaming e nem no YouTube, só podendo ser encontrado oficialmente no Brasil como extra no DVD duplo da série Walt Disney Treasures dedicado aos curtas de Oswald, o Coelho Sortudo, lançado pela Disney em 2009. Como o doc é produção da Disney, bem que o Disney + podia colocar no catálogo.

The Hand Behind the Mouse – The Ub Iwerks Story. Estados Unidos, 1999. Direção: Leslie Iwerks.

ASTEROID CITY
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 10
Onde ver (em 22/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Claro TV Mais. Aluguel ou compra digitais: Apple TV/ iTunes, Google Play/ YouTube Filmes, Amazon, Claro Vídeo, Vivo Play.

O inusitado, a patetice e os semblantes sem sorridos

Wes Anderson constrói mais um exemplar típico do seu cinema: um visual de livro infantil pop-up (aqueles em que, a cada página, se ergue uma imagem 3D), um grande elenco em interpretações inspiradas em Buster Keaton (expressões impassíveis, sem sorrisos), rigor simétrico na composição da imagem. E isso em prol da comédia dramática, onde a aparente seriedade dos semblantes contrasta com cenas de situações inusitadas, que fogem do controle ou de patetices.

Se toda essa construção visual e cênica fosse dedicada a algum pretenso drama “profundo”, provavelmente muitos narizes torcidos para om diretor voltariam ao prumo, mas seus filmes sempre buscam a leveza, um elemento sempre subestimado.

Asteroid City rebusca ainda mais sua narrativa, começando como um programa de TV sobre uma peça de teatro e que, aos nossos olhos de espectador, se torna o próprio filme no cenário desolado da cidade perdida no nada, onde um grande grupo vai se encontrar nos dias de um evento dedicado ao aniversário da queda de um asteroide no local.

Um acontecimento inusitado acontece e todos ficam presos na cidade por vários dias, aprofundando os relacionamentos entre eles e suas questões pessoais de luto, inseguranças, descoberta do amor. Isso enquanto lidam com a presença opressora do governo.

Os diálogos são rápidos, algumas vezes até difíceis de acompanhar, e a narrativa vai e volta para a atmosfera dos bastidores da peça ou do programa de TV (do qual Bryan Cranston é o narrador muito formal). O formato de tela muda, passamos do colorido árido de Asteroid City para o preto-e-branco e voltamos.

E, embora haja momentos sérios, sempre há aquela queda bem-vinda para o humor, às vezes com tudo misturado, como a discussão sobre entrar ou não as cinzas de uma mãe em um beco qualquer. Wes Anderson partiu da simplicidade romântica de Moonrise Kingdom para elaborações mais ambiciosas em O Grande Hotel Budapeste, A Crônica Francesa e, agora, Asteroid City. Grandes paineis voltados não para grandes questões, mas para a comédia.

Asteroid City. Estados Unidos, 2023. Direção: Wes Anderson. Elenco: Jason Schwartzman, Jake Ryan, Scarlett Johansson, Grace Edwards, Bryan Cranston, Edward Norton, Tom Hanks, Maya Hawke, Rupert Friend, Steve Carrell, Tilda Swinton, Jeffrey Wright, Hope Davis, Steve Park, Adrien Brody, Liev Schreiber, Matt Dillon, Margot Robbie, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Seu Jorge, Bob Balaban, Rita Wilson.

ELIS & TOM – SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 9
Onde ver (em 22/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Globoplay. Aluguel ou compra digitais: Apple TV/ iTunes, Google Play/ YouTube Filmes.

A intimidade dos gênios, 50 anos depois

É o Get Back brasileiro: do mesmo jeito que a série documental de Peter Jackson nos coloca junto com os Beatles dentro da criação do disco Let it Be através de imagens restauradas e até então nunca vistas, o longa documentário de Roberto de Oliveira faz o mesmo com Elis & Tom, um disco antológico da música brasileira, com o encontro entre dois gigantes. Seu surgimento quase 50 anos depois do lançamento do disco (a data do cinquentenário é este ano) tem cara de milagre.

Elis & Tom, o filme, não tem tantas imagens à disposição como Get Back, que teve a oportunidade de se concentrar apenas no material histórico e daqueles dias, sem entrevistas atuais ou necessidade de mostrar os Beatles antes ou depois dali.

O filme brasileiro, por sua vez, recorre a uma contextualização das carreiras de Elis e de Tom Jobim até o momento e é rico em entrevistas com quem esteve no estúdio em Los Angeles naqueles meses de fevereiro e março de 1974. As imagens da gravação não são, evidentemente, tantas como em Get Back que já foi concebido de saída como um filme.

Mas são muitas e impressionantes, pelo reveladoras que são daqueles bastidores e por estarem restauradas e com som remasterizado com o auxílio de inteligência artificial, suficientes para o mergulho intenso nas tensões iniciais entre Elis e Tom e entre Tom e o pianista e arranjador (e marido da cantora) César Camargo Mariano.

O doc cumpre de maneira exemplar a missão de mostrar como a feitura de um disco tão clássico envolveu tantos desafios e poderia até nunca ter chegado aos nossos ouvidos. Foge de arroubos artísticos demais e se concentra em contar a sua história – por si só, tão fascinante.

Elis & Tom – Só Tinha de Ser com Você. Brasil, 2023. Direção: Roberto de Oliveira. Co-direção: Job Tom Azulay.

AJUSTE DE CONTAS
⭐⭐½
Diário de filmes 2024: 8
Onde ver (em 18/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original.

Telefilme com muita cara de telefilme que é um drama de tribunal no qual o advogado precisa defender um acusado de homicídio que não quer ser defendido. O réu matou um homem que havia estuprado e assassinado sua filha e terminou livre por questões técnicas em no julgamento. O réu não quer provar inocência: quer gritar os motivos do seu crime no tribunal.

Em termos de narrativa não há nada demais, mas há um bom elenco (Burgess Meredith, o Pinguim da série “Batman” e o treinador em “Rocky”, é sempre bom de ver) e uma dilema interessante. É a última atuação de Robert Preston e a última produção de Irwin Allen.

Outrage!. Estados Unidos, 1986. Direção: Walter Grauman. Elenco: Beau Bridges, Robert Preston, Burgess Meredith, Linda Purl, Mel Ferrer.


GANGA BRUTA
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 7
Onde ver (em 18/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: som original.

O interior do Brasil e o interior dos personagens

Ganga Bruta, terceira produção da Cinédia, foi um retumbante fracasso de público em seu lançamento e quase desapareceu. Ficou quase 20 anos fora do radar até que negativos foram encontrados e, a partir deles, o filme foi montado de novo e ressuscitado. E aí, encontrou seu lugar na história do cinema brasileiro como um importante clássico.

A premissa, claro, seria cancelada hoje: o homem que mata a mulher na noite de núpcias porque descobriu que foi traído, é inocentado no julgamento e vai lidar com a culpa no interior, onde encontra outro amor e briga por ela com outro interessado.

O triângulo amoroso não chega a ser muito inventivo, mas o filme é forte narrativamente e na apresentação dos personagens e a fotografia de Edgar Brasil, A.P. Castro e Paulo Morano se sobressai mesmo em cópias desgastadas. Tanto a grandiosidade da fábrica em construção ou as expressões e formas dos atores são imagens marcantes. Assim, o filme mostra poderosamente o interior do Brasil e o interior dos personagens.

Ganga Bruta. Brasil, 1933. Direção: Humberto Mauro. Elenco: Durval Bellini, Dea Selva, Lu Marival, Décio Murilo, Andréa Duarte.

VOANDO PARA O RIO
⭐⭐⭐½
Diário de filmes 2024: 6
Onde ver (em 16/01/2024) – Mídia física: DVD, da Studio Classic. Streaming: Não disponível no Brasil

A primeira vez de Ginger e Fred

Voando para o Rio tem para sempre um lugar garantido na História por ser o primeiro filme a colocar na mesma pista de dança Ginger Rogers e Fred Astaire. Dali eles partiriam para uma série de 10 filmes juntos, imprimindo na tela muitos dos mais belos e divertidos movimentos corporais que o cinema veria. Mas aqui os dois ainda são coadjuvantes.

A história central é a do triângulo amoroso em que Dolores Del Rio fica entre o noivo rico, papel de Raul Roulien, e o músico vivido por Gene Raymond. Como a mexicana Dolores interpreta a brasileira Belinha De Resende, a trama vem parar no Rio de Janeiro a la Hollywood: às vezes parece meio hispânico, mas alguns personagens ao menos falam português mesmo. Em dado momento aparece um grupo musical usando chapéus de cangaceiro estilizados e, neles, nomes escritos supostamente dos músicos (um deles, Lampeão).

A trama é cheia de idas e vindas com aquelas coincidências que vão ligando os personagens. Como o bandleader Roger ir ao Brasil com sua banda para tentar encontrar Belinha e o grupo estar contratado pelo hotel que pertence justamente ao pai dela. E seu amigo na cidade ser justamente o noivo dela.

Bem mais do que isso, o filme é lembrado mesmo pelo clímax de dançarinas em asas de aviões sobre imagens aéreas de vários pontos do Rio de Janeiro, uma alopração, mas uma atração especialmente para os brasileiros (e cariocas em particular) terem um vislumbre da cidade tantos anos atrás. E por Fred e Ginger, claro.

Ginger já vinha batalhando nas telas: só naquele 1933 ela teve papeis em 10 filmes (incluindo os clássicos Rua 42 e Caçadoras de Ouro)! Fred, veterano dos palcos, estava em seu primeiro ano no cinema e segundo filme. Em Voando para o Rio, eles são líderes da banda e os amigos do protagonista, com alguns diálogos espertos para dizer e cenas engraçadas para interpretar.

Mas o filme se justifica pelo momento em que colocam as testas um no outro e dançam “The carioca”, a primeira de muitas vezes em que encantariam o mundo nos anos seguintes.

Flying Down to Rio. Estados Unidos, 1933. Direção: Thornton Freeland. Elenco: Dolores Del Rio, Gene Raymond, Raul Roulien, Ginger Rogers, Fred Astaire.

RON BUGADO
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 5
Onde ver (em 12/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Disney Plus.

Amizade digital ou analógica?

Animação bem antenada com o nosso tempo de mídias sociais e assistentes pessoais de inteligência artificial, Ron Bugado é uma animação muito competente e divertida que parece ter ficado meio escondida diante da enxurrada de filmes do gênero lançadas todo ano. Tendo a Disney a própria Walt Disney Animation Studios e a Pixar, o lançamento da 20th Century Studios (ex-Fox e comprada pelo conglomerado do Mickey) passou meio despercebido.

Mas é ótimo. O cenário é do lançamento de uma “alexa-robô-smartphone” que todos os pré-adolescentes passam a ter. Um R2D2 particular conectado à internet que grava e posta vídeos, dá match em redes sociais, se costumiza automaticamente e acompanha a criança por onde ela for. O “Steve Jobs” que criou os B-Bots pretende que ele ajude os jovens a encontrar facilmente pessoas parecidas e fazer amigos. Mas elas acabam cada vez mais mergulhadas nesse mundo digital.

O impopular e solitário Barney não tem um B-Bot. Quando ganha um, ele vem com defeito. Essas limitações, porém, fazem com que a máquina é que se torne o amigo que Barney precisa. ele não é conectado à rede, por exemplo, e muita da convivência dos dois é puramente analógica.

O filme traz bons comentários sobre corporações digitais (os robôs em rede são usados para captar informações dos usuários), popularidade virtual, falsa originalidade que, na verdade, é comportamento de manada.

A narrativa cai na rotina um pouco quando entra em cena um plano de invasão da corporação, mas, até lá, e também depois disso, é tudo muito bem contado, com bons personagens e um traço muito simpático.

Ron’s Gone Wrong. Estados Unidos/ Reino Unido, 2021. Direção: Sarah Smith e Jean-Philippe Vine. Co-direção: Octavio E. Rodriguez. Vozes na dublagem original: Jack Dylan Grazer, Zach Galifianakis, Ed Helms, Olivia Colman, Justice Smith, Rob Delaney. Vozes na dublagem brasileira: Agyei Augusto, Heitor Assali, Marcelo Serrado, Cecília Lemes, Sérgio Malheiros, Rodrigo Araújo.

A SETE JOGOS DA GLÓRIA
⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 4
Onde ver (em 11/01/2024) – Mídia física: DVD (na Coleção Copa do Mundo Fifa 1930-2006, da Abril Coleções). Streaming: Fifa Plus.

Retrospectiva do penta

A Fifa tem a tradição de produzir um documentário em longa-metragem sobre suas edições da Copa do Mundo desde o torneio de 1954. Geralmente são filmes corretos, que contam a história da competição daquele ano. A comparação ficou difícil depois de Todos os Corações do Mundo, o filme da Copa de 1994, dirigido pelo brasileiro Murilo Salles e com uma forte presença de brasileiros no apoio, e que é cheio de vida, humor, aventura, drama e beleza, nitidamente inspirado nos clássicos cinejornais do Canal 100.

Oito anos depois, este A Sete Jogos da Glória conta a Copa de 2002, quando o Brasil conquistou o penta. Como os demais da série, não é um mau filme, é uma boa retrospectiva daquela Copa, com belas imagens. Mas não avança muito mais do que isso. Nem todo filme consegue ser Todos os Corações do Mundo.

Em todo caso, é sempre bom rever o caminho do penta e o embate final entre Ronaldo buscando a volta por cima após 1998 e Oliver Kahn, o mal encarado melhor goleiro da Copa, é uma história bem boa.

Seven Games from Glory – The Official Film of the 2002 Fifa World Cup Korea/ Japan. Reino Unido, 2002. Direção: Não creditada. Narração: Robert Powell.

SÓCIOS NO AMOR
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 3
Onde ver (em 08/01/2024) – Mídia física: DVD (no digipack Ernst Lubitsch, da Obras-Primas). Streaming: Não disponível no Brasil.

Safadeza elegante

É uma pena que um cineasta como Ernst Lubitsch seja tão pouco conhecido das novas gerações. A falta de sensibilidade artística para se apreciar o cinema clássico faz com que muita gente se prive de uma delícia como Sócios no Amor.

A comédia-romântica é atrevidinha e chique ao mostrar a relação de idas e vindas entre uma cartunista e dois amigos, artistas pés-rapados: um pintor e um dramaturgo. Todos americanos em Paris. É um grande exemplo do que ficou conhecido como “Lubitsch touch”. o “toque de Lubitsch”.

O que é esse “Lubitsch touch” é difícil definir. É um tipo de “safadeza elegante”, digamos assim, convidando o espectador a preencher as lacunas e desvendar (sem muito esforço) o que é sugerido. O diretor alemão em Hollywood dava umas estocadas alegres no puritanismo americano naquele período. No ano seguinte, os estúdios americanos implantariam sua autocensura, o Código Hays, e ser safadinho como Lubitsch ficou difícil (de fato, o filme foi até impedido de ser relançado anos depois).

Mas em 1933 ainda dava para brincar com mais liberdade, então Sócios no Amor tem esse começo que já é exemplar do que será o filme. Dois caras cochilam sentados numa cabine de trem, um deles com as pernas estendidas no banco do outro lado. Uma mulher entra, senta-se de frente para eles, e, interessada pelos rostos deles, começa a desenhá-los.

O segundo sujeito, ainda dormindo, também estende as pernas para o outro banco e a mulher fica sentada entre os dois pares de pernas. Depois de desenhar, ela também pega no sono e coloca as pernas no outro banco, entre os dois rapazes. Uma grande sequência sem diálogo e que passa uma ideia, não?

Porque a partir daí, os dois (Tom e George, vividos por Fredric March e Gary Cooper) vão meio que disputar, mas – mais que isso – conviver com o amor de ambos pela moça (Gilda, papel de Miriam Hopkins). E com o amor dela pelos dois!

O roteiro é de Ben Hecht, que levou a velocidade espontaneidade do jornalismo para os scripts de Hollywood, adaptado de uma peça de Noel Coward, o autor inglês mestre das comédias sofisticadas.

O filme então dedica-se a mostrar esse arranjo acontecendo, com os dois artistas dividindo um muquifo e a mulher fazendo-os trabalhar para ter sucesso. O humor vem tanto do relacionamento em si quanto da falta de dinheiro (quando ela se atira dramaticamente no divã do apartamento deles, a poeira sobe). Mas depois acompanhamos seguidas viradas na trama, com mudanças de país e personagens saindo de cena por um tempo e depois retornando. E cada retorno é um prazer porque o trio principal, mais Edward Everett Horton como quarto elemento, está ótimo.

Hoje a naturalidade com que Gilda transita entre seus dois amores é banal, mas lembre-se que estamos falando de um filme de 1933. Uma mulher (e nem é uma “femme fatale”, nem nada) amando abertamente dois homens, se relacionando com eles ao mesmo tempo naturalmente, com sexo claramente envolvido, é puro Lubitsch. E também puro “pre-code”, o cinema mais livre praticado nos EUA antes do Código Hays).

Design for Living. Estados Unidos, 1933. Direção: Ernst Lubitsch. Elenco: Miriam Hopkins, Fredric March, Gary Cooper, Edward Everett Horton, Jane Darwell.

LEO
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 2
Onde ver (em 06/01/2024) – Mídia física: Não disponível no Brasil. Streaming: Netflix.

“Estranho, não é? A vida de um homem toca em tantas outras vidas”. Essa frase é dirigida a George Bailey em A Felicidade Não Se Compra, mas poderia ser dita ao lagarto-título de Leo. A animação capitaneada por Adam Sandler (que interpreta o protagonista, além de ser co-roteirista e produtor) tem esse ponto em comum com o clássico de Frank Capra: seu personagem principal é um George Bailey com escamas.

Como o personagem icônico de James Stewart, Leo deseja muito deixar o lugarzinho onde vive e conhecer o mundo, mas, sempre que está a um passo de realizar esse sonho, abdica dele para ajudar alguém. Só que, em vez de Bedford Falls, é um terrário numa sala de aula da quinta série em uma escola da Flórida.

O trailer engana porque dá a entender que o filme é só sobre o velho lagarto em fuga porque quer viver de verdade antes de bater as botas (ele está há décadas confinado no terrário). Na verdade, ele tenta aproveitar a tarefa de ser levado semanalmente para a casa de um aluno diferente para escapar, mas acaba deixando o plano de lado para ajudar a criança da vez com os problemas e ansiedades dela, conversando com ela e escutando-a. E isso é que é o filme de verdade.

Então, Leo acaba sendo mais terno e menos bobalhão que as comédias normais de Adam Sandler, possui uma animação agradável e boas (e rápidas) canções sobre essas ansiedades infantis. Evita ser épico para buscar uma identificação maior com seu público.

A dublagem brasileira acerta também ao escalar Alexandre Moreno, dublador-mor de Adam Sandler por aqui, para o papel de Leo. É sempre bom quando o costumeiro dublador brasileiro de um ator faz a voz mesmo numa animação.

Austrália/ Estados Unidos, 2023. Direção: Robert Marianetti, Robert Smigel e David Wachtenheim. Vozes na dublagem original: Adam Sandler, Bill Burr, Cecily Strong, Jason Alexander, Rob Schneider. Vozes na dublagem brasileira: Alexandre Moreno, Mario Jorge Andrade, Mariangela Cantú, Júlia Freitas.

O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
ou STAR WARS – EPISÓDIO V: O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
ou STAR WARS – O IMPÉRIO CONTRA-ATACA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 1
Onde ver (em 05/01/2024) – Mídia física: DVD (da Fox e da Disney), blu-ray (da Disney). Streaming: Disney Plus.

Urgente e sensacional

Há alguns anos, escolho para primeiro filme do ano um que eu ame muito. Desta vez a escolha caiu sobre o capítulo do meio da trilogia original de “Guerra nas Estrelas”, porque combinou de Arthur ter visto o primeiro no fim do ano passado (e, vale sempre a pena frisar, começamos como todo mundo deveria começar: pelo “Guerra nas Estrelas” original).

O filme é o que parece ter menos sofrido com as alterações digitais feitas por George Lucas ao longo dos anos, ao sabor dos sucessivos relançamentos em diversas mídias. Não que não haja, apenas o filme foi mais poupado de más intervenções que “Guerra nas Estrelas” (ou, vá lá, “Uma Nova Esperança”) e “O Retorno de Jedi”.

Assim, o filme flui sem sobressaltos, aproveitando-se de que a ambientação e os personagens principais já estavam apresentados no anterior para dividir a história em duas subtramas que vão se encontrar lá na frente. Enquanto Luke Skywalker vai em busca do antigo mestre jedi Yoda para continuar seu treinamento, seus amigos Han Solo, Leia, Chewbacca e C-3PO são caçados implacavelmente pelo Império espaço afora.

É mais do que nunca o espírito dos velhos seriados de cinema de Flash Gordon. “Nossos heróis escaparão? Veja na próxima semana!”. Isso está no DNA de Star Wars (além das adições que a gente sabe dos faroestes, filmes de samurai de Akira Kurosawa, capa-e-espadas, etc). Porém no primeiro filme ainda não havia a certeza de que haveria sucesso e, a partir dele, continuações. Então, havia ali um fechamento da trama em algum nível: se não houvesse outro filme, aquela história estava encerrada e pronto. Agora, não havia dúvidas de que o terceiro filme viria, então houve o conforto de deixar o final em aberto mesmo, deixando o público em suspenso até o que viria ser O Retorno de Jedi. Mas o “veja na próxima semana” virou “veja daqui a três anos”.

O final reflete o que é O Império Contra-Ataca: tudo é intenso, urgente, veloz e sensacional, começando com a história em andamento, terminando com a história em andamento e culminando naquela que é uma das maiores revelações da história do cinema, arruinada por algum novato que decida se iniciar pela trilogia-prelúdio.

Estados Unidos, 1980. Direção: Irvin Kershner. Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, James Earl Jones (voz), Alec Guinness, Billy Dee Williams, Anthony Daniels, David Prowse, Kenny Baker, Frank Oz (voz e manipulação de boneco), Peter Mayhew, Jeremy Bulloch, Julian Glover, Clyde Revill (voz), Treat Williams.

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