POBRES CRIATURAS
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2024: 22
Onde ver (em 26/02/2024) – Em cartaz nos cinemas

Imaginando a liberdade total

O que seria uma mulher totalmente livre? Sem as amarras e opressões comportamentais impostas a ela através dos séculos? Dando vazão sem freios a seus prazeres e pensamentos? Parece ser esta a premissa da qual parte Pobres Criaturas, 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, direção e atriz.

Para isso, o diretor Yorgos Lanthimos e o roteirista Tony McNarama (a partir do livro de Alastair Gray) resolvem partir do zero: uma mulher com mente de criança, aprendendo tudo e sem qualquer noção sobre o que é “adequado”.

Muito já se falou e escreveu sobre as relações dessa história com o Frankenstein, de Mary Shelley (bem resumidamente, a protagonista Bella Baxter também é uma morta trazida de volta à vida, sem memórias do passado). E sobre essa postura feminista do filme, no qual Bella não só vai atrás do que deseja como desenvolve seu intelecto através de questões intelectuais e filosóficas.

E o filme ainda faz isso com um visual arrebatador, com cenários e direção de arte fantásticos, lentes para distorcer o que se vê, e sem ser tatibitati (Barbie deu muito azar em ter este filme lançado no mesmo ano…). Lanthimos, um diretor que não tem medo do bizarro, fez um filme esquisito e saboroso, muito engraçado mesmo.

Emma Stone tem possivelmente a performance física do ano, sobretudo pela movimentação desengonçada de sua personagem (e, sim, também pela entrega nas cenas de nudez e sexo – ela tem reclamado que só perguntam sobre isso, e, se é isso mesmo, ela tem toda a razão). Como parceiro de cena, Mark Ruffalo está perfeito, em outra grande atuação: engraçadíssimo na sua desfaçatez e, depois, patetice.

E em seu roteiro o filme vai a lugares inesperados, acompanhando Bella em suas descobertas e autodescobertas pelo mundo. Lisboa e Paris aparecem como ilustrações muito mais do que como cidades reais. Ainda assim, os lugares inesperados são muito mais os caminhos da história, que parecem navegar sempre em frente, do que um local físico. Pobres Criaturas consegue essa proeza: a de ser surpreendente sem parecer pedante e poderia seguir um rumo trágico (Bella poderia ser tragada pela sociedade, destruída), mas tem a disposição de fazer rir.

É bom não esquecer isso, porque isso costuma ser subestimado e não tem se falado isso tanto quanto o parentesco com Frankenstein, o enfoque da liberdade da mulher ou a nudez e o sexo: Pobres Criaturas é uma comédia, e das boas.

Poor Things. Irlanda/ Reino Unido/ Estados Unidos/ Hungria, 2023. Direção: Yorgos Lanthimos. Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Rami Youssef, Vicki Pepperdine, Hanna Schygulla.