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Em um ano com Godard em 3D, o novo da Pixar e o novo Guerra nas Estrelas tem que ter espaço nos destaques para Snoopy & Charlie Brown – Peanuts, o Filme, que a Blue Sky lança em novembro. Eu não posso deixar de sorrir a cada trailer. Mais um foi lançado hoje.

Nhô_Quim

Há 145 anos, Angelo Agostini publicava na Vida Fluminense “As Aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Noite”, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira. Agostini foi um italiano que seguiu a carreira de cartunista no Brasil desde o começo da Guerra do Paraguai. É nome seminal da HQ brasileira: 30 de janeiro passou a ser, desde 1984, o Dia do Quadrinho Nacional e um dos principais prêmios de quadrinhos no Brasil leva o nome de Angelo Agostini.

Guido Crepax

O quadrinista italiano Guido Crepax nasceu há 80 anos, em 1933. Sua obra máxima, claro, é Valentina, a sensual personagem com penteado a la Louise Brooks criada em 1965, sempre envolvida em aventuras eróticas e psicodélicas, bem no espírito da década. Crepax publicou vários álbuns com a personagem, que ia envelhecendo com as histórias – a última foi publicada em 1995. Valentina gerou um filme em 1973 (Baba Yaga, baseado no álbum de 1971) e uma série de TV em 1989. Crepax morreu em 2003.

Em história desconcertante, Horácio encara o futuro de sua espécie

Em história desconcertante, Horácio encara o futuro de sua espécie

Quando os dinossauros andavam sobre a Terra, um deles era dado a pensar sobre os mistérios da vida e do mundo. Pelo menos é assim na visão de Mauricio de Sousa, criador do Horácio, seu personagem mais pessoal: até hoje, ao contrário de seus outros personagens, Mauricio é o único que desenha e escreve as histórias do dinossaurinho verde. Agora, estes fortes tempos autorais estão de volta com Horácio e Seus Amigos Dinossauros – Vol. 1 (2013), o primeiro de uma série que pretende republicar todas as páginas dominicais estreladas pelo personagem.

“Horácio, pra mim, é uma série atemporal”, contou ao CORREIO. “Vai sair agora em álbuns e, no futuro, continuará sendo publicado ou animado com os mesmos resultados de público. Não segue a linha popular da Mônica. mas é marcante”.

Este primeiro volume compila quadrinhos que saíram originalmente entre 1963 e 1965 – ou seja, comemora 50 anos da série – e, de fato, eles têm uma outra pegada – muitas vezes surpreendente. “É a divulgação dos meus tempos de exercícios com temas não usuais em histórias lançadas originalmente em publicações dirigidas às crianças”.

Lucinda, eterna pretendente, estreia logo nas primeiras páginas

Lucinda, eterna pretendente, estreia logo nas primeiras páginas

Já nos primeiros domingos, a série fugiu da piada pura e simples. Há bastante humor, claro, mas Mauricio trocou piadas fechadas por páginas seriadas que duravam várias semanas (a história mais longa da edição durou 19 semanas, ou seja: quase cinco meses!). E os temas combinavam o suspense do “próximo capítulo” e um tom bem presente de mistério.

“Não foi planejado”, diz o autor, revelando que o Horácio era produzido sob pressão. “Como, no estúdio, o Horácio ‘sobrava’ pra mim (para roteiro e desenho) e eu andava sempre muito ocupado, deixava a produção das suas páginas para a última hora. Entregava a página semanal, em alguns casos, duas horas antes do fechamento do prazo do jornal – o suplemento infantil Folhinha de São Paulo. Não tinha tempo de elocubrar muito, planejar melhor a história e seu desenvolvimento. Consequentemente as ideias tinham que brotar na hora e serem resolvidas no ato. Então eu tinha que ousar”.

As dificuldades acabaram fazendo brotar um trabalho genial. “Começava a escrever e desenhar a página sem planejamento. Desenvolvia a história à medida que brotavam figuras e textos. Ia ‘vivendo’ as situações, com a responsabilidade de encontrar a fala seguinte, a ação imediata. Saindo da ideia estopim, passando para o meio e rezando para chegar com coerência a um desfecho no fim de uma página ou de uma sequência de páginas”, recorda. “Se eu acreditasse em produção psicografada, diria que o que acontecia – uma vez por semana, às quintas-feiras – era algo mais ou menos parecido. E isso durante quase 30 anos”.

Mastodontes defendem sua "pureza racial": uma surpreendente referência ao nazismo

Mastodontes defendem sua “pureza racial”: uma surpreendente referência ao nazismo

Daí surgiram tramas que sempre partiam da solidão algo chapliniana do Horácio para fazê-lo ser forçado a se casar, ser levado ao espaço e lidar com árvores que ganham consciência e planejam a dominação do mundo. O lugar do nascente ser humano no planeta volta e meia e tema de observação. E, em outra história, o dinossauro pensa que é um mastodonte e é discriminado por outros que defendem uma “pureza racial” – é bom lembrar que as HQs são de 1963, e o nazismo havia levado o mundo à II Guerra menos de 25 anos antes.

Mas as duas tramas mais surpreendentes mostram Horácio sendo capturado pelos napões, um povo que viveu feliz tanto tempo que passa a desejar que algum animal os devore e aterrorize, e sendo levado a encarar o futuro de sua raça por uma névoa mágica que prevê o futuro.

Mauricio também já tinha criado o Piteco, mas tinha um interesse especial menos pela pré-história do que pelos quadrinhos que a usavam como cenário. “Histórias sobre a pré-história e suas figuras rotineiramente mostradas em muitas histórias em quadrinhos do passado me pareciam muito interessantes. Mas dezenas de outros temas também me eram interessantes”, diz, falando com sinceridade sobre sua opção pelo cenário. “Talvez o que me levou a ir buscar a ambientação pré-histórica foi, mais uma vez, minha falta de tempo. Produzia demais, varava noites criando, desenhando. Então, quando fiz meu planejamento de personagens e ambientes que deveriam compor a variedade de gêneros que eu necessitava para fazer frente à concorrência estrangeira, pensei numa história que não me obrigasse a usar cenários detalhados, sofisticados, com carros, edifícios, vestuário. Fui buscar no barroco dos traços soltos o estilo que eu tinha tempo de fazer com traços rápidos. E quando fui dividindo o trabalho com a equipe, fiquei com a opção Horácio”.

Os napões: após anos pacíficos, desejam simplesmente ser devorados por um predador

Os napões: após anos pacíficos, desejam simplesmente ser devorados por um predador

A maior parte dessas histórias não é vista desde sua publicação original. Algumas foram redesenhadas para caber nas revistas Mônica e Cebolinha nos anos 1970 (incluindo uma atualização dos traços dos personagens) ou na edição especial que leva o mesmo nome que essa e foi publicada em 1993.

Mauricio conta, também, que deseja voltar a escrever e desenhar o Horácio – o que a atividade na condução da Mauricio de Sousa Produções e a aprovação de roteiros tem impedido já há algum tempo. “Realmente ando com sede e fome de voltar a criar novas situações para meu dinossaurinho verde”, revela. “Tenho pensado em muitos temas. E todos  estão à espera de um processo de delegação em curso no estúdio. Pretendo me afastar de algumas atividades internas – já estou treinando meus segundos nessas áreas – para voltar a criar. Principalmente agora, às voltas com o início da produção de um longa metragem em 3D do Horácio. E empurrado pela publicação da série de álbuns com suas primeiras histórias”.

HORÁCIO E SEUS AMIGOS DINOSSAUROS - VOL. 1, de Mauricio de Sousa. Panini Books, 168 páginas. R$ 46.

HORÁCIO E SEUS AMIGOS DINOSSAUROS – VOL. 1, de Mauricio de Sousa. Panini Books, 168 páginas. R$ 46.

Veja a linha do tempo publicada na edição deste domingo do Caderno 2 do Correio. E, abaixo, a entrevista que fiz com Mauricio de Sousa sobre a personagem:

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Qual o principal momento na trajetória da Mônica, como personagem, para o senhor? A publicação da primeira revista em 1970, a homenagem de quadrinistas de todo o mundo nos 30 anos…
Sem dúvida a primeira revista publicada. É o sonho de todo desenhista ter seus personagens em uma publicação de banca. O personagem já era popular pelas publicações em jornais e aparições nos desenhos comerciais da cica. A revista saiu no tempo certo.

Existe uma “tradição” nos seus personagens de coadjuvante tomarem o lugar dos protagonistas. Caso do Chico Bento e do Horácio. Em que momento o senhor percebeu que era a Mônica – e não o Cebolinha – a personagem principal da série?
 Tem personagens que o público adota e quer ver mais. Foi assim com a Mônica. Os leitores viviam pedindo mais historinhas com ela. Então ganhou cada vez mais destaque até a série virar Turma da Mônica e não Turma do Cebolinha. Talvez por isso ele viva bolando seus planos infalíveis para voltar ao poder na rua.
Como o senhor lidou com sua filha enquanto o sucesso da personagem ia crescendo?
Até que ela entrou na escola, eu evitava passar pra ela informações sobre o personagem e seu sucesso crescente. Mas um dia ela descobriu tudo pela boca das coleguinhas de classe. Daí me questionou. Eu confirmei e durante muito tempo ela aceitava bem o sucesso do personagem e do pai… mas se recusava a reconhecer seu gênio forte e pavio curto. Hoje, quando a Mônica personagem já está mais suave, mais feminina, ela já aceita a situação.
Em que medida o ‘politicamente correto’ tem causado problemas para a criação das histórias (que eram muito mais livres tempos atrás)?
O Cebolinha não desenha mais nos muros. desenha em papel e cola nos muros ou paredes. a Mônica suavizou as coelhadas. o nho lau não usa mais espingarda… São algumas das transformações no comportamento e hábitos dos personagens através dos anos. Mas tudo isso foi resultado de uma conscientização dos leitores, nossa, da população em geral. Que foi se instalando nos hábitos e na consciência de todos nós. O chamado politicamente correto já é outra coisa, com um viés mais radical e coercitivo. Da forma como se estabelece, às vezes cerceia criatividade e espalha insegurança. Vale mais seguirmos o bom senso e os conhecimentos que nos chegam.
Depois do sucesso da Mônica Jovem, foi anunciada a intenção de uma série da Mônica adulta. O que o senhor pode adiantar sobre isso?
Esse é um projeto para daqui uns 3 anos quando teremos uma equipe montada para desenvolver uma série ao estilo folhetim. Com os personagens vivendo situações do tempo em que vive o leitor. Planejamos uma série onde os personagens envelheçam com o leitor. Vivam sua realidade social, política, econômica. Tudo temperado com muito humor e criatividade.

Mônica é, hoje, diretora comercial da Mauricio de Sousa Produções (foto: Bruno Honda Leite/ Divulgação MSP)

Ela tinha apenas dois anos e andava para lá e para cá pela casa agarrada ao seu coelho de pelúcia (amarelo) quando seu pai, o desenhista Mauricio – que estava tentando criar figuras femininas para suas tiras de jornal -, se inspirou nela, criando a personagem de quadrinhos mais conhecida do Brasil. Mônica, a personagem, completa 50 anos no ano que vem. E Mônica Sousa, a filha do Mauricio e hoje diretora comercial da Mauricio de Sousa Produções, falou ao CORREIO sobre seu “relacionamento” com a versão de papel e adiantou alguma coisa do que virá no ano do cinquentenário.

Em 1963, Mauricio de Sousa estava em plena ascenção como quadrinista, mas foi alertado para o fato de que, em suas tiras, não havia personagens femininas. A solução, ele encontrou dentro de casa, inspirando-se nas filhas e suas personalidades: Magali, Mônica e, a mais velha, Mariângela (que virou a Maria Cebolinha, irmã do Cebolinha).

Com dois anos ela, claro, não tinha a menor ideia do que viria pela frente. Ela começou a se dar conta de que tinha virado uma personagem de HQ na escola. “Nas reuniões de pais e mestres as pessoas reconheciam o meu pai, mas eu não entendia a proporção daquilo”, conta. “Comecei a entender quando comecei a frequentar programas de televisão com meu pai”.

Na época em que inspirou o personagem, com seu coelhinho original (amarelo!). (foto: Arquivo pessoal/ divulgação MSP)

Mas se a Mônica dos quadrinhos não aguenta ser chamada de “baixinha, gorducha e dentuça”, é de se esperar que a de verdade também se irritasse com as infalíveis brincadeiras dos amiguinhos ao ser comparada com a personagem. “Chegou uma fase pré-adolescente em que eu não gostava muito, não”, confessa, rindo. “Mas eu tenho um relacionamento muito bom com a personagem”.

Mônica Sousa, hoje com 51 anos, começou a trabalhar nas empresas do pai como vendedora em uma das antigas Lojinhas da Mônica. “Comecei na Lojinha da Mônica da Paulista com a Augusta, como vendedora”, conta. “Éramos eu, a Magali e a Mariângela. Eu fazia faculdade de Desenho Industrial, na época, mas apaixonei pela área comercial”. Ela se tornou assistente de gerente e, de lá, foi para a Mauricio de Sousa Produções como gerente comercial.

“Fui gerente de produtos por mais de dez anos”, completa. Ela atendia o segmento de alimentos, um dos vários em que a marca da Turma da Mônica aparece estampada em produtos – uma ação de merchadising extremamente bem realizada por Mauricio de Sousa já desde os anos 1960 e que, em uma via de mão dupla, ajudou a popularizar ainda mais os personagens. Agora, Mônica está há 11 anos na direção comercial e licenciamento da empresa. “É muito fácil trabalhar em uma empresa em que você acredita no que está fazendo”, afirma, lembrando a filosofia para a aprovação dessas parcerias: “Produtos que nós daríamos para os nossos filhos”.

O primeiro coelho, amarelo, presente da madrinha, não existe mais. Mas o segundo, azul, sim. “Ele tá bem acabadinho”, diz ela. “E o amarelo vai ser relançado no ano que vem”. É só uma das muitas ações já planejadas para o cinquentenário da Mônica.

Ela não gostava muito de ser comparada à personagem na pré-adolescência. “Mas temos um bom relacionamento”, diz. (foto: Marcela Beltrão/ Divulgação MSP)

Produtos clássicos voltarão às lojas: a primeira boneca da Mônica, de vinil, lançada pela Troll nos anos 1970, a Estrelinha Mágica lançada pela Tec Toy na esteira do filme de 1988. “Também tem uma boneca da Mônica que trocava o rostinho”, adiciona ela. “Sairão quatro livrões. Um deles, com todas as capas de aniversário até agora – todas as vezes em que ela fez sete anos. E estamos pensando em um com ilustradores internacionais”. E ela continua: “Vai ter uma exposição no MuBE, em maio”, adianta Mônica, referindo-se ao Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo – onde também aconteceu a exposição dos 50 anos de quadrinhos de Maurício de Sousa, em 2009. “Além de atividades nas redes sociais”.

É a preparação de um aniversário e tanto. De certa forma, não deixa de ser mais um aniversário também para a Mônica de verdade. “Acho que foi um presente que ganhei ter sido a filha inspiradora da personagem. Eu só tive sorte do meu pai fazer esse desenho”.

Mais:

Entrevista com Mauricio de Sousa (em quatro partes)
Mauricio fala sobre Osamu Tezuka
– Entrevista com Sidney Gusman, editor do Universo HQ e do álbum MSP 50.
– Meu presente de casamento feito pelo Mauricio!
– Crítica do MSP 50
– Crítica de Turma da Mônica – Romeu e Juleta
– Crítica de Bidu – 50 Anos
– Assista o Comic Show sobre Maurício de Sousa

Com “Lôcas”, “Love and Rockets” volta a ser publicada no Brasil

Se hoje há um cenário independente importante nos quadrinhos americanos, muito se deve a Love and Rockets. A revista capitaneada pelos irmãos Gilbert e Jaime Hernandez mostrou que existia uma via a percorrer onde autores poderiam ter toda a liberdade na condução de uma história – e se divertir, divertindo os leitores no processo. Agora, Love and Rockets retorna ao Brasil através do álbum Lôcas – Maggie, a Mecânica (Gal Editora, 152 páginas), que compila as primeiras histórias de uma das séries que compunham Love and Rockets: Hopper 13 (ou Locas), de Jaime Hernandez.

O primeiro volume de Love and Rockets é de 1981. E teve 50 edições até 1996, com a colaboração ocasional de outro dos irmãos Hernandez, Mario. Neste ano, Gilbert e Jaime passaram a publicar seus personagens separadamente, até o retorno, em 2001, para Love and Rockets  – Volume 2. A essa altura a série já estava consagrada como um clássico dos quadrinhos – de qualquer estilo.

Jaime Hernandez conversou por e-mail sobre Lôcas, as aventuras de duas garotas comuns – Maggie e Hopey – envolvidas às vezes com um cotidiano bastante comum e, em outras, com situações fantásticas. Ele conta, também do que ama o filme Orfeu Negro e gosta de outras coisas no Brasil. “Como poderia não gostar do Zé do Caixão?”, pergunta.

***

Hopey e Maggie: as “Betty e Verônica” de Hernandez em “Lôcas”

Quando Love and Rockets começou, o mercado de quadrinhos nos Estados Unidos era muito diferente. O que você acha que mudou nos quadrinhos independentes desde então?

Difícil dizer, porque realmente não havia muito de um mercado de quadrinhos independentes, na época. 30 anos depois, há um grande número de artistas que fazem o trabalho em seus próprios termos, do seu próprio jeito. Agora, mais do que nunca na história dos quadrinhos.

As primeiras histórias de Lôcas estão sendo publicadas agora no Brasil. O que você lembra sobre o que os primeiros passos da série?

O que mais me lembro é que eu estava me divertindo muito. Não havia regras e ninguém para nos dizer o que não fazer.

Fale um pouco sobre Maggie e Hopey. Como você criou as meninas?

Eu queria criar minhas próprias Betty e Veronica (personagens da série em HQ Archie). Minhas próprias Lucy e Ethel (personagens da série de TV I Love Lucy). Minhas próprias Abbott e Costello. Duas amigas para escrever sobre. Duas personagens para metralhar diálogos. Eu também estava encantado com o estilo e a atitude das meninas punk do sul da Califórnia naquela época.

As garotas e seus problemas: do aluguel atrasado a… dinossauros!

Seus irmãos e você discutem ideias? Ou cada um trabalha em suas próprias histórias?

Trabalhamos em nossas próprias histórias, mas conversamos uns com os outros sobre elas de vez em quando.

Você colocou Orfeu Negro em uma lista de seus filmes favoritos. Talvez saiba que este filme é inspirado em uma peça de teatro brasileira de Tom Jobim & Vinicius de Moraes.

Meu irmão me mostrou há alguns anos e eu amei. Eu tenho um DVD dele e vejo de vez em quando. Eu adoro a forma como a música dá o tom de uma parte da história.

O que mais você sabe sobre o Brasil?

Outro filme favorito meu é Pixote. Levei anos para conseguir um DVD, mas finalmente consegui. Esse ainda me bate pra valer quando assisto. E, naturalmente, há o Zé do Caixão. Como poderia não gostar do Zé do Caixão?

* Publicada no Correio da Paraíba, em 12 de agosto de 2012

Liniers: quinto álbum de ‘Macanudo’ no Brasil e exposição no Rio

Desde a Mafalda de Quino um quadrinho argentino não alcançava uma razoável popularidade entre os leitores brasileiros. Mas outra garotinha portenha também vem ganhando cada vez mais fãs, embora dividindo o protagonismo de sua tira com outros personagens engraçados e comoventes. Enriqueta faz parte do elenco de Liniers, o quadrinista argentino que se tornou um dos mais importantes nomes da HQ na América Latina. Ele acaba de ter lançado no Brasil o quinto volume da coletânea de sua tira Macanudo e uma exposição no Rio está celebrando sua obra através dos originais do artista.

O quadrinho argentino tem forte história no país vizinho e vai bem além de Quino e Liniers. No Brasil já saíram tiras de Gaturro e, recentemente, a clássica ficção científica El Eternauta. O sucesso de Macanudo pode estar fazendo parte de uma aproximação maior entre os dois países nessa área. “Espero que sim”, disse Liniers, ao CORREIO, do Rio, onde esteve para a abertura da exposição Macanudismo. “Eu teria gostado muito de ler Angeli ou Laerte na minha adolescência. Tomara que livros, música, cinema, tudo pule estas fronteiras com mais facilidade”.

Fellini e Enriqueta: humor e amor pelos livros

Macanudo (que quer dizer algo como “bacana” ou “legal”) é publicado originalmente no jornal La Nación, de Buenos Aires, desde 2002. Começou a se tornar popular no Brasil ainda pela internet e chegou a ser publicada na Folha de S. Paulo. Os álbuns chegaram às livrarias por aqui em 2008. Em 2010 foi lançado Bonjour, produção anterior de Liniers, que saía semanalmente em Página 12.

Foi a quadrinista Maitena, autora de Mulheres Alteradas (cuja série também foi publicada no Brasil), que o levou à mudança da tira semanal para a nova série diária. E o que começou em Bonjour, ele firmou em Macanudo: não muitos personagens fixos, uma observação do mundo que se alterna entre o humor, a ternura e a melancolia, e o diálogo com a cultura pop.

O nonsense poético é marca forte do argentino

“Comecei Macanudo sem  saber para onde ela iria”, diz o quadrinista. “E ainda não sei para onde vai. O trabalho de um artista é como uma viagem em que importa muito pouco o destino”. Ir com o vento explica a postura de não se prender demais aos personagens, mesmo os mais populares. “Macanudo muda sempre porque eu mudo sempre”, conta. “Estamos vivos, isso é mudar”.

Ele faz parte de uma geração de autores para jornal que desenvolveu uma narrativa onde a obrigação da piada nas tiras de humor diminuiu e o trabalho pode seguir outros caminhos, mais existenciais. “Desapareceram alguns preconceitos sobre esta forma narrativa”, avalia. “Acredito que isso faz com que o panorama seja muito mais variado e rico. Vale tudo!”

Liniers, pintando um painel na abertura da exposição “Macanudismo” (foto: Kadu Ferreira)

Suas sessões de autógrafo no Brasil são concorridíssimas. Isso se repetiu no volume 5, na abertura de Macanudismo (foram mais de 4h30 de autógrafos). “Pra mim a importância da obra de Liniers é conseguir fazer com que as pessoas tenham um momento de alegria e ternura – e também de nonsense e mistério – no seu cotidiano”, diz Bebel Abreu, pessoense que é a curadora da exposição que está na Caixa Cultural até setembro. “O fato de ele ser um autor absurdamente prolífico e generoso também me motivou a trazer a mostra para o Brasil”.

Ela conta que as redes sociais são uma demonstração da popularidade do artista argentino. “Percebemos que ele tem fãs ardorosos no Brasil, mas muita gente está conhecendo seu trabalho agora…”, conta ela. “Apostamos que a mostra vai levar seu trabalho a muitas outras pessoas que não tinham tido contato ainda. Tivemos grande alegria em sair com destaque nas mais diversas mídias cariocas e mesmo paulistanas. E pela primeira vez em muito tempo vejo as pessoas escrevendo em seus blogs e sites, muito mais bacana que copiar e colar o release, que é o que acontece em 90% dos projetos culturais”.

Para os paraibanos, a ótima notícia é que Macanudismo estará na Caixa Cultural Recife na sequência: de 18/9 a 18/11. Será uma oportunidade e tanto para apreciar ainda mais a obra de Liniers e suas influências confessas para personagens como a leitora voraz Enriqueta e seu gato Fellini, os pinguins, a vaca cinéfila, os duendes, o casal Lorenzo e Terezita, o misterioso homem de negro.

‘Macanudo’ 5 sai, mais uma vez, pela Zarabatana

“Muitíssimas influências”, confirma. “Não só de quadrinistas, mas também Woody Allen, Monty Python, (o escritor americano Kurt) Vonnegut, Bob Dylan, Chaplin, Steinbeck e Stephen King!”. A lista continua com os argentinos admirados por ele. “Adoro artistas como Maitena, Quino, Fontanarossa, Caloi, Max Cachimba, Solano López, (Carlos) Trillo, (Horacio) Altuna, (Carlos) Nine… É uma lista muito longa”.

Uma grande combinação para criar esse clima de nonsense e mistério desta obra-prima que é Macanudo.

Sem pensar muito e sem uma ordem específica.

Holly Golightly

“Se eu conseguisse encontrar um lugar para morar que me fizesse sentir como na Tiffany’s então… então aí eu compraria alguns móveis e daria um nome ao gato!”

Scarlett O'Hara

RHETT BUTLER: “Já pensou em se casar só por diversão?”
SCARLETT: “Casamento, diversão? Fiddle-dee-dee! Diversão para os homens, você quer dizer”

Lulu

“Você vai ter que me matar para se livrar de mim”

Lucy Van Pelt

CHARLIE BROWN: “Bem, Lucy, a vida tem seus altos e baixos, você sabe.”
LUCY: “Mas por quê? Por que deveria? Por que minha vida não pode ser toda de ALTOS? Se eu quer toda de ALTOS, por que não posso tê-los?… Por que não posso ir de um ALTO para outro ALTO? Por que não posso ir de ALTO para MAIS ALTO AINDA?… Eu não quero nenhum baixo! Eu só quero altos e altos e altos e altos!”

Lois Lane

CLARK KENT: “Eu não devia ter perdido a paciência.”
LOIS: “Bom, você tem esse direito. Eu perco a minha a cada… o quê?”
CLARK: “Três, quatro minutos”.

Louise Sawyer

“Voê vai deixá-la ir, seu imbecil de merda, ou eu vou espalhar sua cara feia por todo esse carro bacana!”

Annie Hall

ANNIE: “Às vezes, eu me pergunto como eu me sairia sob tortura.”
ALVY SINGER: “Você? Tá brincando? Se a Gestapo tomasse o seu cartão da Bloomingdale’s, você contaria tudo”.

Beatrice

DON PEDRO: “Para ser feliz, nada como você; porque, sem dúvida, nasceu em uma hora feliz.”
BEATRICE: “Não, sério, meu senhor, minha mãe chorou; mas certamente havia uma estrela dançando quando eu nasci”.

Hermione Granger

HERMIONE: “Agora, se vocês não se importam, vou para a cama antes que você surjam com outra ideia brilhante que nos mate. Ou pior, que nos faça ser expulsos”
RONY WEASLEY: “Ela tem que escolher melhor suas prioridades!”

Maria

“Sabe como a Irmã Berthe me manda beijar o chão toda vez que temos um desentendimento? Bem, ultimamente tenho beijado o chão toda vez que a vejo chegando, para ganhar tempo”.

Maria Alice

PAULO: “Se não fosse meu
o segredo do teu corpo
eu gritaria pra todo mundo.

De teus cabelos, agrestes
sob os quais faz noite escura.

Tua boca
que é um poço com um berço
no fundo onde nasci.

De teus dedos,
longos como gritos.

Teu corpo,
para compreendê-lo, Maria Alice,
é preciso muita convivência.

Teu sexo
um rio, onde navega o meu barco
ao vento de sete paixões.

Longo caminho,
poucos viajantes o percorreram impunemente.

E tua alma.
Tua alma é teu corpo, Maria Alice”.

½

Um filme com medo

Ryan Reynolds não tem culpa nos problemas do filme

Lanterna Verde (Green Lantern, EUA, 2011) é um filme de super-herói, mas lembra muito Guerra nas Estrelas (1977). Ele introduz um universo espacial, regido por um monte de conceitos novos com que o espectador tem que se familiarizar enquanto se maravilha com o visual e se diverte com a aventura. Infelizmente, muito pouco disso tudo acontece n0 filme do herói da DC Comics.

Enquanto o primeiro filme da saga de George Lucas é muito hábil (e confiante nessa habilidade) em ambientar o espectador, Lanterna Verde é bem desajeitado e medroso. Lucas começava a trama pelo meio da ação, após um letreiro que explicava só o básico do básico. A plateia só ia saber exatamente o que era um jedi, por exemplo, lá pelo meio do filme.

Já o filme de Martin Campbell sabe que há muita informação para passar, mas tem medo de deixar o espectador “perdido” e, portanto, “incomodado”. Precisa, então, começar com um texto em off que começa com o princípio dos tempos, diz o que é um lanterna verde, que há uma tropa deles, um planeta azul chamado Oa e serezinhos azuis que são os guardiões do universo, que forjaram anéis que dão forma ao pensamento de que o usa e… ufa! Se o público já estiver desinteressado no fim da introdução, quem pode censurar?

A história começa de verdade com um alienígena que vem parar na Terra, moribundo, e um piloto de aviões ousado no limite da irresponsabilidade, Hal Jordan (Ryan Reynolds). Como a iminente morte de seu portador, o anel recruta um substituto e esse é Jordan, escolhido por qualidade que nem sabe que tem. Uma delas é a força de vontade, necessária para sobrepujar o medo. E se um lanterna verde tem que vencer o medo, é irônico que o filme seja assim tão covarde.

Há vários outros aspectos que mostram bem isso. O filme teve medo, por exemplo, não só de centrar sua história na Terra, mas de não ser “espacial” o bastante – e exagerou. E, apesar de Peter Sasgaard ter sido elogiado no filme, seu vilão é descartado antes do clímax em prol de uma entidade que envovia perigo ao planeta inteiro (logo, efeitos visuais grandiosos), mas é bem menos convincente ou interessante.

Campbell, que tem no currículo três bem-sucedidas reinvenções cinematográficas de heróis (Zorro, em A Máscara do Zorro, 1998, e duas vezes James Bond, em 007 contra GoldenEye, 1995, e 007 – Cassino Royale, 2006), se perdeu na mitologia complicada do herói nos quadrinhos. Não administrou bem as informações, nem equlibrou devidamente humor e drama. E o visual é interessante, mas vai pouco além disso.

Mas há acertos também. Jordan é um herói que tem o que aprender e crescer. E é um personagem sem medo, a não ser um: o de não conseguir corresponder às expectativas dos outros. Ryan Reynolds não é um grande ator, mas tampouco compromete – não tem a menor culpa nos problemas que o filme apresenta.

No saldo de gols, Lanterna Verde não é o desastre que andaram falando, mas fica a desejar. Ou fica a desejar, mas não é o desastre que andaram falando. Depende de como você o encara.

Lanterna Verde. Green Lantern. EUA, 2011. Direção: Martin Campbell. Elenco: Ryan Reynolds, Blake Lively, Mark Strong, Tim Hobbins, Angela Bassett. Vozes na dublagem original: Geoffrey Rush, Michael Clarke Duncan.

Mike Deodato seguiu sua linha super-herói para uma reinvenção dramática do Anjinho

O Astronauta ganhou um impactante de Shiko

Klevisson Viana se inspirou no visual e narrativa dos folhetos de cordel para o Chico Bento

Para Ana Koehler, a Mônica continua gorducha depois que cresce

Carlos Ruas, do "Um Sábado Qualquer", transforma Cebolinha e Monica em Adão e Eva

Desenhista da Liga da Justiça, Ed Benes levou a turma, já crescida, à praia

Lederly Mendonça rebuscou o visual do Penadinho

Adão Iturrusgarai narra em primeira pessoa sua relação com a turma

Rogério Coelho também criou uma versão muito pessoal do Horácio

Will Leite apostou nas maluquices do Cebolinha e o Louco

Sam Hart surpreendeu na escolha: foi de Lorde Coelhão!

Estas aí acima são algumas das páginas já liberadas do MSP Novos 50, álbum que fecha trilogia MSP 50. O lançamento será na 15ª Bienal do Livro do Rio, que começa hoje, no Riocentro. O Maurício de Sousa estará lá, autografando a edição no estande da Panini – e outras coisas em estandes de outras editoras. Veja aí os dias e horários e mande um alô por mim se aparecer lá.

Sábado, dia 3
Verus (Record) – 13h às 15h
Globo – 16h às 18h
Girassol – 19h às 21h

Domingo, dia 4
Ave-Maria – 13h às 15h
Panini – 16h às 18h
Melhoramentos – 19h às 21h

Sábado, dia 10
Girassol (Record) – 13h às 15h
Melhoramentos – 16h às 18h
Panini – 19h às 21h

Domingo, 11
Ave-Maria – 13h às 14h30
Globo – 15h30 às 17h

Vocês já viram a capa no novo álbum, né?

Finalmente a HQ Mundo Fantasma será lançada no Brasil. A Gal Editora soltou na web um trailer do álbum, apostando firme nos elogios da imprensa especializada. Foi um dos marcos dos anos 1990, na ascenção do quadrinho independente americano – por alguma razão inexplicável, nunca havia saído no Brasil. O trailer é bem bonito, confiram:

E, aqui, uma resenha do Universo HQ sobre a edição original americana.

Em tempo: o quadrinho já rendeu um ótimo filme em 2001, que saiu por aqui como Ghost World – Aprendendo a Viver, e que já foi visto em DVD baratíssimo nas Americanas da vida. Com uma Scarlett Johnasson antes da fala e um roteiro indicado ao Oscar, aí vai o trailer:

A HQ vai pra estante, com certeza. O filme já está lá.

Conversei com o Veríssimo semana passada. Não sobre sua vida de cronista, mas especificamente sobre As Cobras – Antologia Definitiva, a compilação de sua inesquecível tira. A matéria saiu domingo, no Correio da Paraíba, e aqui está ela.

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O Brasil, segundo As Cobras

Veríssimo foi às Cobras para driblar a ditadura: "Quando havia o risco da censura implicar com o texto, me socorria no desenho"

Pode ser que cobra seja muito fácil de desenhar – “Só tem pescoço”, diz o próprio criador, Luís Fernando Veríssimo -, mas não houve assunto que mexesse com a vida nacional que não foi tratado pelos dois ofídios que rastejaram pelas centenas de tiras escritas e desenhadas pelo gaúcho. As Cobras, uma das melhores tiras dos quadrinhos nacionais, agora retorna em uma bela edição: As Cobras – Antologia Definitiva (Objetiva, 200 páginas). Em conversa por e-mail, Veríssimo, famoso principalmente como cronista, conta como e porquê usou o desenho para também criar suas sátiras da política e do comportamento no Brasil.

Veríssimo já disse várias vezes que a escolha de cobras como estrelas de uma tira eram fruto de suas limitações como desenhista. Mas, se os traços são simples, o gaúcho – hoje com 74 anos – constrói uma mise-en-scene bastante efetiva como suporte para as piadas. “As cobras e seu meio existiam só em função da piada, o desenho em si nunca foi importante. Quanto mais simples melhor”, conta Veríssimo. “Se você gostava da construção das narrativas só posso agradecer, mas não era intencional”.

A filosofia das Cobras continua atual

A tira surgiu nos anos 1970. “Epoca da ditadura”, lembra o escritor. “Quando se podia dizer mais com desenho do que com textos. Sempre gostei muito de quadrinhos e quando passei a ter um espaço no jornal para fazer, teoricamente, o que quisesse nele, aproveitei. E muitas vezes, quando faltava tempo ou saco para o texto,  ou havia o risco da censura implicar com o texto, eu me socorria no desenho”.

E ele a manteve até os anos 1990. “Parei, como eu disse na época, porque estava fazendo coisas demais. E também porque não ficava bem um homem de sessenta anos ficar desenhando cobrinhas”, diz.

As cobras eram, geralmente, duas travando um breve diálogo. Podia ser sobre política, futebol, Deus, a finitude da vida ou qualquer outro assunto que rendesse a Veríssimo uma boa piada. Muitas vezes, contracenavam com alguns coadjuvantes. Vários deles, parecem que estão sempre aparecendo por aí, nos noticiários: Queromeu, o corrupião corrupto; Dudu, o alarmista; o candidato Alves Cruz; Durex, o adesista; Sulamita, a pulga lasciva; e por aí vai.

Em poucos traços, Veríssimo consegue estabelecer uma 'mise en scene'

“Eu gostava das cobras recem-nascidas, que saiam da casca para descobrir o Brasil e o mundo”, aponta o cronista. “Muitas nasciam precavidas, como a que já saiu do ovo com um habeas-corpus preventivo”.

Alguns personagens acabaram não entrando e a “antologia definitiva” renderia fácil um segundo volume. “Personagens como o chef Rienamange, o cozinheiro da crise, e o Zé do Cinto, que vivia apertando o cinto para sobreviver, podiam ter entrado. Continuam atuais”.

O livro divide as tiras em dez temas, entre eles existencialismo, futebol, Deus, poder, história, praia, literatura, espaço e um segmento para alguns coadjuvantes (“As cobras e outros bichos”) e outro para os filhotes. Algumas sequências são antológicas, como o técnico de futebol tentando orientar seu time obtuso, a pesquisadora que induz as respostas, ou os ‘Clássicos da literatura combinados’. “Não tenho preferencias”, conta Veríssimo. “Alguns dos clássicos combinados, como ‘Casablanca e senzala’, funcionam, outros não. Gosto das cobras diante do infinito. Uma dizendo ‘Como nós somos insignificantes diante do Universo’ e a outra perguntando ‘Vocês quem?’, por exemplo”.

Os "clássicos combinados" estão entre os grandes momentos do álbum

Veríssimo também tem outras produções de histórias em quadrinhos: ainda escreve e desenha a Família Brasil e escreveu a tira de Ed Mort (desenhada por Miguel Paiva) e as páginas do Analista de Bagé na Playboy (desenhadas por Edgar Vasques). É uma relação que, como leitor, começou desde cedo.

“Lia o Gibi e o Globo Juvenil como todo o mundo e gostava muito dos super-herois e de alguns americanos como o Krazy Kat”, lembra, apontando também o que lê hoje. “Gosto muito dos brasileiros: o Laerte, o Angeli, os irmãos Caruso, o Edgar Vasques, o Santiago, o Moa, o Adão. É muita gente boa. E também há genios como o Moebius, de quem vi uma exposição fantástica há pouco tempo, em Paris”.

Se As Cobras não estão rastejando por aí, certamente não é por falta de assunto. Seus personagens teriam muita coisa para contar. “O corrupião corrupto, claro, está atualissimo”, afirma Veríssimo. “Dudu, o alarmista, também. E Durex, o adesista, é um personagem eterno, que atravessa a história, desde os tempos biblicos”. Pode reparar: todos eles estão por aí, o que garante plenamente a atualidade e o ótimo humor de As Cobras.

O Bugu de Roger Cruz,...

Quando o primeiro MSP 50 foi lançado, muita gente que não é da área deve ter se surpreendido em haver no Brasil 50 quadrinistas talentosos, capazes de tais releituras dos personagens criados por Maurício de Sousa. Pois e estes outros 50 que estrelam MSP+50 – Maurício de Sousa por Mais 50 Artistas (Panini, 216 páginas, em capa dura ou cartonada)? Nele, revelações dividem espaço com grandes nomes como Rafael Grampá, Allan Sieber, Roger Cruz e Mozart Couto.

O editor Sidney Gusman, da Maurício de Sousa Produções, reuniu um time que realizou um trabalho tão bom quanto o primeiro álbum. A principal diferença é que o original tinha muito forte o clima de homenagem pelos 50 anos de carreira de Maurício e este não mais. “Eu pedi que esquecessem o negócio da homenagem e aproveitassem a chance para fazer a história que quisessem”, explica Gusman, por telefone, de São Paulo.

... a Mônica de Romahs,...

O resultado tem como uma grande qualidade, mais uma vez, a variedade. Há HQs que imaginam a Turma da Mônica por um tom realista (a de Rogério Vilela, por exemplo, autor de Joquempô), ou como HQ franco-belga (a de Ricardo Manhães), mangás (a de Kako) e por aí vai. Há estilos tão particulares que são até difícil definir (caso do Jotalhão minimalista de André Ducci e as HQs de Rafael Coutinho e Caco Galhardo).

“Eu podia montar um álbum só com HQs de super-heróis, ou tiras, ou underground”. conta o editor. “Mas isso não passaria o que eu quero para o livro”.

Tão variados quanto os estilos foi a escolha dos personagens – como no álbum original, os convidados tiveram liberdade. “Isso me deixou absolutamente feliz: ter o maior número possível de personagens, mas não queria pautar ninguém”, diz o editor.

Assim, Mônica e seus amigos aparecem muito, e o Chico Bento também. Mas dois que seriam menos cotados voltaram a se mostrar preferidos dos quadrinistas: o Piteco e o Astronauta.

...a Tina de Adriana Mello...

“O Astronauta é o mais próximo de ficção científica que o Maurício tem e antes as histórias dele tinham aquele caráter filosófico”, analisa Gusman. O Piteco e sua ambientação pré-histórica também se motraram atraentes a quem quis contar uma trama de aventura.

Mas há personagens  curiosos no centro de algumas histórias: Rosinha (a namorada do Chico Bento), a Pipa (normalmente coadjuvante da Tina, mas protagonista numa bela HQ de Fernanda Chiella), o Jeremias, o Bugu (que Roger Cruz coloca em um reality show!) e o Nico Demo. Essa variedade acbou surgindo naturalmente, mas uma ou outra vez Gusman acabou fazendo sugestões. “Disse ao André Ducci que ele poderia escolher quem quisesse, mas que, pelo trabalho dele, se ele desenhasse a turma do Jotalhão ficaria ótimo. E, mesmo assim, ele me respondeu: ‘Não tenha dúvida que é ele'”, conta Sidney.

Muitos autores se tornaram conhecidos no mercado através do MSP 50 e, agora, do MSP+50. “Você não tem noção do tanto de autor que pegou frila por causa dos álbuns”, conta Sidney Gusman. “O Vítor Cafaggi, das Aventuras do Pequeno Parker, até está publicando em jornal”. Por isso, se antes o caráter era de homenagem, agora a idéia se sustenta sozinha. “Os álbuns se tornaram um catálogo do que há de melhor na HQ nacional”, continua.  “A maioria desses autores nunca foi tão lida quanto nesses álbuns”.

O sucesso ajudou a fortalecer uma continuação. “Com o MSP 50, foi a primeira vez que uma HQ apareceu na lista das mais vendidas da Bienal (o álbum foi lançado na Bienal do Rio, em 2009)”, lembra Gusman. A estratégia de lançamento do novo álbum usou muito o twitter: os convidados foram revelados aos poucos, assim como, depois, alguns previews das páginas. E os quatro principais portais do país também receberam previews, que colocaram em suas capas no mesmo dia.

E vem aí mais um, incentivado pelo próprio Maurício de Sousa. “Ele entrou na minha sala e disse: ‘Eu sei que você não quer, mas tem que fazer o terceiro. Tem mais 50?’. Respondi: ‘Fácil’. ‘Então faz, Sidão!’”. O terceiro álbum, antes mesmo de ser anunciado, já tinha “candidatos” que se ofereciam enviado até histórias já prontas para o editor. “Já tem caras na internet me mandando Os Sousa!”, espanta-se. “Mais de 120 pessoas já pediram para entrar no livro”.

...e Pipa e Zecão por Fernanda Chiella

Mas ele também avisou que esse expediente não adianta porque a seleção é feita a partir dos trabalhos naturais dos autores. Atualmente, a lista já está pronta e Sidney Gusman está convidando os participantes do terceiro álbum. A relação de carinho dos quadrinistas brasileiros com a obra de Maurício de Sousa é algo que encanta Sidney Gusman e mostra como o projeto é mesmo especial. “Tem cara que pira, quando eu ligo e convido. Tem caraque grita, tem cara que chora”, revela.

Mas, embora um dos nortes do projeto seja a diversificação dos convidados por estados brasileiros, nenhum quadrinista paraibano está no MSP 50 ou no MSP+50. Sidney Gusman garante que, no terceiro álbum, a história será diferente: tem paraibano na lista. Mas ele mantém a sete chaves qualquer um dos nomes.

Catalisador dos álbuns, Maurício ainda se emociona com o projeto. “Ele me revelou uma vez: ‘O álbum me faz sentir desenhista de novo’”, confidencia Sidney Gusman. Que venha o terceiro, então.

*Versão estendida de matéria publicada no Correio da Paraíba.

Mais:

– Leia a minha entrevista com Maurício de Sousa (em quatro partes)
– Assista o Comic Show sobre Maurício de Sousa
– Minha entrevista com Sidney Gusman sobre o MSP 50
– Crítica do MSP 50
– Matéria sobre Turma da Mônica – Romeu e Julieta

Mort Walker não queria fazer o então univesitário Zero se alistar no exército (foto: © King Features Syndicate/ Ipress)

Quais são os personagens fundamentais das tiras de jornal? Você pode fazer a lista que quiser, mas o Recruta Zero tem que estar nela. O personagem completou 60 anos este mês em plena atividade e numa incrível demonstração sobre como girar sobre o mesmo tema e não perder o fôlego. O Brasil chegou a produzir suas próprias histórias do personagem, na época em que ele tinha uma revista mensal pela RGE (depois Globo) – isso foi nos anos 1970 e 1980. Hoje, ele continua sendo encontrado nos jornais (seu lar de origem), e sempre desenhado por seu criador, Mort Walker. Conversei com ele por e-mail para uma entrevista que foi publicada hoje, no Correio da Paraíba – aqui você lê a versão estendida. Mr. Walker mostrou que um ícone pode ser também gentil, simpático e atencioso.

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O exército americano é uma grande piada – ao menos nas tiras do Recruta Zero, um dos mais populares personagens dos quadrinhos, que completa 60 anos este mês. Criação do cartunista Mort Walker, hoje com 86 anos, o soldado folgado e preguiçoso é publicado atualmente em 1.800 jornais ao redor do mundo. E Walker, um dos principais nomes da história das HQs conversou por e-mail com o CORREIO sobre o aniversário.

Mas poderia ter sido bem diferente. Zero (Beetle Bailey, no original) estreou em 4 de setembro de 1950 não como um recruta, mas estrelando uma tira ambientada em uma universidade. Como tal, era claudicante: quando uma tira precisava ser publicada em pelo menos cem jornais para ser um sucesso, Zero chegava a 40 com esforço. Sob o risco de ser cancelada, a Guerra da Coreia acabou sendo motivo para Mort Walker fazer o malandro estudante se alistar.

“O editor de um grande jornal escreveu para o syndicate (que distribui as tiras nos EUA) e disse que Zero deveria se alistar, como todos os jovens da idade dele na América”, conta o quadrinista. “Eu não queria, mas eles insistiram. Foi imediatamente um sucesso e eu comecei a ganhar mais jornais”.

Os militares, evidentemente, torceram o nariz. “No começo, o exército não gostou de me ver fazendo graça deles e não deixou Zero ser publicado nos jornais militares”, lembra Walker. “Então, os leitores deles reclamaram e eles começaram a usar minha tira. E ela se provou tão popular que eles, afinal, me deram um prêmio e houve uma grande parada em minha homenagem no gramado da Casa Branca”.

Começou a surgir uma galeria de outros tipos impagáveis: Zero ganhou a companhia do tão violento quanto infantil Sargento Tainha, do tão molenga quanto vaidoso General Dureza, do inocente Dentinho e outros. “Todos os meus personagens são baseados em pessoas que conheci, com diferentes personalidades”, diz. “Isto mantém os personagens consistentes. Alguns são mais engraçados que outros. Eu gosto do Zero, do sargento e do general. A Dona Tetê (a secretária bonita do general) não é engraçada, mas eu a adoro”.

A tira se mantém em alta com a mesma filosofia e poucas mudanças. “Não acho que ela mudou muito. Tento mantê-la em dia com as mudanças, mas evito comentar assuntos políticos ou a guerra. Zero permanece em treinamento básico, o treinamento simples que cada soldado tem que fazer”, conta Mort Walker, que hoje escreve junto com três colaboradores e faz o lápis de todas as tiras – um de seus filhos, Greg, faz a artefinal.

“Nós passamos nossas ideias para o papel e uma vez por mês nos encontramos para selecionar as melhores”, diz Mort Walker sobre o sistema de criação das tiras do Recruta Zero. “Juntos, temos 120 esboços e usamos cerca de 30 – temos milhares em estoque. É difícil dizer quantas das ideias que uso são minhas, mas gosto de usar meu próprio trabalho, então diria que cerca de metade das que uso são minhas”.

Walker criou outras tiras. A principal foi Zezé & Cia. (Hi and Lois, no original), um derivado com a família de Zero que ganhou vida própria. “Vários quadrinhos americanos fizeram sucesso durante a II Guerra, mas morreram depois. Minhas guerras (Coreia e Vietnã) continuavam e fiquei preocupado se a tira sobreviveria quando acabassem. Foi por isso que criei Zezé & Cia.”.

Hoje, porém, ele não tem mais relação com a tira. “Eu costumava escrever, mas passei para dois dos meus filhos, Greg e Brian, e o filho de Dik Browne (criador de Hagar, o Horrível), Chance”. Dik é quem desenhava a tira, escrita por Walker.

Um de seus principais trabalhos é a criação do National Cartoon Museum, em 1974, cujo acervo está atualmente na Ohio State University. “Nós fundimos nossa coleção de 200 mil desenhos com a coleção da universidade”, conta. “Eles têm US$ 20 milhões para preparar um belo novo museu para nós, que será aberto no ano que vem”. Ele sempre foi um defensor da valorização da profissão e acha que os quadrinistas são mais respeitados hoje em dia, mas em termos.

“Eu acho que os cartunistas conseguirtam mais respeito hoje porque o museu pensou bastante neles, em salvá-los, estruturá-los, exibi-los e construir um imenso museu para convidar fãs para vê-los. Eles não têm qualquer respeito quando syndicates os jogam fora como se não tivessem valor”, afirma. “Eu usei (o museu) para anunciar que eles eram ‘a arte mais popular do mundo’. Isso faz sentido porque talvez um milhão de pessoas vejam a Mona Lisa por ano ou outras obras-primas, mas uma tira como Zero atinge 200 milhões de pessoas todo dia“.

Esta é, por enquanto, a única imagem da reinvenção do Flama, por Mike Deodato

Nos anos 1960, Batman, Super-Homem e outros heróis dos gibis tinham um concorrente e tanto em Campina Grande: o Flama. Criação de Deodato Borges, ele vivia suas aventuras primeiro em um seriado radiofônico, e depois nas histórias em quadrinhos escritas e desenhadas pelo próprio criador. O filho de Deodato, rebatizado como Mike Deodato, hoje é ilustrador exclusivo da Marvel Comics, nos Estados Unidos (mesmo produzindo o trabalho desde sua casa, no Bessa, em João Pessoa). Agora, o filho retoma a obra do pai: com roteiro do jornalista Rodrigo Salem, ele começa a preparar uma nova versão do personagem.

Tudo começou quando Mike Deodato enviou para Salem, de qem é amigo há muitos anos, um episódio do programa de rádio do Flama para publicar no blog de Salem, Shuffle. Salem, atualmente editor de cinema e internacional da revista Contigo! e ex-editor da Set, entrou com a ideia de um reboot do personagem. “Não imaginava que Deodato fosse topar, porque sei que a agenda dele é insana no trabalho para a Marvel, mas ele respondeu: ‘Pelo Flama, trabalho até de madrugada’. Foi quando vi que o projeto poderia vingar”, conta, por e-mail, de São Paulo.

Ele já conhecia o personagem. “Era mais uma lembrança de quando estudava jornalismo em João Pessoa e frequentava a Gibiteca do Espaço Cultural”, lembra. “Tive a ideia de incorporar elementos políticos dos anos 1960 ao texto e vi a importância da obra de Deodato Borges na criação de um personagem universal no interior do Nordeste, há 50 anos”.

“O Rodrigo é meu amigo há muitos anos, mas me surpreendeu com o roteiro”, diz Mike Deodato, que atualmente desenha a série Vingadores Sombrios. “É o primeiro cara que vejo no Brasil capaz de escrever como um Mark Millar”. A trama vai situar o Flama no contexto da história do Brasil, em plena ditadura mlitar. Mas vai começar com o herói já velho e passando o bastão para o filho, nos tempos atuais. “A história é crua, com elementos políticos e com muita ação. tem toques de Miracleman, de Alan Moore, O Cavaleiro das Trevas, Tropa de Elite…”, completa Salem, que ainda tenta responder a uma pergunta: se o Flama tivesse existido mesmo, por que ninguém lembraria dele?

Uma página do Flama original, por Deodato Borges

Os planos são de seis números, de 22 páginas cada, com um arco completo de histórias, mas outras histórias podem vir a público. Como Mike Deodato está se dedicando ao projeto nas (poucas) horas vagas, não há pressa – a previsão é de o trabalho levar um ano ou dois.

Deodato Borges acompanha tudo de perto. Deu liberdade para a remaginação de seu personagem e é consultado pela dupla sobre as mudanças. “Eu acho que isso devia acontecer com todos os antigos heróis”, diz. “E não ficar como muitos personagens do passado que caíram no esquecimento”.

O Flama foi criado primeiro para o rádio, em Campina. “Precisávamos de um seriado de aventura para concorrer no horário das 13 horas com Jerônimo, o Herói do Sertão, que era transmitido pela Rádio Jornal do Comércio. O seriado surgiu em 1961. Em 1963, como Jerônimo já tinha o seu gibi, Deodato também produziu o do Flama. “Os quatro mil exemplares do primeiro número nem chegaram às bancas”, lembra ele. “Quando anunciei no rádio, a garotada foi toda para a escadaria da rádio. Se não tivesse guardado dois ou três exemplares…”.

* Publicado no Jornal da Paraíba, em 27/8/2010.

Dilemas de gente grande

Snoopy e Lucy ainda ganhariam espaço...

Charles Monroe Schulz desenhou a tira Peanuts por 49 anos, de outubro de 1950 a dezembro de 1999, quando se aposentou, dois meses antes de morrer. Nesse período, escreveu e desenhou sozinho as 17.897 tiras que compõem uma das maiores obras artísticas do século 20. Schulz criou Charlie Brown, Snoopy, Lucy, Linus, Schroeder, Patty Pimentinha e vários outros personagens que representavam, como crianças, sentimentos bem adultos como paixões não correspondidas, frustração e medo da rejeição. E o início de tudo está nos dois primeiros volumes da coleção Peanuts Completo (L&PM, 358 páginas cada).

O luxuoso primeiro álbum, ponto de partida da ambiciosa série, segue da primeira tira até 31 de dezembro de 1952, com os primeiros passos do personagens de Schulz. Logo na primeira tira, um menino fala do “bom e velho Charlie Brown” para no final disparar: “Como eu o odeio”. Ela já dá o tom do que vem a seguir: a vida não é nada fácil para Charlie, que se sente extremamente só em um mundo hostil, numa representação de um sentimento que todos já vivenciamos.

Mas o tom de Peanuts ainda estava em formação e mesmo quem conhece a obra de Charles M. Schulz, pode estranhar, a princípio, as tiras: as piadas giravam bastante em torno do universo infantil, embora a crueldade das crianças já estivesse bem presente. E todos os personagens eram mais jovens que suas versões mais conhecidas – alguns, como o precoce pianista Schroeder e Linus, irmão de Lucy e melhor amigo de Charlie, aparecem ainda como bebês.

Mesmo Lucy só aparece em março de 1952 – e ainda sem o caráter mandão que seria sua marca. No começo, Charlie divide a cena com as meninas Patty (que não é a Pimentinha) e Violet, que acabaram virando coadjuvantes, e o garoto Shermy, que depois sumiu. Snoopy está lá, desde a terceira tira, e embora já demonstre personalidade, só bem mais tarde – ainda não neste álbum – é que passaria a roubar a cena, dormindo em cima da casinha, dando asas à imaginação para ser o ás da Primeira Guerra e mostrando toda a autoconfiança que falta a seu dono, Charlie.

É visível o avanço de temas, de traço e de estilo que Schulz viria a ter nos anos seguintes. Nesse começo, ele estava tateando as possibilidades de seus personagens recém-criados. Com o tempo a tira apresentaria também mais e mais das dúvidas e estado de espírito que o próprio Schulz trazia consigo. Ele se acreditava um rejeitado desde a adolescência e o sucesso de seus quadrinhos não mudou muito essa idéia. Peanuts passou a ser um registro precioso de uma grande fase de mudanças na vida americana: os anos 1950 e 1960. A coroação veio com a capa da Time, em 1965, com o título “O mundo segundo Peanuts”. Era a tradução de nós mesmos. Depois disso, a tira só aumentou sua imortalidade.

...enquanto Shermy e Patty seriam ofuscados por Charlie Brown

The Complete Peanuts, versão original de Peanuts Completo, já chegou, em abril, à 13ª edição (referente aos anos 1975-1976) pela Fantagraphics. Ou seja: iniciada em 2004, a coleção tem, ainda, 12 volumes a serem publicados, somando 25 – a previsão é que ela só acabe em 2016. É uma série de fôlego, por si só, mas com um tratamento que a valoriza e está sendo mantido no Brasil pela L&PM.

Peanuts Completo tem capa dura e abre com um prefácio do escritor Garrison Keillor, um excelente posfácio do jornalista David Michaelis, da revista Time, e uma preciosa entrevista de Schulz a Rick Marschall, muito reveladora. Ele fala de seu passado, da certa melancolia que permeia seus quadrinhos e de como sempre detestou o nome Peanuts, título dado pela distribuidora, a United Features Syndicate. A edição inclui até um índice remissivo onde se pode localizar com facilidade personagens, temas, personalidades citadas, situações recorrentes.

A L&PM já publicava as tiras de Peanuts dentro de sua habitual coleção de livros em formato pocket – onde também saem coleções de tiras de outros personagens como Hagar, o Horrível e Garfield, de autores nacionais como Laerte e Angeli, e também da Turma da Mônica.

O segundo volume de Peanuts Completo está nas livrarias desde março e compila tiras de 1953 e 1954. Os desenhos se aproximam das versões mais famosas, Charlie começa a bater recordes de derrotas seguidas no beisebol, Lucy começa sua saga de tirania e aparecem os primeiros balões de pensamento do Snoopy. As tiras também fazem comentários sobre assuntos do momento como a bomba H. E é só o começo. Testemunhar essa fundamentação de uma obra é um presente para os leitores: certamente, será um prazer para quem gosta de HQs – ou mesmo para quem só conhece os personagens pelos desenhos animados.

* Matéria publicada no Jornal da Paraíba.

Há uns meses eu fui convocado pelo amigo Luwig, no Pulse, para segui-lo em uma missão titânica que dizia respeito a mulheres e HQs. Bastante por falta de tempo e muito por falta de competência, fui deixando a coisa mais para a frente, embora nunca a tenha esquecido. Vamos ver se sai alguma coisa agora.

Ele propôs as mulheres de cinco criadores, o que me deixou com os dois pés atrás. Não creio que seja assim tão especialista a ponto de resumir as mulheres de um autor – em cinema, até dá. Mesmo assim, tentemos, levando em conta limitações e idiossincrasias.

As mulheres de Terry Moore

Katchoo e Francine, entre o cartum e o realismo

Katchoo e Francine são vários lados de uma mesma moeda na ótima série Estranhos no Paraíso. Traumas, inseguranças e desencontros amorosos fazem par com muita ternura e bom humor com que Moore tempera a vida de suas heroínas. Elas se completam: Katchoo é a durona, enquanto Francine é a frágil. Mas Katchoo tem uma série de feridas por dentro e é Francine que vira seu apoio. A tênue linha entre amizade e amor é o ponto chave (pelo menos no início da série, que voltou a sair no Brasil pela HQM – aguardamos o seguinte!).

As mulheres de Quino

"O que importa é o que a Mafalda pensa de mim", Julio Cortazar

“O que eu penso da Mafalda não tem a menor importância. Importante mesmo é o que a Mafalda pensa de mim”, dizia o escritor Julio Cortazar. Certíssimo estava ele. A garotinha argentina não se convence com nada que o mundo tenta enrolá-la. Sempre tem uma verdade na ponta da língua para atirar. Quando crescer vai dar um trabalho…

As mulheres de Manara

As mais belas e despudoradas (ou não) mulheres dos quadrinhos

As mulheres de Manara não querem e querem ao mesmo tempo. Vivem num conflito interior danado que simplesmente some do sexo. Se com Claudia Christiani a gente chega qa fica em dúvida se ela está mesmo sob efeito da maquininha do Clic, com Gullivera e outras, a dúvida é saber se elas também não tem a maquininha.

As mulheres de Charles M. Schulz

Lucy: fazendo e desfazendo dos meninos (menos do Schroeder)

É óbvio que os personagens de Schulz são tanto crianças quanto representações infantis dos adultos. Sendo assim, seu universo feminino é poderoso como poucos nos quadrinhos. Na linha de frente está, claro, Lucy van Pelt, a miniatura de matriarca, que não leva o mínimo desaforo para casa.

Lois Lane

A Lois original de Jerry Siegel e Joe Shuster e o começo do triângulo amoroso

Aqui, quebro a regra. A abelhuda repórter do Planeta Diário já está com mais de 70 anos de estrada, passou por inúmeros roteiristas não só nas histórias em quadrinhos, mas em séries de animação, séries com atores, cinema, e conseguiu sobreviver a todos eles sem grandes alterações. Se isso não mostra a força de um personagem, não sei o que mais pode mostrar.

Lois está lá desde a primeira história do Super-Homem na mitológica Action Comics 1. Está na gênese do herói, faz parte indissoluvel de sua origem e trajetória – apareceu antes mesmo de Lana Lang, amor de adolecência de Clark! É por isso que, mesmo que eventualmente ele tenha tido uns namoricos por aí (e ainda haja sempre aquele clima interessante com a Mulher-Maravilha), ela é a número 1.

Em seu post, Luwig fala das complicações genéticas, possíveis efeitos colaterais e tudo. Já discutimos isso no antológico Comic Show do dia dos namorados, mas sustento: sendo personagens de ficção, basta colocar lá um cientista atestando que eles são, sim, compatíveis e pronto. Tudo resolvido. A mitologia, pra mim, é mais importante que a fisiologia das HQs.

(Aliás, como eles estão casados nas HQs, pra mim metade do problema já está superado).

Com uma ou outra mudança, adaptada aos conservadores anos 1950 nos quadrinhos ou remodelada para os 1980 por John Byrne, romântica em Superman – O Filme ou sexy e arrogante em Lois & Clark e em Superman – Animated Series, ela continua basicamente a mesma que apareceu em 1938: faz tudo por uma boa matéria, não tem medo do perigo e também é algo cínica, além de atravessar aqueles anos conservadores para se mostrar independente, competente e segura, como já era nos anos 1930 – mas o amor pelo Super-Homem nunca deixou de fazê-la derreter, mesmo não percebendo que ele está ali na mesa ao lado como Clark.

Até que, em Lois & Clark e nos quadrinhos, isso foi revelado e ela acabou se casando com ele. No cinema, não, mas tiveram seu namoro em Superman II (1981), que se refletiu em um inesperado filho em Superman – O Retorno. Lois é maior que todos os seus autores – e eles sabem disso.

SUPERMAN – O FILME
⭐⭐⭐⭐⭐

Um filme que voa alto

O mais romântico dos filmes de super-herói

Em determinado momento de Superman – O Filme (Superman – The Movie/ Superman, Estados Unidos, 1978), o super-herói evita uma série de crimes e desastres em sua primeira noite de ação em Metrópolis. De repente, ouve mais um problema e dedica a ele igual atenção: uma menininha chama seu gatinho, que está preso numa árvore. Desce, pega o bichano, entrega para a garotinha e volta à ronda. ´

A cena, hoje, é uma piada até corriqueira – está em Os Incríveis (2004), por exemplo – e a cena nem deve ter sido novidade na época. De fato, o filme de Richard Donner parece usá-la já como uma referência da personalidade do Super-Homem: um boa praça sem igual. Mais do que uma piada, é uma piscadela do filme para o público dividindo um comentário simpático a respeito do personagem.

Superman – O Filme é uma adaptação única de uma história em quadrinhos para o cinema e provavelmente não terá outra igual justamente por essa combinação dificílima de inocência e uma certa malícia. O filme é de um período em que o cinema americano havia redescoberto o escapismo, mas também mergulhava no realismo e lado negro do ser humano. Há muito pouco de sombrio em Superman, mas o filme não é bobo: olha para o seu herói achando um tanto engraçado tanto bom-mocismo, mas acredita piamente nele.

Assim, Christopher Reeve esbanja sinceridade ao dizer para Lois Lane (Margot Kidder), depois de salvá-la da queda do alto de um edifício, não ter medo de voar porque “estatisticamente é o meio mais seguro de viajar”. E quando diz a ela que está aqui para defender “a verdade, a justiça e o modo de vida americano”, o filme prontamente a coloca dando uma risadinha e dizendo que ele “terá que enfrentar várias autoridades”.

A cena da entrevista, então, é um primor de duplo sentido, onde cada peça do diálogo é brilhante. Sem dizer nada explícito, a tensão sexual é enorme – para perguntar sobre a visão de raios-x, ela pergunta qual a cor da calcinha que está vestindo! E ele olha! Dali, a cena parte para o romântico vôo do casal por Nova York, que faz as vezes de Metrópolis, cidade fictícia onde a história se passa.

É difícil pensar que um filme atual possa investir nesse equilíbrio inocência-malícia (nem Superman – O Retorno, de 2006, conseguiu) ou dedicar tanta atenção ao envolvimento amoroso dos personagens. A coisa está mais para o tom sombrio de Batman, o Cavaleiro das Trevas (2008) ou o tom bem-humorado (mas não inocente) de Homem-Aranha (2002) e suas continuações.

Superman – O Filme também foi o primeiro filme de grande orçamento baseado em uma história em quadrinhos. Antes, nos anos 1930, as HQs eram freqüentes no cinema, mas não como longas-metragens e sim como seriados com episódios semanais e pouquíssimos recursos. Pouco mudou nas décadas seguintes, quando Super-Homem e Batman chegaram à tela grande na esteira de seus seriados na TV.

Para o filme de 1978, Alexander e Ilya Salkind queriam uma produção respeitável. Por isso, garantiram os grandes atores Marlon Brando para o papel de Jor-El, o pai kryptoniano do herói, e Gene Hackman, como Lex Luthor, o principal vilão, além de Mario Puzo – autor de O Poderoso Chefão – para o roteiro (também assinado por David Newman, Leslie Newman e Robert Benton, e que também teve a colaboração de Tom Mankiewicz, que assina como “consultor criativo”).

Mesmo assim, só quando Richard Donner assumiu a direção é que o tom realista foi definido. O diretor – que havia lançado o sucesso A Profecia dois anos antes – não queria fazer uma paródia, mas que o público “acreditasse” no que veria na tela. “Você vai acreditar que um homem pode voar”, dizia o cartaz. E isso foi proporcionado não só pelos efeitos especiais, mas por todo o conceito do filme.

Por isso, é muito melhor que Nova York faça as vezes de Metrópolis do que se tivesse sido construída uma cidade em estúdio. E que o humor tenha sido bem dosado – não por acaso, quando Donner foi demitido do segundo filme e Richard Lester entrou em seu lugar, o tom de comédia subiu muito até dominar a cena no terceiro filme.

Por outro lado, a produção desenvolveu novos efeitos especiais (assinados por John Barry) e combinou outros já existentes para que o Super-Homem fosse convincente como nenhum super-herói antes dele em um filme ou série com atores: maquetes, cabos, projeções de fundo, pinturas…

Donner sabia que tinha um tesouro nas mãos, tanto que faz o público esperar até não agüentar mais para ver o herói entrar em cena: as cenas em Krypton, Smallville e até Luthor é introduzido na trama antes da breve cena que começa com Christopher Reeve no fundo da Fortaleza da Solidão e levantando vôo até vir em direção à tela e passar em frente a nós, espectadores – aos 48 minutos de projeção! O filme faz a platéia esperar quase uma hora pelo primeiro e rápido vôo do homem de aço e 1h07 pela primeira vez que ele entra em ação. Com tanta expectativa, imagine aquilo para quem nunca viu nada igual, em 1978!

Por limitação ou estilo escolhido, a solução para o vôo foi a melhor possível: na maior parte das vezes, o espectador voa com o Super-Homem em vez de simplesmente vê-lo passar voando. É a câmera que “voa”, mas a atuação de Christopher Reeve é extremamente convicente, fazendo valer cada acorde do espetacular tema composto por John Williams.

Não só Reeve está no tom ideal, mas todos os outros atores também. Gene Hackman faz um Lex Luthor bem diferente dos quadrinhos, mas constrói um fanfarrão inesquecível, cheio de frases antológicas. É construído bem no estilo de um vilão de James Bond da época, um daqueles megalomaníacos como o Stromberg de 007, o Espião que Me Amava (1977). Margot Kidder é uma Lois Lane perfeita desde os testes – o que dá para ver nos extras, em comparação com suas concorrentes. Brando dá o tom épico esperado a Jor-El e Terence Stamp, em breve aparição, mostra todo o perigo de seu personagem, o General Zod, já predestinado a voltar com tudo no segundo filme (que começou a ser filmado ao mesmo tempo).

Além destes, há uma penca de grandes atores em papéis coadjuvante e aparições pequenas, transferindo sua respeitabilidade para o filme. Glenn Ford (de Gilda) faz Jonathan Kent, pai terrestre do herói. Jackie Cooper, astro mirim nos anos 1930 e veterano da televisão, é um ótimo Perry White, editor do Planeta Diário. Valerie Perrine e Susannah York eram duas das maiores beldades do pedaço: a primeira havia estrelado Lenny (1974), senod indicada ao Oscar, e fazia as vezes da inesquecível Senhorita Teschmacher; a segunda era uma estrela inglesa na ativa desde os anos 1960, em filmes como As Aventuras de Tom Jones (1963), e foi a mãe kryptoniana do Super-Homem. No conselho de Krypton, ainda tínhamos o inglês Trevor Howard, astro de Desencanto (1946) e a austríaca Maria Schell (de A Árvore dos Enforcados, 1959, e O Dossiê Odessa, 1974).

Há uma série de cenas icônicas que fazem de Superman – O Filme um referencial do homem de aço até mesmo para os quadrinhos atuais (que têm aproximado os elementos do universo do herói aos do filme): a destruição de Krypton e o envio do bebê Kal-El para a Terra; o bebê erguendo o carro do casal Kent, no Kansas; o jovem Clark (então intepretado por Jeff East) correndo mais rápido que um trem; a primeira aparição do herói em Metrópolis, depois de olhar desconfiado para o orelhão (sem cabine) e preferir se trocar em alta velocidade em uma porta giratória; o Super-Homem servindo de trilho para salvar um trem em alta velocidade; a perseguição ao míssil.

Ou seja: um marco. Não é qualquer filme que deixa de herança tantas imagens fundamentais.

Superman – O Filme. (Superman – The Movie/ Superman, Estados Unidos, 1978). Direçao: Richard Donner. Elenco: Christopher Reeve, Gene Hackman, Margot Kidder, Jackie Cooper, Marlon Brando, Glenn Ford, Ned Beatty, Valerie Perrine, Susannah York, Trevor Howard, Maria Schell, Terence Stamp, Sarah Douglas, Phillys Taxter.

Um cachorrinho gente boa

A primeira aparição do Bugu: o Bidu tem seu próprio universo de histórias

Dentro do universo de Maurício de Sousa, o Bidu ocupa um lugar especial. Não só por ser o primeiro personagem criado pelo autor, início e símbolo de uma trajetória única e vitoriosa na HQ nacional, mas também por ser o único entre eles que assume vários papeis. E todos eles estão bem representados em Bidu 50 Anos (Panini Books, 162 páginas), uma das edições que comemoram o cinquentenário de carreira de Maurício.

Bidu pode ser apenas o cãozinho de estimação do Franjinha, e foi assim que começou, em 1959, nas tiras de jornal. Com o tempo, ganhou personalidade para interagir com outros animais da vizinhança. Depois, surpreendentemente passou a fazer trocadilhos com objetos inanimados – dos quais a mais famosa é a Dona Pedra. Astro que é de suas próprias HQs, passou a ser importunado pelo bicão Bugu e a se comportar até com certo estrelismo frente ao pobre contrarregra Manfredo. Como “ator”, até grandes épicos em suas historinhas ele interpretou.

A versatilidade do cachorrinho azul é tanta que a edição quase não consegue dar conta, mas dá. Começando por preciosas histórias que saíram na antiga revista Bidu, que Maurício publicou pela Editora Continental em 1961. A primeira edição dessa revista é republicada em um fac-símile que acompanha Bidu 50 Anos – sem dúvida, um marco histórico dos quadrinhos nacionais, que antes estava absolutamente fora do alcance do leitor comum.

Edição tem capa dura e "relê" a capa do primeiro número de "Bidu"

Dessas primeiras histórias em preto e branco, o livro avança até… o preto e branco. Se começa com o Bidu “primitivo”, a edição termina com uma história inédita na estética “semimangá” da Turma da Mônica Jovem. No meio, o azul do Bidu predomina em tramas onde o bom humor dá o tom, sempre.

Várias delas são clássicas, como “A volta do velho Rinti”, já dos anos 1980. Já “‘Olha eu’ aqui, gente!” mostra a primeira aparição do Bugu – ainda andando em quatro patas e – incrível! – sem ser chutado no final. “O valentão”, dos anos 1970, cria até uma “origem” para o Bidu, e dramática: um originário de família rica, desprezado pelos irmãos.

Em capa dura e edição impecável, Bidu 50 Anos é uma homenagem justíssima a um personagem que está no rol dos grandes cachorros dos quadrinhos. Gente muito boa.

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