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LUA DE PAPEL
Diário de filmes 2023: 134
Onde ver (em 26/10/2023) – Mídia física: DVD (da Paramount). Streaming: Looke, NetMovies. Aluguel ou compra digitais: Apple TV/ iTunes, Amazon.
Peter Bogdanovich, em sua grande fase no começo dos anos 1970, tinha como característica a busca por revitalizar gêneros e temas clássicos do cinema americano em filmes que absorviam também a modernidade de que a Nova Hollywood vinha bebendo no período. Em Lua de Papel, que completa 50 anos este ano, que se passa nos anos 1930, ele procurou recuperar o clima dos filmes do período. Filmou em preto-e-branco esta história de um possível pai e sua possível filha, que formam uma parceria em aplicar golpes numa viagem em que ele está levando a menina para parentes distantes. Ryan e Tatum O’Neal, pai e filha na vida real, têm uma química inegável, construindo uma relação através das brigas e da adrenalina das trapaças. A fotografia com profundidade de campo e planos longos, além de grandes direção de arte e figurino. colaboram para a beleza visual desse charmoso road movie episódico com muitos momentos de humor, mas que é sobretudo apoiado na relação entre os protagonistas. Tatum O’Neal, inclusive, ganhou um Oscar de atriz coadjuvante e é até hoje a mais jovem pessoa a ganhar um Oscar competitivo pela atuação.
Paper Moon. Estados Unidos, 1973. Direção: Peter Bogdanovich. Elenco: Ryan O’Neal, Tatum O’Neal, Madeline Kahn, John Hillerman, P.J. Johnson, Randy Quaid.
LOUCURAS DE VERÃO
Diário de filmes 2023: 138
Onde ver (em 25/10/2023) – Mídia física: DVD e blu-ray (solo na Coleção American Graffiti), da Universal. Streaming: Não disponível no Brasil. Aluguel ou compra digitais: Claro Vídeo, Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon.
Loucuras de Verão, que completa 50 anos este ano, é um filme geracional? No momento em que foi lançado, a única “não ficção científica” dirigida por George Lucas, praticamente inaugurou uma onda de nostalgia de anos 1950/ começo dos 1960 no cinema. “Onde você estava em 62?”, perguntava o slogan do cartaz. O mundo havia mudado muito naqueles 11 anos, e aquele reencontro com o passado talvez tenha sido até surpreendente, o filme despertou muitas lembranças em muita gente. Lucas situou a trama em sua cidade natal, Modesto, na California, e os personagens representam fases diferentes de sua própria juventude. Não há uma história central: trata-se de uma noite agitada na vida de um grupo de amigos – dois deles vão para a universidade na manhã seguinte. A balada na cidade envolve a paquera a bordo dos carros que zanzam pelas ruas sem destino específico, a lanchonete drive-in, fliperama, o apresentador preferido onipresente nos rádios tocando os rocks do momento. Música (não há trilha original, só canções da época e da década de 1950), visual, comportamento dos personagens e incertezas sobre o futuro, tudo construiu um ambiente que calou fundo na audiência e transformou o filme em um sucesso inesperado. Depois dele, vieram, entre outros, Grease, Febre de Juventude, Porky’s e, mais tarde, De Volta para o Futuro. Alguns mais leves, outros mais picantes, mas Loucuras de Verão é o quintessencial, o que resume essa dose de nostalgia com melancolia.
American Graffiti. Estados Unidos, 1973. Direção: George Lucas. Elenco: Richard Dreyfuss, Ron Howard, Paul Le Mat, Charles Martin Smith, Cindy Williams, Candy Clark, Mackenzie Phillips, Wolfman Jack, Harrison Ford, Kathleen Quinlan.
GRITOS E SUSSURROS
½
Diário de filmes 2023: 18
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: legendado.
Poucos filmes assumiram tão diretamente uma cor para transmitir seu estado de espírito. O vermelho é forte na decoração dos ambientes, em objetos e mesmo nos fades, onde a cena mergulha nesta cor (e não no preto, como é usual). Bergman retrata com perícia os dias de quatro mulheres em uma casa de campo: a proprietária, morrendo de câncer, suas duas irmãs e a fiel empregada. Cada qual com suas memórias doloridas, sofrimentos, dramas pessoais, repressões que vêm à tona e assombrações.
Viskningar och Rop. Suécia, 1972. Direção: Ingmar Bergman. Elenco: Harriet Andersson, Kari Sylwan, Ingrid Thulin, Liv Ullman, Anders Ek, Erland Josephson.
AMARGO PESADELO
Diário de filmes 2023: 15
Mídia física: DVD. Streaming: HBO Max, Now, Looke, NetMovies. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes, Amazon, Microsoft Store.
John Boorman conta a história de quatro homens urbanos muito cheios de si que embarcam de canoa para o inferno ao descer um rio marcado para desaparecer e encontrar moradores locais com péssimas intenções. A ação e o suspense exigiu muito do elenco e o diretor consegue mostrar a natureza tão bonita quanto ameaçadora, fazendo com que os grandes homens se sintam muito pequenos. Imitar um porco nunca mais será a mesma coisa para o espectador que passa por essa correnteza.
Deliverance. Estados Unidos, 1972. Direção: John Boorman. Elenco: Jon Voight, Burt Reynolds, Ned Beatty, Ronny Cox.
AS LÁGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 13
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil. YouTube: legendado.
Fassbinder adaptou sua própria peça e não escondeu nem por um segundo o DNA teatral do material: tudo se passa dentro do apartamento e é basicamente uma sucessão de diálogos. Além disso, há o componente de dramalhão na estilista que inicia uma relação amorosa com uma jovem moça e depois sofre o diabo quando é abandonada. Mas cada uma das personagens (todas mulheres) dá margem para muito debate – como a empregada/ assistente/ aluna/ ex-amante masoquista que não diz uma palavra.
Die Bitteren Tränen der Petra von Kant. Alemanha Ocidental, 1972. Direção: Rainer Werner Fassbinder. Elenco: Margit Carstensen, Hanna Schygulla, Irm Herrmann, Katrin Schaake.
O VOO DO DRAGÃO
⭐⭐½
Diário de filmes 2023: 12
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Amazon Prime Video, Oldflix. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTube Filmes, Apple TV/ iTunes.
Bruce Lee também dirige e escreve o filme, seu terceiro como protagonista, levando sua arte marcial para Roma. A história é a mesma de sempre: ele é o lutador que vem de longe para ajudar um grupo indefeso contra uma organização criminosa. O destaque para a posteridade é o duelo final contra um iniciante (e sem barba) Chuck Norris, no Coliseu.
Meng Long Guo Jiang. Hong Kong, 1972. Direção: Bruce Lee. Elenco: Bruce Lee, Nora Miao, Chuck Norris.
A FÚRIA DO DRAGÃO
⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 10
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Amazon Prime Video, Oldflix, Vix. Aluguel ou compra digitais: Google Play/ YouTubeFilmes, Apple TV/ iTunes.
O segundo filme de Bruce Lee como protagonista possui um orçamento melhorzinho e parte de uma história real do começo do século XX: Lee é o lutador que volta à sua escola e investiga obsessivamente o assassinato de seu mestre. Por trás, está uma escola rival de lutadores japoneses, remetendo às animosidades entre os dois países no período. Como sempre, a história não é essas coisas, mas Lee tem presença.
Jing Wu Men. Hong Kong, 1972. Direção: Wei Lo. Elenco: Bruce Lee, Nora Miao, James Tien.
GOLPE DE MESTRE
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 1
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Looke, NetMovies, Oi Play. Aluguel ou compra digitais: Claro Vídeo, Apple TV/ iTunes, Amazon.
Golpe de Mestre, 50 anos este ano, continua saborosíssimo. Reuniu o diretor e a dupla de atores de Butch Cassidy (George Roy Hill, Paul Newman e Robert Redford) e a magia se repetiu, em nova mistura perfeita de crime e comédia. Além disso, há a trilha incrível de ragtimes de Scott Joplin e as referências narrativas ao cinema dos anos 1930.
The Sting. Estados Unidos, 1973.
Direção: George Roy Hill. Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Eileen Brennan.
GOLPE DE MESTRE
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 1
Mídia física: DVD, blu-ray. Streaming: Looke, NetMovies, Oi Play. Aluguel ou compra digitais: Claro Vídeo, Apple TV/ iTunes, Amazon.
Truque de cartas cinematográfico
Paul Newman e Robert Redford, dirigidos por George Roy Hill, já tinham funcionado muito bem em Butch Cassidy (1969). Quatro anos depois, eles estavam juntos de novo para Golpe de Mestre (1973) e a magia se repetiu e foi ainda mais longe. Premiado com sete Oscars, incluindo o de melhor filme, essa comédia de trapaceiros que se passa nos anos 1930 se estabeleceu como um modelo muito copiado e, assim, pode já não enganar tanto o espectador já escolado, mas chega aos 50 anos mantendo seu charme intacto.
Para começar, é sempre notável quando uma comédia consegue o feito de levar o Oscar de melhor filme. É bem sabido que filmes do gênero costumam ser menosprezados em prêmios ou listas de melhores dos críticos. Este, ainda por cima, está encravado entre O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão – Parte II (1974), dois épicos dramáticos. Golpe de Mestre se passa em época parecida ao primeiro Chefão (que é nos anos 1940) e também tem o crime como componente crucial de sua trama. Mas, sobretudo se comparado aos filmes de Coppola, é absolutamente faceiro.
Não discute nada “importante”, não é cínico, não é revisionista nem baixo astral. Contraria tudo o que a Nova Hollywood vinha fazendo naqueles anos. Sua trama parte de dois trambiqueiros de rua que aplicam um golpe que dá certo demais. Arrancam uma bolada de um sujeito, mas não sabem que a grana estava endereçada a um sujeito poderoso e perigoso, Doyle Lonnegan (Robert Shaw). Como resultado, o mentor Luther (Robert Earl Jones) é morto e o mais jovem, Johnny Hooker (Redford), pode ser o próximo.
Então, ele procura outro veterano, Henry Gondorff (Newman), e, com a ajuda de uma rede de trambiqueiros, um grande golpe começa a ser armado para vingar a morte do amigo assassinado. Hooker ajuda Gondorff a recuperar a perícia de outros tempos e sair do buraco e Gondorff ajuda Hooker a ser mais profissional e cuidadoso com a própria vida. É um par de ases que pode valer por uma quadra.
Mas boa parte do que assistimos é o planejamento e a preparação detalhada do golpe, o que já era um clássico dos filmes de roubo como Rififi (1955), O Grande Golpe (1956) e o primeiro Onze Homens e um Segredo (1960), mas aqui não se trata de um roubo a algum lugar, como um banco, uma joalheira ou um cassino. É fundamental uma encenação elaboradíssima, consagrando um tipo de trama a que o cinema voltaria muitas vezes desde então.
Essa preparação é dividida em duas saborosas partes. Numa, Gondorff e Hooker vão tentando fisgar Lonnegan partindo de um jogo de poquer em um trem onde a trapaça é uma das cartas. Na outra, a locação é escolhida, o cenário é erguido e elenco é selecionado como numa peça de teatro. “Minha especialidade é ser um inglês”, diz um candidato, a quem é oferecido um figurino. “Pode deixar, eu trago meu material comigo”. Simpático e profissional, em uma espécie de cultura própria dos golpistas, com suas regras, código de honra, linguajar e procedimentos.
Um complicador é que Hooker está sendo perseguido não só pelos matadores profissionais de Lonnegan quanto por um policial corrupto que ele também enganou. E não conta isso ao novo parceiro. Isso é importante porque deixa no ar segredos entre eles que ajuda a convencer nas reviravoltas do enredo. O par de ases pode não ser o suficiente, se a mão vier desfavorável.
É claro que, cinco décadas depois, os truques de Golpe de Mestre já foram revisitados muitas vezes por outros filmes e talvez sua prestidigitação não surpreenda tanto quanto na época de seu lançamento. Mas o fato é que o filme não depende disso. Há muito mais o que saborear. O diretor George Roy Hill não se contentou com a ambientação nos anos 1930 e aproximou como pôde o filme do estilo de narrativa da época.
Há o visual com uma reconstituição de época caprichada e figurinos de Edith Head (o ícone máximo nessa função em Hollywood, muito identificada com o cinema clássico). Há sacadas de edição como o efeito de cortina ou íris para passar de uma cena a outra. Há as cartelas que introduzem os capítulos, com ilustrações de Jaroslav Gebr que parecem saídas de revistas da época (com o efeito de página virando, inclusive). Há os créditos iniciais, que começa com o logo antigo da Universal e desfila o elenco com suas cenas vindouras no filme, depois de apresentados com uma solenidade irônica, “The players” (que a dublagem brasileira e a legenda no DVD chamam “Os jogadores”).
Sem falar na trilha sonora antológica que resgatou obras do pianista Scott Joplin, rearranjadas para o filme por Marvin Hamlisch. O ragtime de Joplin é, na verdade, de uns 20 anos antes do tempo da trama do filme, lá dos anos 1910, mas o fato é que a música dá o clima exato do filme, o que se provou bem mais importante que essa precisão histórica.
A obra de Joplin passava então por um processo de redescoberta após décadas meio esquecida. Em Golpe de Mestre, ela tem status de protagonista: não aparece sob os diálogos, mas entra em cena em sequências onde ela é absoluta. Somando o imenso sucesso popular do filme, que ainda hoje figura entre as 100 maiores bilheterias americanas (corrigida a inflação), o relativo desconhecimento geral das músicas e sua importância no filme, composições como “The entertainer” ficaram para sempre ligadas ao filme.
Tudo isso ajuda o filme a fazer truques de cartas na nossa frente, enquanto bate nossas carteiras: quando deu por si, a plateia já está conquistada.
GOLPE DE MESTRE. The Sting. Estados Unidos, 1973.
Direção: George Roy Hill. Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Charles Durning, Eileen Brennan, Ray Walston, Harold Gould, Dana Elcar, Dimitra Arliss, Jack Kehoe, Robert Earl Jones, Sally Kirkland, Kathleen Freeman.
M.A.S.H.
⭐⭐⭐⭐⭐
Mídia física: DVD. Streaming: Star Plus.
Ser maluco para não enlouquecer
(Publicado no Facebook, em 18/06/2020)
50 anos este ano de M.A.S.H.! Num ano que teve também os pomposos Patton e Tora! Tora! Tora!, o cinema de guerra teve também um exemplar que foi o contrário disso.
M.A.S.H. é irreverente e iconoclasta sobre o exército e as guerras, numa época em que a Guerra do Vietnã estava comendo no centro. Não tinha uma “história”, mas uma série de episódios envolvendo três cirurgiões (Donald Sutherland, Elliott Gould e Tom Skerritt) de um hospital de campanha que usava o humor para lidar com os horrores do conflito. Bancavam os malucos para não enlouquecerem.
Robert Altman dizia que M.A.S.H. não foi lançado, ele ‘escapou’. Enquanto a Fox estava com as atenções voltadas para Patton (que efetivamente acabaria ganhando o Oscar), o diretor foi contrabandeando suas ideias para seu filme.
Por exemplo: o filme se passa na guerra da Coreia, mas isso quase não é mencionado. A intenção era fazer o público associar mesmo com o Vietnã. O estúdio acabou impondo um letreiro inicial para explicitar que era mesmo a Coreia.
O roteiro (de Ring Lardner Jr., que adapta livro de Richard Hooker) foi jogado para o ar em prol de muita improvisação. Tom Skerritt disse que cerca de 80% dos diálogos foram improvisados (o roteirista não gostou nada dessa decisão, e ironicamente ganhou o Oscar).
Outra: um memorando proibiu fotos de mulheres peladas nas salas de edição. Altman gravou uma leitura do documento e usou numa das cenas de aviso dos alto-falantes que pontuam a narrativa.
Essas coisas fazem com que a alma do filme e a alma de seus personagens combinem muito, inclusive no contraste com as cenas mais duras na sala de cirurgia. Mesmo em sua comédia, M.A.S.H. é um filme único entre outros de piadas de caserna.
M.A.S.H. Estados Unidos, 1970.
Direção: Robert Altman. Elenco: Donald Sutherland, Elliott Gould, Tom Skerritt, Sally Kellerman, Robert Duvall.
ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD
Diário de Filmes 2022: 1
Onde ver: DVD (na coleção Era uma Vez em Hollywood – A Coleção Completa)
Pérolas da Metro
Em 1974, não havia home video. Para ver os antigos musicais da Metro, só numa reprise nos cinemas ou na TV. Por isso, o documentário autocelebratório Era uma Vez em Hollywood foi a oportunidade de rever Gene Kelly cantando na chuva, Fred Astaire dançando nas paredes e tetos do quarto, Judy Garland cantando “Over the rainbow” e outros momentos antológicos. “Eu te digo: você nunca mais verá algo assim de novo”, diz Frank Sinatra na apresentação. E ele tinha razão.
LEIA MAIS:
Era uma Vez em Hollywood: DVD sofre com péssimas legendas
Veteranos astros voltam à Metro para contar essa história em segmentos históricos ou dedicados a um talento, que abrangem musicais do estúdio, lançados entre 1929 a 1958. Há boas sacadas como Fred Astaire apresentando as cenas de Gene Kelly e Kelly as de Astaire. Ou Liza Minnelli apresentando as da mãe, Judy Garland, que morreu cinco anos antes.
Hoje é muito mais fácil garimpar essas cenas, mas o trabalho de curadoria e edição é um desfile de maravilhas irresistível. Só poder assistir de novo (ou pela primeira vez) Fred Astaire e Eleanor Powell dançando “Begin the beguine”, de Cole Porter, já vale um filme desses.
That’s Entertainment!. Estados Unidos, 1974.
Direção e roteiro: Jack Haley Jr. Elenco: Fred Astaire, Gene Kelly, Frank Sinatra, Bing Crosby, Elizabeth Taylor, Donald O’Connor, Mickey Rooney, Liza Minnelli, James Stewart, Peter Lawford.
O APOCALIPSE DE UM CINEASTA
Diário de Filmes 2021: 48
Assistindo Francis sofrer
Orson Welles quis adaptar O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, para sua estreia no cinema. Não conseguiu (fez Cidadão Kane em vez disso). Quem levou o livro aos cinemas foi Francis Ford Coppola, transpondo a ação da selva africana para a guerra do Vietnã. A história é uma odisseia, mas as filmagens também foram, registradas por Eleanor, esposa do cineasta, e que 12 anos depois do lançamento de Apocalypse Now (1979) viraram esse documentário, que está completando 30 anos este ano.
Coppola ficou meses a fio filmando nas Filipinas (mais de um ano), teve cenários destruídos por calamidades climáticas, problemas com o governo local que emprestava e depois tirava os equipamentos militares que o filme mostraria, teve o ator principal (Martin Sheen) sofrendo um ataque cardíaco, Marlon Brando apareceu gordo e sem ter lido o livro ou o roteiro. Coppola enfiou dinheiro do próprio bolso na produção, e pensou em se matar. Disse que o documentário poderia se chamar “Assista ao Francis sofrendo”.
Apocalypse Now estreou em Cannes como um “trabalho em progresso” e ainda assim ganhou a Palma de Ouro. Se consolidou como uma das obras seminais de Coppola e um dos maiores filmes de guerra de todos os tempos. Teve versões reeditadas que fizeram barulho a cada vez que foram lançadas (a Redux, com 53 minutos a mais, em 2001, e a Final Cut, com 36 a mais que a original).
O documentário não aborda, claro, essas novas versões. Ele tem o material de Eleanor (algumas vezes registrando as lamentações de Francis sem que ele soubesse que estava sendo gravado) combinado com novas entrevistas realizadas com os outros dois diretores. É um filme com status de lenda e sua filmagem também.
Onde ver: Belas Artes a la Carte.
Hearts of Darkness — A Filmmaker’s Apocalypse, 1991.
Direção: Fax Bahr, George Hickenlooper, Eleanor Coppola.
Em novembro de 2013, eu tive a alegria de entrevistar o Daniel Azulay para o Correio da Paraíba. Ele estava lançando um curso de desenho on line e se preparava para comemorar os 40 anos da sua Turma do Lambe-Lambe. Ele morreu na sexta passada, após uma luta contra a leucemia de ter contraído o coronavírus.
Segue aqui o resultado daquele nosso papo, onde ele fala de sua trajetória e de como desenhar pode ajudar na formação das crianças. “A coisa mais fascinante da vida é a imaginação. A criança não pode ficar presa a uma coisa só, como um animal amestrado“.
Desenhando uma vida
Daniel Azulay há décadas se dedica a incentivar crianças a desenhar; agora, lança um curso virtual e se prepara para comemorar os 40 anos da Turma do Lambe-Lambe
Ele está há muito tempo afastado da televisão, mas sua figura ainda é sinônimo de desenhar para muita gente que assistia ao programa A Turma do Lambe-Lambe nos anos 1970 e 1980, na TVE e na Bandeirantes. Ao telefone, conversando com o CORREIO, Daniel Azulay logo lembra que esteve em Campina Grande nos anos 1980 com o show de seus personagens.
Ele nunca esteve parado, na verdade: manteve oficinas de desenho, um projeto social e, agora, lança um curso de desenhos com vídeos pela internet — justamente o que era uma das grandes atrações de seu programa. “A televisão foi uma semente que germinou e deu frutos”, conta.
O Diboo (www.diboo.com.br) está sendo anunciado como o primeiro curso online de desenho voltado para o público infantil lançado no Brasil, aproveitando a metodologia que Azulay aperfeiçoou em mais de 30 anos de trabalho, nos quais ele sempre tentou desmistificar a ideia de que, para desenhar, é preciso essa coisa indefinível chamada talento.
“É como dizer que, para ler e escrever, a criança precisa ser intelectual”, diz. “Desde que o mundo é mundo, o homem se comunica pela imagem”.
Além disso, ele tenta promover o desenho — e, por tabela, o estímulo da imaginação – como forma de sociabilizar a criança.
“Hoje, se os pais não cuidarem, a criança vai ficar sem relacionamento social, rapaz!”, afirma. “Num aeroporto, vi uma mãe e três filhos e ninguém conversava com ninguém. O desenho aproxima e liberta a pessoa, rapaz”.
E fala dos games eletrônicos: “Não pode ficar escravo de coisa nenhuma, muito menos de um equipamento. É preciso estimular a imaginação, fazer esportes e desfrutar de tudo – inclusive da tecnologia. É só os pais terem vontade e dedicação. Não pode abandonar ou terceirizar o garoto. O tempo dele é precioso”.
A turma do Lambe-Lambe – com personagens como a galinha Xicória, a vaca Gilda, a coruja Professor Pirajá, o elefante Bufunfa, os garotos Piparote, Ritinha, Damiana e Pita, nomes familiares para muita gente – vai completar 40 anos em 2014 e Daniel Azulay prepara a comemoração. Os personagens surgiram em tiras de jornal, o que os levou à TV. Chegou a ter mais de 100 produtos licenciados, lembra o desenhista. No programa, Azulay contracenava com suas criações e ensinava a desenhar e a montar brinquedos com objetos de casa, a sucata doméstica. O sucesso na TV rendeu uma revista em quadrinhos pela Editora Abril.
“Vai sair um almanaque de 100 páginas pela Ediouro”, adianta. “E estamos com o projeto de um livro, um musical e um filme”. Com a TV a cabo em busca de programação nacional e canais inteiros dedicados à criança, poderia pintar o regresso da Turma do Lambe-Lambe à TV, mas Azulay garante que não planeja isso. “A produção de TV é muito trabalhosa. Eu tenho mil atividades”, conta. “E as emissoras hoje buscam uma audiência fácil e rápida. A TV aberta, então, tem uma programação muito pouco criativa. Falta aparecer a cara da criança na TV”.
Ele esteve de volta à TV em 1996, com a Oficina de Desenho Daniel Azulay, que fez sucesso por quatro anos na Band-Rio e depois passou a ser transmitido em cadeia nacional. Na TV paga, ele ainda desenvolveu um programa para o canal pago Futura em 2004 e 2005, Azuela do Azulay, que foi premiado no Japão. E a Turma do Lambe-Lambe ainda voltou na TV Rá-Tim-Bum em 2006 e 2007.
Daniel Azulay também desenvolveu nestes anos um trabalho com arte contemporânea premiado: chegou a receber uma carta do presidente do MoMA, de Nova York. “Tem muito elemento da infância, do inconsciente. ‘Funny faces'”, diz. Esse trabalho também pode ser visto no site oficial do desenhista.
O que continua impressionando em Daniel Azulay, mesmo por telefone, é que suas mil atividades parecem ser um reflexo de uma hiperatividade que sempre o deixou parecido com seus próprios desenhos. “Adoraria fazer um show aí. Você não me dá os contatos de alguns produtores para a gente conversar?”, emenda.
“A coisa mais fascinante da vida é a imaginação”, filosofa. “A criança não pode ficar presa a uma coisa só, como um animal amestrado”.
Através de seus personagens e seus cursos, Daniel Azulay fez parte da vida de inúmeras crianças, ajudando a ampliar sua sensibilidade e a fazer a imaginação de cada uma sair de suas mentes e ganharem traços no papel. E continua fazendo.
* Matéria publicada no Correio da Paraíba, em 22 de novembro de 2013.