MEU PAI
⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 49

Labirinto mental

O título brasileiro verteu The Father para Meu Pai, mas isso não combina muito porque o ponto de vista do filme de Florian Zeller não é o da filha vivida por Olivia Colman. É inteiramente o do pai, Anthony, papel de um muito inspirado Anthony Hopkins.

Ele é o idoso londrino que vive sozinho em seu apartamento e resiste à ideia de ter uma cuidadora. A filha está tentando convencê-lo, já que vai se mudar para Paris e não poderá mais visitá-lo diariamente.

A segurança de Anthony consigo mesmo vai, no entanto, sendo colocada em xeque. De repente, o ex-marido da filha está no apartamento dizendo que o casal (que não se separou) é o dono do lugar e Anthony é que foi morar com eles. Ou a filha volta das compras, mas está completamente diferente. Ou situações já vividas parecem se repetir pouco depois.

Anthony estaria perdendo o juízo ou estariam tentando confundi-lo?

O filme é baseado em uma peça de sucesso de Florian Zeller, dramaturgo francês muito respeitado, que estreia na direção de cinema e que adaptou o texto com a ajuda de outro grande dramaturgo, o britânico (mas nascido em Portugal) Christopher Hampton. Para o papel, sua única opção era Anthony Hopkins. Tinha razão.

Filmes que tentam traduzir o que se passa na mente de seus protagonistas podem resultar numa grande jornada narrativa, e os bons exemplos vêm desde O Gabinete do Dr. Caligari (1920). A ideia é fazer o espectador compartilhar ao máximo do sentimento de desconforto do personagem central.

A tática é bem empregada aqui, e uma chave importante para isso é Hopkins nos entregar um performance que consegue fácil a nossa empatia. Isso ajuda o espectador a passar por um trajeto que não é fácil: a deterioração da mente de um homem.

O filme poderia estabelecer um suspense, mas o objetivo não é estabelecer um jogo em que o espectador deve desvendar o que verdade ou mentira, se o protagonista está doente ou o estão enganando. Meu Pai deixa claro a confusão mental de Anthony quando, em sua primeira cena, mostra a chegada da filha Anne sem ser pela visão dele. É, aí, uma narrativa em terceira pessoa, a nossa visão objetiva do fato.

Por isso, quando Anne reaparece vivida por outra atriz, sabemos que é coisa da cabeça de Anthony, que estamos vendo isso pelos olhos dele. E que não deve ser essa a realidade.

Então, o que resta ao espectador é testemunhar, de dentro, a mente de um octogenário definhando. Como vemos a maior parte do filme por sua visão, sabemos pouco se o que estamos vendo é real (o relógio sempre perdido, o quadro na parede que some, o frango no jantar que se repete, uma sacola que muda de cor), a não ser pela âncora que são as cenas com a filha em que ele não está presente. Na maior parte do tempo, Meu Pai é um labirinto bem arquitetado, mas, talvez, sem final.

Onde ver: cinemas, Belas Artes a la Carte, Now, iTunes, Google Play, Sky Play (a partir de 28/4), Vivo Play (a partir de 28/4)

The Father, 2020.
Direção: Florian Zeller. Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Olivia Williams, Mark Gatiss, Imogen Poots, Rufus Sewell.