HATARI!
⭐⭐⭐⭐
Diário de filmes 2023: 9
Mídia física: DVD. Streaming: Não disponível no Brasil.

A quintessência de Howard Hawks

Nos créditos de abertura, Hatari! agradece ao governo e ao povo de Tanganica e também aos animais selvagens. Filmado nessa região do norte da África que logo se tornaria um país independente (a Tanzânia), o filme de Howard Hawks deve mesmo muito ao elenco animal de seu filme. O diretor americano levou sua trupe para o continente a fim de contar as aventuras e comédias de um grupo de profissionais que captura animais para zoológicos do mundo. E colocou John Wayne e companhia no meio de rinocerontes em disparada, girafas, elefantes, búfalos.

Dá para perceber que não é só um filme de aventura, a própria filmagem foi uma aventura, isso é a razão de ser e do fascínio do filme. É bastante longo (2h37) mais para acomodar toda a ação envolvendo as seguidas capturas que as tramas de personagens que as entremeiam. Há uma rivalidade entre dois integrantes da equipe, a disputa de dois homens (e depois três) pela mesma mulher, o relacionamento conflituoso do personagem de Wayne com a de Elsa Martinelli, o grupo se virando para lidar com avestruzes fujões ou bebês elefantes esfomeados.

São tramas leves e simpáticas, uma antessala para o que realmente interessa ao filme. Não por acaso, o filme começa direto na ação, antes mesmo do título, em que um dos caçadores se dá mal e o rinoceronte sai vitorioso do duelo. Só depois é que os personagens começam a ser apresentados. A primeira coisa a que o espectador é apresentado, na verdade, é ao perigo da profissão e ao profissionalismo daquele grupo.

O filme possui até um quociente de improviso. Hawks dizia que não adiantava escrever um roteiro detalhado com antecedência porque não dava para determinar o que um rinoceronte iria fazer na cena. De fato, quando a captura é feita, ele escapa, e os personagens precisam recapturá-lo – e o diretor deixou a cena assim. A roteirista Leigh Brackett teve que costurar de maneira coerente as cenas de ação. Ela sabia onde estava pisando: era seu terceiro (de cinco) roteiros para Howard Hawks.

Hatari! é, claro, datado em termos de ecologia e representatividade racial. Mas, além da ética de se ter animais em zoológicos não ser uma questão nos anos 1960, para as plateias que mal conheciam a África ver esses animais em ação era, sem dúvida, uma atração que o cinema (em Technicolor e tela larga) poderia mostrar como nenhum outro meio na época. Os caçadores de Hatari! precisam capturar os animais vivos, o que, sem dúvida, torna a ação mais complexa e espetacular – cenas que não seriam permitidas hoje em dia.

E, além de filmar no local real, Hawks mostra o máximo que pode os atores realizando as proezas do filme – segundo o diretor, sem dublês. É algo bem diferente, em termos de espetáculo, do que, por exemplo, Tarzan, o Filho das Selvas (1932) que, 30 anos antes, colocava os atores numa África de estúdio ou, no máximo, frente a back projections com imagens de tribos locais, num efeito muitas vezes bem precário.

Wayne lidera um elenco internacional, com franceses (Gérard Blain e Michéle Girardon), um alemão (Hardy Krüger) e uma italiana (Martinelli), além de outros americanos (Red Buttons, Bruce Cabot e Valentin de Vargas). Aqui, salta os olhos o fato de que, em um grupo de atores com tantas nacionalidades, não há um africano sequer na equipe principal, ou com falas relevantes. Ao menos não há um personagem chamando-os de “macacos que recém desceram das árvores”, como no italiano O Eclipse, do mesmo ano.

O personagem de Wayne, Sean, é o chefe inequívoco, a ponto de rebatizar ao modo americano o francês Charles (Blain) como “Chips” e a italiana Anna Maria D’Alessandro (Martinelli) como “Dallas”. Ainda que a dona da companhia (Girardon) seja francesa – o filme não diz, mas seu nome, Brandy, pode ser uma apelido que ganhou da mesma forma.

O filme também é bastante representativo da obra de Hawks. Ele usou de maneira recorrente a trama de profissionais que correm perigo (“hatari” significa “perigo” em swahili) para fazer o que têm que fazer e a mulher bonita de fora que aparece para bagunçar o coreto. Sean e seu grupo trabalham bem, mas a chegada da fotógrafa Dallas incomoda Wayne. Ela não é daquele mundo, não é uma profissional como eles, só vai atrapalhar o trabalho (Brandy, que tem seu espaço ali sem ser contestado, é considerada “um dos rapazes”). Essa dinâmica já havia aparecido em Paraíso Infernal (1939), Rio Vermelho (1948) e Onde Começa o Inferno (1959).

Apesar do estranhamento, surgirá o romance entre Sean e Dallas, claro. Mas, mais do que isso, ela vai se integrar e fazer o chefe durão rever alguns conceitos. O exemplo maior é quando a fotógrafa impede a morte de um bebê elefante e o adota (e depois mais dois), contrariando Sean. Autor da trilha sonora, Henry Mancini acabou criando a música “Baby elephant walk” para essas cenas. Nem deve ter imaginado o sucesso que faria com ela, que foi regravada inúmeras vezes (aqui no Brasil ficou conhecida como “O passo do elefantinho”).

Red Buttons, por sua vez, encarna o coadjuvante que aumenta o tom da comédia, como Walter Brennan já havia sido em Onde Começa o Inferno. Seu Pockets se encaixou bem na dinâmica de Hawks, entre Wayne e Martinelli, tendo, inclusive, uma trama para chamar de sua. No quesito humor, ele tem uma competição difícil com o carismático trio de elefantinhos. No final, eles participam com destaque quando Dallas é que passa a ser caçada, quando resolve ir embora, pelos companheiros querem fazê-la desistir (incluindo os pequenos paquidermes).

Esses elementos são a quintessência do diretor. Assinando grandes comédias e grandes aventuras, e sendo um aventureiro na vida real, Howard Hawks sintetiza bem a si mesmo em Hatari!.

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HATARI! Hatari! Estados Unidos. 
Direção: Howard Hawks. Roteiro: Leigh Brackett, a partir de argumento de Harry Kurnitz. Elenco: John Wayne, Elsa Martinelli, Hardy Kruger, Red Buttons, Gérard Blain, Michèle Girardon, Bruce Cabot, Valentin de Vargas.