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Tarantino quase sério

Bastardos Inglorios

Eli Roth e Brad Pitt: mais violência de desenho animado

Quando Quentin Tarantino divide seus filmes em capítulos, ele se permite uma liberdade extra: a de poder dirgir cada um deles mimetizando estilos diferentes. Assim, cada filme anterior do diretor são paródias (geralmente no bom sentido) de gêneros caros a ele, mas o que ele fez nos dois Kill Bill se repete em Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, Estados Unidos/ Alemanha, 2009): ele aproveita alguns capítulos para fazer filminhos dentro do filme.

Assim, não é por acaso que o primeiro capítulo se chama “Era uma vez na França ocupada”: trata-se de um faroeste, mesmo que seja a França dos anos 1940. Os enquadramentos são puro Sérgio Leone, com direito a Morricone na trilha e um plano evocando Rastros de Ódio (1956), de John Ford (Leone e o mesmo enquadramento de Ford já haviam sido citados em Kill Bill).

É também o melhor momento do filme, com grande tensão e pouquíssimo tom de desenho animado que a violência quase sempre tem nos filmes de Tarantino e apresentando um personagem desde aí arrasador: o Coronel Hans Landa (vivido pelo incrível alemão Christoph Waltz, que, com muita justiça ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes). Um Tarantino “sério”, enfim? Não tão rápido. Essa postura só dura esse primeiro capítulo – depois o que predomina é o tom habitual maneirista do diretor.

O que causa bons e maus momentos. Bastardos Inglórios alternando planos belíssimos (às vezes até se aproximando de seu prólogo antológico) com acentos pop desnecessários (às vezes, tudo ao mesmo tempo). Mantendo como características a glamourização da violência, a trama intrincada e os diálogos elaborados, ele não resiste ao exagero. Apresenta personagens como se estivesse nos anos 1970, atira David Bowie como uma pedra para ser trilha de uma das cenas e produz uma seqüência interminável de falatório gratuito numa taberna – depois de fazer já duas outras seqüências semelhantes.

Por outro lado, o momento exato em que a francesa judia Shosana (Mélanie Laurent) reencontra o algoz de sua família é uma das cenas mais bem filmadas da carreira de Tarantino. Há outras, espalhadas pelo filme, e nenhuma delas envolve pessoas sendo escalpeladas ou um Hitler que parece um dos atores rejeitados de Primavera para Hitler (1968). Novamente em contrapartida, para todo aquele movimento com a grua no hall de um cinema – que na verdade, não quer dizer muita coisa – há aquele momento sublime em que o tenente vivido por Brad Pitt tenta conversar em italiano com o coronel alemão. Um dos vários momentos em que a comédia funciona bem.

O cinema como cenário não está lá, evidentemente, por acaso. Todo filme de Tarantino acaba sendo meio sobre o próprio cinema – aquele que o formou como cinéfilo e, depois, roteirista e diretor. O filme vai puxando outras referências, citando explicitamente o cinema francês antes da nouvelle vague e também nomes do cinema alemão, enquanto parodia do já citado Era uma Vez no Oeste a, óbvio, Os Doze Condenados (1967) , com espaço para brincar de nouvelle vague.

E brincar é palavra-chave porque Tarantino ainda parece um adolescente talentoso brincando de fazer cinema e à espera de realizar seu filme pleno. É meio isso que acaba soando o fato de que a vingança não é só o motivo dos personagens – a judia francesa que perdeu a família sob as balas dos alemães e os soldados judeus que caçam nazistas para instaurar o terror entre eles -, mas uma postura do filme em si mesmo.

Culminando na curiosa catarse final, que manda a História tão escancaradamente às favas que até blinda Bastardos Inglórios de receber qualquer crítica nesse sentido. Qual será a razão daquilo? Sendo um filme sobre o cinema, mais parece uma afirmação de que “aqui mando eu”, uma declaração de que os filmes não precisam obedecer certas regras “caretas” como verossimilhança histórica. Lembra uma frase do (fraco) filme nacional Baixio das Bestas (2007): no cinema, você pode fazer o que quiser. É a gênese de um bom debate, e esse é o principal mérito da cena (que, aliás, poderia ser muitíssimo mais surpreendente).

Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, Estados Unidos/ Alemanha, 2009). Direção: Quentin Tarantino. Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth, Michael Fassbender, Diane Kruger, Daniel Brühl, Mike Myers, Rod Taylor. Em cartaz nos cinemas.