O gangster definitivo
Inimigo Público (The Public Enemy, Estados Unidos, 1931) é ainda bastante impressionante em diversos sentidos. Primeiro, pelo uso do som, considerando que o cinema falado estava só em seu quarto ano e todos ainda estavam aprendendo a lidar com coisas como diálogos e microfones. Segundo, pela direção de William Wellman que faz o filme parecer bem mais jovem que os 84 anos que ele na verdade tem. E, claro, por James Cagney, surgindo como o gangster definitivo.
Wellman procura sempre dar um passo além do que a cena pede para narrar a história e cria momentos memoráveis. O maior deles talvez seja a sequência em que Tom Powers, o personagem de Cagney, já um poderoso gangster, resolve ajustar contas sozinho com a gangue rival e, debaixo daquela chuva torrencial, entra no restaurante onde os inimigos estão. E a câmera não entra com ele, deixando o espectador só com o som dos tiros e o suspense.
Era a linguagem do cinema se desenvolvendo bem diante dos olhos da plateia – que, naquele momento, só conseguia pensar: “o que estará acontecendo?” e “quem vai sair dali e em que condições?”.
Mas é difícil escolher. Que tal o atentado contra Tom e o parceiro de crimes desde a infância, Matt Doyle (Edward Woods)? A parede esburacada a balas enquanto Cagney salta para trás da esquina (a balas mesmo: um especialista em tiros abriu fogo contra a parede, com tudo coreografado).
Ou a cena muito conhecida em que Cagney mostra como seu personagem é violento o tempo todo enfiando a metade de um grapefruit na cara da amante (Mae Clarke) no café da manhã. Uma cena que, hoje, pode ser “leve” em um cinema onde se cortam cabeças sem cerimônia, mas ali em 1931 deve ter sido surpreendente (pelo menos foi para a equipe do filme: segundo os dois atores, eles combinaram o gesto para ver como a equipe reagiria e Wellman resolveu deixar a cena no filme. Virou uma imagem clássica).
E o desfecho com uma imagem forte, aterrorizante, quase fantasmagórica e carregada de lição de moral. Neste aspecto, o filme ainda não estava sob o Código Hays (que foi implantado em 1934), mas a Warner se desculpa o tempo todo pela violência: na abertura, um texto alerta que o filme não glorifica o estilo de vida dos gangsters, no final outro texto deixa claro que tudo é um problema maior, social, mas que os bandidos devem receber o que merecem. Quando o filme foi relançado em 1941, não teve jeito: os cortes vieram e levaram mais de dez minutos do filme.
As insinuações de sexo também estão lá, a maioria a cargo de Jean Harlow, a mulher que surge para balançar a cabeça de Tom. Jean estava com 20 anos e virando uma estrela. Não aparece rápido e nem tanto assim (o filme começa em 1909, na infância de Tom e vai passando os anos até chegar a 1920 e sua ascensão definitiva), mas suas cenas são marcantes. É melancólico hoje pensar que, naqueles dias em fulgurante ascensão, ela morreria apenas seis anos depois.
Inimigo Público. The Public Enemy. Direção: William A. Wellman. Elenco: James Cagney, Jean Harlow, Edward Woods, Joan Blondell, Donald Cook, Meryl Bercer.
3 comentários
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15/04/2015 às 00:45
Rogerinho
Republicou isso em Blog do Rogerinho.
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12/11/2015 às 12:17
Boletim da 219ª Sessão: “O Inimigo Público”, de William A. Wellman, 1931 | Cineclube de Caminha
[…] https://renatofelix.wordpress.com/2015/03/02/classico-inimigo-publico/ […]
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06/09/2021 às 14:15
Os 10 melhores filmes de 1931 | Boulevard do Crepúsculo
[…] final horripilante. O gangster definitivo, o gangster dançarino, neste filme seminal de Wellman. Leia minha crítica. Onde ver: DVD.Estados Unidos. Direção: William A. Wellman. Roteiro: Klubec Glasmon e John […]
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