ÚLTIMA HORA
⭐⭐⭐⭐⭐
Diário de Filmes 2021: 19

Tinta de máquina de escrever nas veias

Ben Hecht e Charles MacArthur escreveram a peça The Front Page, de 1928, com base em suas experiências como repórteres em Chicago. Levaram ao palco um espírito de vale tudo pela notícia, em que puxar o tapete dos outros era só um dos talentos dos melhores no ofício.

A trama se passa quase toda na sala de imprensa de um complexo de tribunal e cadeia em Chicago, onde repórteres de vários jornais passam tempo à espera da execução de um suposto revolucionário comunista condenado por assassinato. Walter Burns (Adolphe Menjou), um editor implacável, faz de tudo para que seu melhor repórter, Hildy Johnson (Pat O’Brien) cubra a notícia. Mas Hildy está largando tudo para se casar.

Porém, ele tem tinta de máquina de escrever correndo nas veias, e ela fala mais alto quando o condenado escapa no meio da noite e pode, de quebra, expor um escândalo de corrupção. Cheia de personagens entrando e saindo de cena, e metralhando diálogos, a peça acabou levada às telas nos primeiros anos do cinema falado. Numa época de muitos diálogos empolados e “importantes”, Última Hora, que completa 90 anos este ano, ajudou a consolidar o coloquialismo de falas espirituosas.

Lewis Milestone era um diretor que não se dobrava à tirania do som naqueles anos (quando o protagonismo dos microfones restringia o movimento das câmeras). Já tinha mostrado isso em Sem Novidades no Front, no ano anterior. Aqui, há vários planos de encher os olhos, como o plano-sequência da caminhada de Burns pela redação do jornal, que começa com o editor sentado em sua mesa, visto através do vidro (mas não sabemos disso até a câmera se afastar), seguido por outros dois na gráfica (um com a câmera baixa, outro com o personagem visto por trás das máquinas).

O diretor até usa o som de modo bem criativo, quando Burns se apoia numa máquina de escrever para soltar um sonoro “filho da puta” que se torna inaudível pelo barulho da máquina na hora exata.

The Front Page gerou outras três adaptações. Jejum de Amor (1940), antológica, é dirigida por Howard Hawks e adiciona romance ao transformar Hildy em personagem feminino (Cary Grant e Rosalind Russell estrelam o filme). A Primeira Página (1974) é o tributo de Billy Wilder, com Walter Matthau e Jack Lemmon. E Troca de Maridos (1988), não tão bom quanto os outros, mas ainda interessante, de novo muda o sexo de um dos personagens (Burt Reynolds, Kathleen Turner e Christopher Reeve estrelam).

O original, menos conhecido hoje que as versões de Hawks e Wilder, mantém seu frescor, humor e agilidade, que escondem um pouco a importância que ele teve na naturalização dos diálogos no cinema americano e no surgimento da comédia maluca (ou screwball comedy) na década.

Onde ver: YouTube

The Front Page, 1931.
Direção: Lewis Milestone. Elenco: Adolphe Menjou, Pat O’Brien, Mary Brian, Edward Everett Horton