Toque de classe

A Disney muda um pouco para voltar a ser o que era

O peso em cima de A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, Estados Unidos, 2009) é muito grande. Dele depende o futuro da animação feita à mão no cinema, depois que a própria Disney achou que o público não a queria mais – em 2003, após alguns seguidos insucessos – e parou de produzir longas no estilo. Para começar, uma decisão muito injusta com tantos artistas que criaram belo trabalhos e encheram os cofres dos estúdios em tantas oportunidades.

Precisou que John Lasseter, papa da animação por computador à frente da Pixar, assumisse a direção de animação da Disney e dissesse o óbvio: que boas histórias e bem contadas contam mais que o suporte em que elas estão. A Princesa e o Sapo parece mesmo um filme disposto a provar que a herança do estúdio merece respeito – dele mesmo, o estúdio, inclusive. Não apenas os diretores são os mesmo John Musker e Ron Clements de A Pequena Sereia (1989) e Aladdin (1992), como há uma nova princesa em cena (e não só a Disney, mas os longas de animação devem tudo a elas, pois nasceram com a ousadia de Branca de Neve e os Sete Anões, em 1937).

E, ainda por cima, como o filme é um musical, gênero em desuso na animação desde o final dos anos 1990. É como se os números musicais também fossem culpados por alguns fracassos da Disney na época (nota pessoal: a primeira vez que ouvi alguém reclamando dos números musicais foi meu amigo Rodrigo Salem em Hércules, em 1997, filme que, por sinal, tem músicas ótimas). Quem pensa assim se esquece que os principais desapontamentos da Disney nas bilheterias vieram de Planeta do Tesouro (2002) e Nem que a Vaca Tussa (2003), não-musicais.

Curiosamente, enquanto as animações dos últimos anos pareceram ter medo do gênero, ele cresceu entre as produções “em carne e osso”, até ganhando Oscars – com Chicago (2003), por exemplo. A Princesa e o Sapo traz o musical de volta com esplendor, mas cerca-se de elementos para não parecer “antigo” demais.

O fato de a protagonista ser negra é um deles. E também a postura cética dela, que não espera por um príncipe ou desejos realizados por uma estrela: ela acredita é no trabalho duro, o que cria a tensão com o folgado (e falido) nobre europeu transformado no anfíbio. Há um extremo cuidado em não fazer dela uma figura passiva como Branca de Neve ou Aurora, de A Bela Adormecida (1959), e isso é reafirmado pelo filme sempre que pode.

E a trilha é inspirada no jazz e no gospel, ajudada pela ambientação em Nova Orleans, o que ajuda a quebrar maiores resistências aos números musicais. Nem precisava: os números (todos de Randy Newman) são cheios de graça, e dão muito vontade de cantar junto: caso de “When we’re human” e “Dig a little deeper”. “Almost there” (ou “Quase lá”, na versão dublada) – o traço muda para o estilo dos cartuns americanos dos anos 1920.

Em outros números, a cena é tomada por coadjuvantes inspirados – como o jacaré trompetista Louis (claro, inspirado em Louis Armostrong), o vagalume Ray e a velha feiticeira Mama Odie dominam a cena. Mas Tiana e Naveen, os sapinhos transformados, também estão sempre bem (dublados por Anika Noni Rose e o brasileiro Bruno Campos – de O Quatrilho, lembra? – no original e Kacau Gomes e Rodrigo Lombardi – ótimos – na versão brasileira).

O traço à mão, por si só, injeta uma leveza que estava fazendo falta nas animações que têm chegado aos cinemas. É bonito de ver e combina essa beleza com boas piadas. É um bem-vindo toque de classe entre tantos do filme (como algumas referências a peças de Tennessee Williams). No fim, talvez esse hiato fosse necessário para que o público- e a própria Disney notassem como essa estilo de animação fez falta.

A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog). Direção: John Musker, Ron Clements. Roteiro: Ron Clements, John Musker e Rob Edwards, a partir de história original de Clements, Musker, Greg Erb, Jason Oremland e supervisão de Don Hall. Vozes na dublagem original: Anika Noni Rose, Bruno Campos, Keith David, Michael-Leon Wooley, Jennifer Cody, Jim Cummings, Jenifer Lewis, Oprah Winfrey, Terrence Howard, John Goodman. Vozes na dublagem brasileira: Kacau Gomes, Rodrigo Lombardi, Sérgio Fontoura, Iara Riça, Mauro Ramos, Márcio Simões, Selma Lopes.