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Transpirando sexo

Vivien e Brando: um duelo com dois vencedores

É sempre impressionante lembrar que Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire, Estados Unidos, 1951) é uma produção do início dos anos 1950. Em plena vigência do Código Hays, a autocensura dos estúdios americanos, o filme de Elia Kazan era uma produção classe A que batia de frente com os censores praticamente em cada fotograma. O sexo transpirava pela camisa suada de Marlon Brando, e pelos os olhares lascivos de Kim Hunter e Vivien Leigh. Tanto é que Kazan venceu algumas das brigas contra o Código, mas não todas.

O filme foi produzido pela Warner, mas Kazan não era um contratado do estúdio. Ele foi chamado para dirigir a versão de Um Bonde Chamado Desejo, de Tenessee Williams, para o cinema por causa do grande sucesso da montagem que dirigiu na Broadway, no final dos anos 1940. Resistiu muito e, convencido pelo próprio Tennessee Williams, sabia que teria que ser flexível em certos pontos, mas foi inflexível em outros. E chamou os atores com quem trabalhou na versão para o palco: Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden, substituindo apenas Jessica Tandy pela estrela Vivien Leigh (que fez a peça em Londres, dirigida por Laurence Olivier).

A trama mostra a aristocrática professora Blanche Dubois (Vivien) chegar à casa da irmã Stella (Kim) em Nova Orleans de visita. Stella é casada com o brutamontes Stanley Kowalski (Brando), que, de cara, não se dá com a irmã da esposa. Histórias mal contadas sobre o destino da propriedade da família e as razões pelas quais Blanche está ali aumentam ainda mais as desconfianças dele e tornam o clima na casa cada vez mais asfixiante.

Nisso, Kazan tira um grande proveito da direção de arte e da esplêndida fotografia em preto-e-branco (de Harry Stradling), concentrando quase toda a ação nos cenários apertados da casa dos Kowalski em ebulição. A atmosfera parece úmida o tempo todo, contribuindo para as explosões de Kowalski, em contraste com os modos frágeis de lady de Blanche. O confronto entre essas duas personalidades sobe a temperatura do filme: de certa forma, as duas irmãs estão competindo pelas atenções do homem da casa.

A intensidade entre os atores é tanta, mesmo sem qualquer cena explícita, que o filme recebeu cortes nos detalhes. O Código Hayes, sob influência da Legião Católica de Decência, exigiu 68 mudanças no roteiro. A menção ao homossexualismo foi amenizada – mas está em meias palavras para qualquer bom entendedor.

O estupro também foi simbolicamente substituído pela quebra de um espelho durante uma briga – entender o que acontece ali é essencial para a reta final do filme. Até planos de olhares – que duram poucos segundos na tela – foram considerados indecentes e substituídos por outras tomadas. Por outro lado, o desfecho foi mudado drasticamente, também por razões moralistas.

A força transgressora do texto de Williams causou seus tremores até no Brasil. Foi em 1948 que a primeira montagem brasileira foi realizada, com Ziembinski na direção, e Henriette Morineau como Blanche. Foi através dela que o título foi mudado aqui para Uma Rua Chamada Pecado, pelo tradutor Carlos Lage. A mudança de “desejo” para “pecado” deixa no ar que o aspecto erótico do título original foi colocado de maneira mais condenatória.

Mesmo com todas as mudanças forçadas, o filme continuou fortíssimo. A cena de reconciliação entre Stanley e Stella, a descida da escada de Kim Hunter é certamente uma das cenas mais eróticas dos anos 1950. E, mesmo ali, o olhar da atriz para Brando de camiseta rasgada foi reduzido ao máximo em tempo. Tudo foi restaurado quando Uma Rua Chamada Pecado foi lançado em DVD – o final alterado continuou: ele não havia sido editado, mas, sim, mudado desde o roteiro.

Uma Rua Chamada Pecado é um dos dois únicos filmes da história a ganhar três dos quatro prêmios de interpretação no Oscar. Karl Malden e Kim Hunter venceram como coadjuvantes, e Vivien Leigh ganhou seu segundo prêmio como melhor atriz (o primeiro, claro, foi por …E o Vento Levou, em 1940). Vivien, integrada ao elenco por ser um maior chamariz de bilheteria, tem (com perdão a Jessica Tandy) uma das maiores performances já vistas no cinema.

Curiosamente, foi justamente Brando que não ganhou como melhor ator (perdeu para Humphrey Bogart, por Uma Aventura na África). Foi apenas seu segundo filme, mas depois dele todo mundo ficou sabendo quem era Marlon Brando. Vigoroso, selvagem e passional – bem ao estilo do Actor’s Studio – , ele está extraordinário e assustador.

Em um filme construído sobre o contraste entre a brutalidade e a fragilidade, outro contraste se sobressai: a da famosa estrela e o do iniciante ator, em um duelo em que ambos venceram.

Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire). Estados Unidos, 1951. Direção: Elia Kazan. Elenco: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden. Disponível em DVD no Brasil pela Warner.