Porrada política
A missão era muito difícil, mas Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro (Brasil, 2010) conseguiu uma química que poucos conseguem: não só é uma continuação perfeitamente lógica e coerente do filme original, mas também é uma obra sensivelmente diferente, com personalidade muito própria. O público pode até ir ao cinema esperando ver mais do mesmo, que agradou tanto no filme de 2007, também dirigido por José Padilha, mas será surpreendido – para bem.
O primeiro Tropa, Urso de Ouro no Festival de Berlim, sempre vale lembrar, colocou o dedo na ferida em questões que ninguém tinha coragem de discutir abertamente: como a responsabilidade dos usuários de droga ou a subserviência de ONGs para com traficantes. Agora, o Tropa 2 quer mostrar que o buraco é “mais em cima”.
A trama se passa 13 anos depois do primeiro filme, mostrando o Capitão Nascimento (Wagner Moura) agora como tenente-coronel e no comando do Bope. Mathias (André Ramiro) é seu sucessor em campo. Como oponente direto, há Fraga (Irandhir Santos), um professor que comanda uma ONG pelos direitos humanos.
As ações desses personagens durante uma rebelião na penitenciária de Bangu I desencadeia as ações do filme e coloca Nascimento dentro da secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. É lá que ele vai descobrir que um novo problema aparece nas comunidade após a saída do tráfico: as milícias, formadas por próprios policiais para extorquir dinheiro dos habitantes em troca de serviços muitas vezes ilegais.
O primeiro filme foi didático em mostrar como a corrupção está já amalgamada à polícia e como a sociedade tem sua parcela de culpa pela violência. O segundo mostra como os políticos compactuam com a milícia para transformar as comunidades pobres em uma fábrica de votos. “O sistema, parceiro, é f…”, como diz o próprio Nascimento.
A escalada de Tropa de Elite 2 como um equilíbrio entre aventura policial e suspense político é perfeita. O roteiro (de Padilha e Braulio Mantovani, com história da dupla e de Rodrigo Pimentel) encadeia as situações de modo não menos do que brilhante, em um roteiro complexo e com muitas ramificações. Nos mostra uma sinuca moral embasbacante, que termina sobrevoando a capital federal. Tudo sublinhado por interpretações irrepreensíveis – o próprio Wagner Moura à frente, seguido de perto pela revelação Sandro Rocha, cujo papel era mínimo no primeiro Tropa.
Nascimento também está perdendo o respeito do filho, que nunca entendeu por que o trabalho do pai é matar. É de porradas assim que Tropa de Elite 2 é feito. E são inúmeras, no filme inteiro, e para todos os lados. Algumas delas, desferidas fisicamente pelo personagem de Wagner Moura em momento crucial do filme (você vai entender quando assistir), se revelam como um dos mais eloquentes comentários políticos dos últimos anos.
Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro. Brasil, 2010. Direção: José Padrilha. Elenco: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Maria Ribeiro, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Tainá Muller, Pedro Van-Held, Seu Jorge, André Mattos.
7 comentários
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13/10/2010 às 12:31
Fábio
Tropa de Elite – “1 ou 2” – é um daqueles casos raros que une público e crítica pela qualidade. Acho meio o fenômeno Batman Begins e Dark Night – tirando as devidas diferenças. O primeiro é muito bom, mas o segundo é tão sensacional que acaba deixando o primeiro “menos bom” ehehehehe.
‘E a sua resenha, parceiro, foi massa’. 😀
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16/10/2010 às 13:02
Renata
Um roteirista e crítico de cinema escreveu um texto sobre ‘Tropa de Elite 2′, o qual envio abaixo:
Extraído de http://bit.ly/9mjZ13
Ou
“Quem precisa de mais um texto sobre Tropa de Elite 2?”
Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa
Confesso que estava ansioso para ver ‘Tropa de Elite 2’, e o fiz assim que estreou em grande circuito, dia 8-10. Um filme extremamente bem realizado. No mesmo dia, saiu no RioShow do jornal ‘O Globo’ uma versão editada de um texto de Jorge Antonio Barros que apontava inverossimilhanças no roteiro do filme. Barros é editor adjunto do caderno Rio e responsável pelo blog ‘Repórter do Crime’ do Globo. Ou seja, alguém com conhecimento de causa nos assuntos retratados no filme. O texto, muito válido, pode ser lido integralmente aqui:
http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/posts/2010/10/08/tropa-de-elite-2-nem-tudo-verdade-mas-quase-tudo-330978.asp
Mas as discrepâncias que Barros aponta são aquelas entre filme/realidade. Eu pretendo aqui comentar as discrepâncias internas do filme.
Todo filme tem que ser coerente, não pode uma hora dizer uma coisa e depois dizer outra. No caso de uma continuação, além de ser internamente coerente, ela tem que ter coerência com o filme que a gerou. Isto posto, temos a reviravolta do personagem Capitão Nascimento (no segundo filme promovido a Coronel), que desde o primeiro filme é mostrado como beligerante, proto-fascista e alguém que tem verdadeira abjeção por pseudo-liberalismos hipócritas da sociedade (“- Quando vejo uma passeata pela paz tenho vontade de sair dando porrada” – diz no primeiro filme). Agora, no segundo filme, Nascimento termina por se juntar ao personagem de um militante/deputado que tem várias características que antes ele repudiava. É uma forma de incoerência, mas isto está bem resolvido no filme, a mudança de Nascimento se dá devido a descobertas feitas ao longo da trama, faz parte do que em roteiro se chama de ‘arco do personagem’.
Mas há problemas maiores. Não queria nem falar do fato de Rosane, a personagem que era a esposa de Nascimento no primeiro filme, ter se divorciado dele e casado com outro personagem que é quase uma nêmese do Cap. Nascimento. Este dado é um “Deus Ex Machina“, uma forçação de barra brutal: A mulher que teve seu primeiro casamento destruído pela dedicação obsessiva de seu marido à segurança pública vai se casar justamente com outro homem que dedica, por outros meios, obsessivamente sua vida à segurança pública? É trocar um problema por outro. Mas rende bons frutos à trama: a ironia embutida no fato, a confusão entre os dois pólos gerada na cabeça do filho agora adolescente de Nascimento. Então, vamos deixar passar.
Mas um outro problema, este me parece inexplicável: No segundo filme temos a questão das milícias, personificada no Major Rocha. E o sujeito é a encarnação do mal, brutal e corrupto ao extremo. Nem o agora oficial André Matias (qual a patente dele? Capitão?) nem o Coronel Nascimento parecem saber nada sobre o Major Rocha: Matias aceita tomar parte numa operação capitaneada por Rocha; e após a execução de um personagem do Bope (não vou dizer quem, para não estragar a surpresa pra quem ainda não viu), o Coronel Nascimento não consegue fazer a conexão entre o crime e o provável autor do mesmo.
Pois bem, vamos retroceder para esclarecer o ponto incômodo: No primeiro filme o Capitão Nascimento é designado para ministrar um curso para os candidatos ao Bope. Antes do curso começar, os oficiais da instituição se reúnem numa mesa para debater o que se sabe sobre os candidatos. ( “-Esse está na lista do jogo do bicho.” “-Esse é barra pesada. Cafetão de puta em Copacabana!”). Ou seja, no primeiro filme eles tinham informações sobre todo policial corrupto pé-de-chinelo da cidade. E no ‘Tropa 2’, este serviço de inteligência, que antes funcionava miraculosamente bem, agora é incapaz de saber que o Major Rocha é o chefão das milícias? Não dá pra acreditar. E esta situação se estende por anos, e o Coronel Nascimento só vai tomar ciência dele através do ativista de direitos humanos? Que é isso? Parece que o diretor e roteirista estão pedindo desculpas por um certo endosso à truculência no primeiro filme: “Olha, aquela cena em que o policial invade a passeata da paz e sai batendo num ‘avião’ (passador de droga), não quer dizer que sejamos anti-pacifistas. O personagem é que era brutal; nós não. Até o Coronel Nascimento teve que reconhecer a sua inferioridade em relação a um militante dos direitos humanos. O cara lhe toma a mullher, o amor do filho, e ainda descobre coisas que ele não foi capaz.”
Talvez ainda volte ao assunto. De qualquer forma, ‘Tropa de Elite 2’ é um filme que tem que ser visto e debatido.
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27/10/2010 às 01:46
Elviz
sobre as discrepâncias descritas no post:
1ª- no próprio post foi justificada, a história do segundo filme explica essa mudança
2ª- além do fato da esposa ser uma personagem secundária, e nao mostrar com muitos detalhes sua personalidade, casamentos em que ninguém entende porque acontecem são comuns em todo lugar, não é necessário ter uma explicação detalhada no filme.
3ª- podemos dizer que o Rocha é o provável autor do crime somente porque vemos simultaneamente os 2 pontos de vista do filme, o do Nascimento personagem, e ele como Narrador onisciente (não necessariamente ele, mas com a mesma voz), porém o personagem não faz nem idéia de que existiam as milícias por quase todo o filme
4ª- o Major Rocha é PM, mas nao BOPE, pode ser que essa verificação de antecedentes era feita somente em quem se alista para o BOPE (não lembro exatamente o que foi dito no primeiro filme), além disso, Rocha era protegido do governador.
5ª- Nascimento não fazia idéia que existiam as milícias, achava que estava resolvendo os problemas das favelas, seu chefe era corrupto, e havia todo o sistema (evoluído) que ele desconhecia. Por esses motivos, ele não sabia de nada até quase no final do filme, quando ele começa a ligar os pontos, e descobre toda a farsa, graças (em parte) ao fraga.
6ª- Na minha opinião, não tem nada de reconhecer a inferioridade, essa frase é totalmente depreciativa: “O cara lhe toma a mullher, o amor do filho, e ainda descobre coisas que ele não foi capaz”
-Ele se separou, a mulher casa com quem quiser (não tem nada a ver com tomar a mulher do outro);
-O filho foi criado pelo outro cara desde bem pequeno, e ele tá sempre ocupado com o trabalho, é bem provável que o filho vai gostar mais do cara que o criou;
-É, ele não descobriu, tá explicado aqui em cima o porquê.
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19/10/2010 às 09:17
Ronaldo
Senti uma certa dor de cotovelo no post da Renata. Participa de alguma ONG?
Pois eu acho bem colocado em ambos os filmes essa questão das ONGs. Eu trabalho diretamente com politica de direitos da pessoa e tenho braços ligados com ambientalistas. Vejo essas ONGs sem noção fazendo auto-promoção da sua imagem e os frutos podres que resultam disso, além da conduta irreal que é empreendida nas suas ações. Por isso eu clamo que mais pessoas abram os olhos com esses movientos não governamentais, que quase na sua totalidade são meios de anarquia e difusão de práticas duvidosas, sobretudo ignorando os custumes e até mesmo leis.
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28/10/2010 às 23:51
Elysio Jr
Sendo bastante honesto, o texto de Renato me deixou com água na boca para ver o tropa 2. Acabei de ver e, como disse a ele quando li, sem ter visto ainda o filme, a crítica e duca! Agora que vi, fiquei com a sensação que duca ainda é pouco. Esse filme leva realmente a analisar onde foi parar o “sistema” e o que realmente acontece lá e em outras cidades. Concordo com o Nascimento. O “O sistema, parceiro, é f…”. Disse a minha namorada, quando saimos do cinema: “Quem precisa de Robocop? Chama o Nascimento que ele resolve”. E resolve mesmo. Parabéns de novo ao Renato pela crítica e ao Padilha pelo excelente filme. E que venham outros tão bons quanto!
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